quinta-feira, 31 de agosto de 2023

William Waack - Dono das verdades

O Estado de S. Paulo

Para o presidente, tudo se resume a uma luta de ricos contra pobres

Lula se diz dedicado a duas tarefas formidáveis, reconstruir o Brasil e mudar a ordem internacional. Em ambas afirma estar enfrentando de forma efetiva a luta de ricos contra pobres.

Para Lula, países avançados não investem nos pobres e insistem em cobrar dívidas impagáveis. São sempre os poderosos que começam guerras e a ONU não pode fazer nada, pois dezenas de países (presumivelmente “pobres”) não têm voz na instituição que deveria governar o mundo, de preferência pelo voto.

Mas o mundo não será mais o mesmo agora que os Brics se expandiram, disse Lula. Esse coletivo já é economicamente mais poderoso que o G-7 , nem precisará mais do dólar e vai dar uma sacudida naquele Conselho de Segurança inoperante.

No Brasil os ricos não estavam no Imposto de Renda nem os pobres no orçamento público. Ricos escapavam da tributação que penalizava trabalhadores de renda mais baixa. Uma dupla injustiça, segundo Lula, pois quem faz a economia crescer são apenas os trabalhadores.

Mas essa situação mudou com a MP que taxa fundos dos super-ricos. Somam-se a isso a política de valorização do mínimo e regras para contas públicas com ênfase na receita e não em corte de despesas, e o Brasil está, segundo Lula, diante de efetiva correção da desigualdade.

É óbvio que essa simplificação funciona num palanque, mas tem escassa utilidade para política externa e políticas públicas. A visão de Lula da ordem internacional é a de “luta de classes” consolidada numa “tirania” de poucos sobre muitos, e desconhece o básico da relação de forças e motivos de ação das potências. Além de atribuir à ONU papel que nunca teve.

A desigualdade brasileira tem raízes profundas e se perpetua numa economia fechada, de produtividade estagnada (fora a da agroindústria, que Lula não entende) e sufocada por um Estado balofo e ineficiente. Patrimonialismo é o nome do jogo político no qual Lula está mergulhado, que não permite o tratamento igual a cidadãos, segmentos ou regiões.

A diferença entre o que Lula enfrentou há 20 anos e as situações às quais se dedica agora é o enorme aumento da complexidade e gravidade desses desafios. O mundo se divide numa perigosa luta de contestação da ordem vigente, que deixa o Brasil em posição muito delicada.

No lado doméstico, o Brasil faliu ao tentar financiar um estado de bem-estar social, e cresce de maneira pífia. Seus sistemas político e de governo pioraram quanto à eficácia, e a relação entre os Poderes se desequilibrou.

Lula continua enxergando tudo preso às visões de 20 anos atrás. Mas com uma grande diferença: hoje ele se acha dono das verdades absolutas.

 

2 comentários: