terça-feira, 5 de setembro de 2023

Andrea Jubé - Crise das joias testa resiliência bolsonarista

Valor Econômico

Cúpula do PL comemora que a popularidade do ex-mandatário se mantém em patamar elevado

Com seis meses de noticiário frequente, quase diário, sobre a investigação da Polícia Federal (PF) de um suposto esquema de venda de joias e outros presentes destinados ao Estado brasileiro em missões no exterior, que tem como alvo o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu entorno, a cúpula do PL comemora que a popularidade do ex-mandatário se mantém em patamar elevado.

Pesquisas recentes mostram que a aprovação de Bolsonaro caiu pouco em relação ao apoio obtido no segundo turno do pleito presidencial, quando ele alcançou 49,1% dos votos válidos. Essa resiliência é essencial aos planos do partido de colocar Bolsonaro, mesmo inelegível, em campo nas eleições de 2024 e 2026, atuando como principal cabo eleitoral e líder da oposição.

A resiliência do bolsonarismo diante da ofensiva midiática, da cobrança sistemática por esclarecimentos, do envolvimento de oficiais de alta patente do Exército, dos inúmeros depoimentos de Bolsonaro à Polícia Federal impressiona até mesmo políticos com muitas horas de voo.

A mãe de uma amiga da coluna é exemplo de bolsonarista resiliente. Suas atitudes ajudam a traduzir um pouco da firme disposição dos apoiadores mais convictos do ex-presidente a enfrentarem a adversidade. Aposentada, 70 anos, ela era frequentadora do extinto acampamento na entrada do Quartel-General do Exército. Na campanha, mudou os hábitos e passou a assistir somente ao canal de televisão recomendado pelos bolsonaristas. Na semana passada, quando o telejornal deste canal noticiou novo episódio relacionado à venda ilegal dessas joias, ela se irritou. No passado, teria apenas trocado de canal. Naquele dia, desligou a tevê.

Bolsonaro já foi intimado pelo menos seis vezes para prestar depoimento aos agentes da Polícia Federal. Ele é alvo direta ou indiretamente de investigações distintas, desde o suposto esquema de venda ilegal de joias destinadas ao Estado brasileiro, passando pela organização dos atos golpistas de 8 de janeiro, até a falsificação de cartões de vacinação contra a covid-19. Esta última acusação mantém na prisão há mais de três meses o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel da ativa Mauro Cid, também envolvido na investigação sobre as joias.

Apesar de todos os holofotes voltados à ação da PF e à apuração sobre a organização dos atos contra a democracia - duas frentes que têm Bolsonaro como alvo - fontes do PL observam que o ex-presidente tem comparecido a eventos onde tem sido ovacionado.

O mais recente foi no dia 28 de agosto, quando recebeu o título de cidadão mineiro do governador Romeu Zema (Novo) em solenidade na Assembleia Legislativa. “Conte com Minas Gerais”, disse um Zema efusivo, de olho nos votos bolsonaristas.

Antes, na noite de 25 de agosto, Bolsonaro foi aclamado pelo público da Festa do Peão de Barretos, no interior de São Paulo. E em 18 agosto, foi a vez da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) agraciar o ex-presidente com o título de cidadão goiano, em solenidade que contou com a presença do governador Ronaldo Caiado (União Brasil). Três redutos bolsonaristas, registre-se.

“Na essência, nada mudou: o antipetismo continua presente na sociedade, mas está adormecido”, disse à coluna Felipe Nunes, diretor da Quaest Pesquisa e Consultoria, questionado sobre o impacto de seis meses de noticiário sobre a suposta venda ilegal das joias do acervo presidencial sobre o bolsonarismo.

“As joias servem para desmobilizar o público, fazê-los recuar um pouco, mas isso não desaparece com o sentimento de derrota que se deu no ano passado”, completou Nunes. “O viés de confirmação continua criando a sensação de sempre nas duas bolhas: quem é bolsonarista minimiza o que aconteceu com as joias, quem é lulista maximiza”, acrescentou.

Nunes adiantou que a Quaest sairá a campo nos próximos dias para medir, cientificamente, o percentual de resiliência do bolsonarismo.

Em meados de junho, o Instituto Datafolha atestou que a polarização segue estável no país: 29% dos eleitores se declararam petistas convictos, e 25% muito bolsonaristas.

Petistas ouvidos pela coluna alertam, entretanto, que outro levantamento do Datafolha - este mais recente - mostrou que na cidade de São Paulo os petistas representam o dobro do eleitorado bolsonarista, numa possível demonstração da reação do PT ao bolsonarismo: 32% dos eleitores da capital se identificam como petistas, enquanto 15% se declaram bolsonaristas. Estes números, entretanto, refletem um cenário que já era observado em outubro de 2022. O petista derrotou Bolsonaro na capital paulista, mas perdeu no interior.

Bolsonaro tem recorrido à ironia para se defender. Em Goiânia, visitou uma joalheria, ganhou uma semi-joia de presente, e tripudiou: disse que da última vez que ganhou um presente do tipo, “deu o maior problema”.

Mas ri melhor quem ri por último. A preocupação na cúpula do PL é com a investigação em torno das manifestações de 8 de janeiro, e eventual envolvimento de Bolsonaro em um plano, com alas das Forças Armadas, para atentar contra o Estado Democrático de Direito. Há receio de que possível acusação nesse processo, lastreada em provas, gere consequências mais graves, atingindo a popularidade do ex-presidente, e minando os planos de poder do PL.

  

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