Folha de S. Paulo
Ministros do Planalto e comando do PT
querem reduzir a meta de contenção de gasto e dívida
Gente graúda do governo Lula quer
mudar a meta de saldo primário em 2024. Fernando
Haddad prometeu déficit primário zero. Isto é, receitas e despesas
(afora aquelas com juros) seriam
iguais. É o que deve estar na lei do Orçamento de 2024, a ser divulgada na
quinta-feira (31).
No entanto, a possibilidade de que a
alteração venha a ocorrer daqui até o ano que vem vai assombrar as contas do
governo. Quanto maior o abantesma, maior a consequência em taxas de
juros, dólar etc.
É problema.
Ministros vários, do Planalto inclusive, querem que o governo se permita um déficit de algo entre 0,5% e 0,75% do PIB (entre R$ 58 bilhões a R$ 86 bilhões). Em resumo, governistas e petistas querem evitar contenção ("contingenciamento") de gastos, o que redundaria em cortes nas verbas para o "Novo Pac".
Essa conversa rola pelo Congresso desde o
início do mês. Nesta semana, transbordou. O pessoal da Fazenda diz que é
"fogo amigo, dos grandes". O restante do governo em geral ficou
quieto.
Consultada, a ministra Simone Tebet (Planejamento)
pediu para dizer a este jornalista que é contra a mudança: "Sugerir
alteração da meta fiscal tendo as receitas necessárias em discussão no
Congresso Nacional e, ainda, de última hora, contrariaria a própria lógica de
planejamento orçamentário".
Como todo mundo espera algum déficit em
2024, seria melhor reconhecer que o déficit zero vai para o vinagre, dizem nas
internas assessores de Lula e, em público, o PT.
Qual a diferença entre tentar o déficit
zero e falhar e a atitude de jogar a toalha desde já?
Primeiro: jogando a toalha, é certo que
haverá pelo menos déficit no novo tamanho previsto (e daí para cima). Tentando
aumentar receitas e contendo gastos, é mais provável que o déficit seja menor
do que o esperado em caso de relaxamento.
Segundo: se o governo descumprir a meta de
saldo primário, haveria "penalidades": proibição de certos aumentos
de gastos nos anos seguintes. Ou seja, jogando a toalha, o "arcabouço
fiscal" do governo Lula não vai valer lá grande coisa.
Para atingir o déficit zero, estima-se a
receita do governo tenha de aumentar uns R$ 130 bilhões (1,1% do PIB previsto
pelo governo para 2024).
Para haver tal aumento, o governo precisa
ganhar processos no "tribunal
da Receita" (Carf) e, para tanto, mudar a lei (para ter voto de
desempate) e ainda conseguir levar o dinheiro das vitórias. Precisa também
tributar ricos (em fundos exclusivos e no exterior, entre outras tentativas) ou
recolher o dinheiro que empresas deixavam de pagar ao governo federal por conta
de isenções de ICMS
(estaduais). Etc. Depende muito do Congresso. Ainda que dê tudo certo, a
arrecadação de fato é meio imprevisível.
Para piorar, a receita do governo começou a
cair em junho (em termos anuais e reais). Cai em particular por causa das
receitas derivadas de recursos naturais (petróleo etc.), dividendos de
estatais, concessões —gente no governo e nas estatais quer diminuir ainda mais
essa fonte de receita ("para investir mais").
Em junho, a receita líquida do governo
estava em 17,9% do PIB. Para se atingir a meta de déficit zero, precisariam
estar em torno de 18,7% e 19% do PIB, segundo o próprio pessoal da Fazenda.
O comando do PT e ministros do Planalto
acreditam, como de costume, que é preciso preservar o PAC a fim de
"estimular o crescimento", mesmo com aumento de déficit, na atual
situação ruim de dívida grande e crescente.
Não é simples assim. Déficit e dívida
crescentes no Brasil e juros altos no mundo rico por um bom tempo serão
empecilho à redução maior das taxas de juros, da Selic, de
curtíssimo prazo, às demais. A desmoralização do plano de gastos e dívidas
degradaria expectativas econômicas. O pessoal está brincando com fogo.
Lendo e tentando entender alguma coisa.
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