quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Vera Magalhães - Governo se arrisca a perder bom momento

O Globo

Elogiado com razão pela condução da negociação econômica, Haddad errou ao criticar superpoderes de Lira antes da votação do marco fiscal

Agosto, até aqui, vem sendo um mês de indefinições e bateção de cabeça na relação entre o governo e seus interlocutores, notadamente o Congresso. O risco, real, é que o excesso de confiança e a falta de clareza nos objetivos e na tática levem o bom momento configurado com as notícias da virada do primeiro semestre a se esvair sem que se concluam as votações e as definições que levariam a uma melhora mais concreta das perspectivas econômicas para o país.

A euforia com o ritmo de votações da Câmara no início de julho parecia prenunciar dias ensolarados na relação com o Parlamento. Bastava uma reforma ministerial pontual para agregar o Centrão ao projeto governista.

O mês começou com o vento das boas notícias continuando a soprar, com a decisão do Copom de baixar em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros da economia, dando, enfim, aval para a política econômica praticada a partir da Fazenda.

Acontece que o tempo da política tem seus caprichos, e ele empacou no cálculo de Arthur Lira. Quando parecia que o presidente da Câmara destravaria, enfim, a discussão final do arcabouço fiscal — talvez animado por o Supremo Tribunal Federal, em decisão do ministro Gilmar Mendes, ter anulado a investigação sobre os kits de robótica, que o mantinha atrelado a um noticiário negativo de alto poder corrosivo —, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que vinha sendo elogiado, com razão, pela condução política da agenda econômica, errou o cálculo ao falar o que pensava antes da hora.

Haddad acertou no diagnóstico? Sim. A Câmara hoje tem uma hipertrofia de prerrogativas diante do Senado, e muito disso se deve à mão de ferro com que Lira conduz a Casa. Ele foi hábil ao atrelar um bloco de partidos amplo a seu projeto e ao perpetuar essa dependência do Executivo a ele, mesmo sem orçamento secreto.

Mas o governo é inocente nisso? Não. Topou o jogo desde a transição, ao entregar nas mãos de Lira a aprovação da PEC sem a qual Lula teria dificuldade de governar. Em troca do favor, prometeu apoiar sua reeleição. O pacto foi feito, e o presidente sabia o que ganharia e o que teria a perder.

Dali para a frente, a lirodependência foi acentuada pela dificuldade de a articulação política fazer o seu trabalho sozinha. O próprio Haddad teve de jogar nessa posição muitas vezes. Por tudo isso, espanta que o ministro tenha enunciado as críticas que fez a Lira em reveladora entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo antes de a votação do marco fiscal ter sido concluída.

Não se trata de defender que Haddad seja dissimulado e esconda o que pensa a respeito do desequilíbrio de forças entre os Poderes. Mas ou ele, Lula e o Planalto têm um plano para reverter o que consideram uma anomalia, ou o risco de apenas lançar a tese é o que aconteceu: levar Lira a reagir e a paralisar um projeto que estava na boca do gol.

Quais os caminhos para modular os superpoderes da Câmara? Rever a gestão do Orçamento, e o Executivo se articular para fazer o sucessor de Lira. O governo Lula não tem bala na agulha para nenhuma dessas tarefas neste momento.

É preciso, portanto, decidir se fará a reforma ministerial para tentar contemplar o Centrão, e em que termos, e para salvar o marco fiscal da bacia das almas do ressentimento político, porque a calmaria que se estabeleceu com mercado e agências de risco se deveu, em enorme medida, à expectativa de que a aprovação do projeto eram favas contadas.

Uma reversão dessa tendência leva um a grau de incerteza capaz de contaminar a maré de previsões otimistas em relação ao governo. O aumento do preço dos combustíveis, artificialmente contido até agora, e um apagão para o qual todos oferecem mais chute e narrativa que explicações técnicas também ajudam a encher de nuvens um céu que antes estava azul.

 

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Nos idos dos anos 70, a CEMIG trabalhava intensamente montando subestações de energia elétrica nos pequenos municípios do interior mineiro.
    Num deles, promovia uma prestigiada festa noturna, com regabofe e dança à vontade, mas não incluiu o encarregado da obra entre os convidados.
    Barrado na porta do baile, não teve dúvidas: foi lá e desligou a subestação.
    De volta ao salão, berrava:
    "Não quiseram me convidar, seus metidos, então quero ver dançar agora".

    Deve ter acontecido de novo, ou então foi só o Lira que abespinhou-se

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  3. Não me convidaram pra essa festa pobre...

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