Folha de S. Paulo
Não sei o que ele estaria achando de chegar
aos 100. Só sei que, de qualquer jeito, não haveria hipótese
Foi Paulo Francis quem me apresentou a Millôr Fernandes. O ano era 1968 e ambos colaborávamos na revista Diners, dirigida por Francis. Quase todas as tardes, a redação da Diners fervia de notáveis que iam oferecer colaborações: de luminares da velha esquerda, como Octavio Malta, Antonio Callado, Franklin de Oliveira, aos da nova, como Fernando Gasparian, Glauber Rocha, Flavio Rangel. Já Millôr era independente. Eu tinha 20 anos e era como fizesse ali um intensivo de política, com a vida real entrando pela janela do 5º andar ---ao som das bombas e correrias da polícia contra os estudantes lá embaixo, na esquina de Rio Branco com Ouvidor.
Millôr tinha 45 anos e, mesmo sem tribuna
fixa naquele ano, estava em todas, como teatrólogo, tradutor e pensador para
todos os efeitos. A primeira coisa que ouvi de sua boca foi sobre por que
alguém como ele tinha de ser bem pago ---para que os patrões não o usassem para
explorar os colegas dizendo "Se eu pago só xis ao Millôr, por que você
quer receber tanto?".
Millôr era uma avalanche verbal, brilhante
e categórica. Uma expressão frequente em sua fala era "Não há
hipótese!" (de resposta, ele queria dizer). Com isso, já barrava qualquer
argumento contra sua lógica implacável ---que, de fato, naquele momento,
parecia irrespondível. Claro que ele também errava, como quando, com base numa
duvidosa liberdade individual, fez campanha diária no Jornal do Brasil contra o
cinto obrigatório nos carros ---que, ainda bem, perdeu.
Pelos 44 anos seguintes, até pouco antes de
sua morte, em 2012, estive com Millôr dezenas, centenas de vezes. De todas saí
melhor do que entrei. No mínimo, com alguma frase dele que me acompanharia pela
vida.
Gostaria de estar com Millôr nesta quarta,
16, para lhe perguntar como se sentia chegando aos 100. Impossível adivinhar o
que ele diria. Só garanto, 100%, que não haveria hipótese.
Estar com Millôr:: eu também queria! Queria estar com Millôr e com Camus, que para mim parece o Millôr, com o mesmo talento e lucidez do Millôr, só que com mais estudo e menos, muito menos erudição e bom humor.
ResponderExcluirEu sempre quis e quero alguma vez estar com Millôr, mas nunca houve e nunca haverá hipótese.
▪Na verdade, o que eu queria mesmo é que o Brasil millorasse; quero que o Brasil millore!
Camus...
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