quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Vinicius Torres Freire - Querem sabotar Haddad

Folha de S. Paulo

Ministros do Planalto e comando do PT querem reduzir a meta de contenção de gasto e dívida

Gente graúda do governo Lula quer mudar a meta de saldo primário em 2024. Fernando Haddad prometeu déficit primário zero. Isto é, receitas e despesas (afora aquelas com juros) seriam iguais. É o que deve estar na lei do Orçamento de 2024, a ser divulgada na quinta-feira (31).

No entanto, a possibilidade de que a alteração venha a ocorrer daqui até o ano que vem vai assombrar as contas do governo. Quanto maior o abantesma, maior a consequência em taxas de juros, dólar etc. É problema.

Ministros vários, do Planalto inclusive, querem que o governo se permita um déficit de algo entre 0,5% e 0,75% do PIB (entre R$ 58 bilhões a R$ 86 bilhões). Em resumo, governistas e petistas querem evitar contenção ("contingenciamento") de gastos, o que redundaria em cortes nas verbas para o "Novo Pac".

Essa conversa rola pelo Congresso desde o início do mês. Nesta semana, transbordou. O pessoal da Fazenda diz que é "fogo amigo, dos grandes". O restante do governo em geral ficou quieto.

Consultada, a ministra Simone Tebet (Planejamento) pediu para dizer a este jornalista que é contra a mudança: "Sugerir alteração da meta fiscal tendo as receitas necessárias em discussão no Congresso Nacional e, ainda, de última hora, contrariaria a própria lógica de planejamento orçamentário".

Como todo mundo espera algum déficit em 2024, seria melhor reconhecer que o déficit zero vai para o vinagre, dizem nas internas assessores de Lula e, em público, o PT.

Qual a diferença entre tentar o déficit zero e falhar e a atitude de jogar a toalha desde já?

Primeiro: jogando a toalha, é certo que haverá pelo menos déficit no novo tamanho previsto (e daí para cima). Tentando aumentar receitas e contendo gastos, é mais provável que o déficit seja menor do que o esperado em caso de relaxamento.

Segundo: se o governo descumprir a meta de saldo primário, haveria "penalidades": proibição de certos aumentos de gastos nos anos seguintes. Ou seja, jogando a toalha, o "arcabouço fiscal" do governo Lula não vai valer lá grande coisa.

Para atingir o déficit zero, estima-se a receita do governo tenha de aumentar uns R$ 130 bilhões (1,1% do PIB previsto pelo governo para 2024).

Para haver tal aumento, o governo precisa ganhar processos no "tribunal da Receita" (Carf) e, para tanto, mudar a lei (para ter voto de desempate) e ainda conseguir levar o dinheiro das vitórias. Precisa também tributar ricos (em fundos exclusivos e no exterior, entre outras tentativas) ou recolher o dinheiro que empresas deixavam de pagar ao governo federal por conta de isenções de ICMS (estaduais). Etc. Depende muito do Congresso. Ainda que dê tudo certo, a arrecadação de fato é meio imprevisível.

Para piorar, a receita do governo começou a cair em junho (em termos anuais e reais). Cai em particular por causa das receitas derivadas de recursos naturais (petróleo etc.), dividendos de estatais, concessões —gente no governo e nas estatais quer diminuir ainda mais essa fonte de receita ("para investir mais").

Em junho, a receita líquida do governo estava em 17,9% do PIB. Para se atingir a meta de déficit zero, precisariam estar em torno de 18,7% e 19% do PIB, segundo o próprio pessoal da Fazenda.

O comando do PT e ministros do Planalto acreditam, como de costume, que é preciso preservar o PAC a fim de "estimular o crescimento", mesmo com aumento de déficit, na atual situação ruim de dívida grande e crescente.

Não é simples assim. Déficit e dívida crescentes no Brasil e juros altos no mundo rico por um bom tempo serão empecilho à redução maior das taxas de juros, da Selic, de curtíssimo prazo, às demais. A desmoralização do plano de gastos e dívidas degradaria expectativas econômicas. O pessoal está brincando com fogo.

 

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