O Globo
A diversificação das perspectivas
culturais, étnicas, de gênero e socioeconômicas possui alta potência de
enriquecer a análise de problemas complexos e promover mais inovação
Ninguém discorda que a produção de pesquisa
acadêmica de ponta é essencial para o desenvolvimento científico, tecnológico e
biossocioeconômico. Mas, no Brasil, os desafios, que já eram significativos,
foram agravados pela pandemia.
Recente relatório divulgado pela Agência Bori e pela editora
Elsevier mostrou que, pela primeira vez desde 1996, houve queda em 2022 no
número de artigos científicos publicados. Foi a maior redução entre 51 nações
analisadas, ao lado da Ucrânia, que enfrenta uma guerra.
Além da quantidade, há também a qualidade. Para isso não existe indicador perfeito, mas uma métrica comumente utilizada para avaliar seu impacto é o número de citações em outras publicações. Em 2015, ano em que nossa produção científica representava cerca de 3% do total mundial, o Brasil respondeu por 1,7% das citações, sinal de que há espaço para ampliar nosso impacto.
Mesmo que de forma insuficiente, desde 2005
o Brasil vinha em trajetória de crescimento acelerado no volume e, em menor
grau, no impacto da produção científica. Os dados mais recentes, porém,
confirmam que o estrangulamento recente do financiamento, aliado à
infraestrutura inadequada, ampliaram o risco de “fuga de cérebros” e
contribuíram ainda mais para agravar o quadro.
Seguimos com o desafio da quantidade e da
relevância, mas precisamos adicionar um terceiro recorte muitas vezes
negligenciado. Trata-se da diversidade, que gera multiplicação de perspectivas
e experiências com potencial para alavancar, sobretudo, a qualidade das
pesquisas.
Esse desafio é enorme. Por exemplo, num
país em que 56% da população se declaram pretos ou pardos, esses grupos
representam apenas um quarto dos estudantes de pós-graduação. A atualização da
Lei de Cotas — a ser confirmada no Senado — acerta ao estender a
obrigatoriedade, hoje restrita à graduação, para a pós. Mas é preciso fazer
mais.
A revista Nature, em
editorial publicado em 2018 numa edição que tratou do tema da diversidade na
ciência, destacou exemplos de sucesso pelo mundo. Em comum, há o esforço
para encorajar, desde a educação básica, jovens de grupos sub-representados a
se interessarem pela carreira científica. Os critérios e até mesmo as formas de
divulgação de vagas são também pontos de atenção.
O texto lembra ainda que manter é tão
importante quanto recrutar, o que demanda estratégias de apoio e mentoria aos
novos pesquisadores. A revista cita ainda estudos que sugerem uma relação
positiva entre mais diversidade e maior produtividade.
O que as pesquisas citadas pela Nature
indicam para a ciência vale também para o mundo corporativo. Relatório de 2018
da Mckinsey (Delivering Through Diversity) mostra que há uma relação
entre mais diversidade e melhor performance financeira em grandes empresas.
Uma edição de 2014 da revista Scientific American explica,
a partir de estudos acadêmicos, os motivos para isso. Em resumo, a interação
entre pessoas com diferentes perfis torna as equipes mais criativas, diligentes
e esforçadas.
A diversificação das perspectivas
culturais, étnicas, de gênero e socioeconômicas possui alta potência de
enriquecer a análise de problemas complexos e promover mais inovação. Uma
pluralidade de visões e experiências desafia suposições implícitas e estimula a
criatividade na formulação de hipóteses e na interpretação de resultados.
Além disso, a pesquisa diversificada pode
aumentar a representatividade dos resultados, tornando-os mais aplicáveis a
contextos diversos.
É igualmente vital buscar a
interdisciplinaridade. Por exemplo, a inclusão de temas tipicamente
humanísticos nas ciências “duras” pode revelar implicações éticas, sociais e
culturais que poderiam passar despercebidas por uma abordagem puramente
técnica. Questões como mudanças climáticas, saúde global e inovação tecnológica
transcendem as barreiras disciplinares e exigem uma compreensão que agregue
múltiplas perspectivas.
A pesquisa que incorpora uma gama
diversificada de tópicos encontra mais oportunidades para responder aos
chamados wicked problems, fenômenos complexos, ambíguos e incertos.
Diversificar a pesquisa é um ato de justiça
social, mas, além disso, uma estratégia — cada vez mais utilizada pelas
melhores universidades do mundo — para elevar a qualidade, a pertinência, a
relevância e a aplicabilidade da pesquisa acadêmica. A diversidade está em
nosso quintal. Sofremos de uma miopia situacional que a oculta. Resta
aproveitá-la.
*Ricardo Henriques, economista, é superintendente-executivo do Instituto Unibanco e professor associado da Fundação Dom Cabra
Verdade.
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