quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Assis Moreira - No FMI, de novo uma velha batalha

Valor Econômico 

Brasil correria risco de perder poder de voto no Fundo se usada a atual fórmula para calcular quotas 

Em seu discurso nas Nações Unidas, na terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou que “as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas”. Insistiu que, “quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução”. E reclamou que “a representação desigual e distorcida na direção do FMI e do Banco Mundial é inaceitável”. 

A próxima batalha na governança é justamente a revisão das quotas do Fundo Monetário Internacional, para garantir recursos para a instituição manter seu papel na estabilidade do sistema monetário internacional. 

As quotas refletem o peso e a posição dos países na economia mundial. E na atual discussão, caso se aplicasse a atual fórmula de cálculo das quotas, o Brasil perderia poder de voto no FMI, em vez de ganhar mais. Essa perda provavelmente não ocorrerá. A tendência é de o país pelo menos manter sua participação, até em razão também da rivalidade entre os Estados Unidos e a China. 

A negociação da 14ª reforma de quotas do FMI foi completada em 2010 e só se tornou efetiva em 2016, quando o Brasil aumentou sua fatia de poder de 1,8% para 2,3%. A 15ª revisão foi encerrada em 2020 sem acordo entre os países. A atual negociação da 16ª revisão tem compromisso de acontecer até 15 de dezembro deste ano. Porém, há o risco de repetir-se o fiasco de 2020, o que seria outro sinal muito ruim para a já fragilizada cooperação financeira internacional. Um momento crucial dessa negociação será em outubro, em reunião do FMI e do Banco Mundial prevista para o Marrocos. 

A fórmula atual de cálculo das quotas dos países-membros no FMI e, portanto, de seu poder de voto é uma média ponderada de PIB (50% de peso), abertura econômica (30%), variabilidade econômica (15%) e reservas internacionais (5%). A coluna apurou que, nesse caso, o poder de voto do Brasil cairia de 2,3% para 1,8%, por causa do crescimento medíocre dos últimos anos. Em comparação, no caso da Índia, economia que cresce fortemente, passaria de 2,75% para 3,6%. 

Sobretudo, a China subiria muito e os Estados Unidos diminuiriam - o que é ainda mais sensível para Washington admitir no confronto geopolítico atual. Com seus atuais 17,4% do total dos votos, os americanos têm hoje poder de veto sobre a maioria das decisões do FMI. Numa revisão, se usada a fórmula atual, a China aumentaria fortemente seu poder de voto de 6,4% para 14,4%, enquanto o dos Estados Unidos cairia para 14,8%, ou somente 0,4 ponto percentual a mais que os chineses. O Japão perderia o posto de segundo maior acionista para a China, e esse é outro grande problema na revisão atual. 

Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South, conta que, quando era vice-presidente no Banco Mundial, o aumento de capital negociado em 2018 no banco só foi aprovado depois que a China aceitou permanecer como terceiro acionista e deixar o Japão como segundo. 

No FMI, o que os Estados Unidos e o Japão estão propondo, e que atende a todos os países sobrerrepresentados, como os europeus, é a chamada “equiproporcionalidade”. Por ela, os países aumentariam a capacidade de recursos do Fundo, mas não haveria mudança imediata na sua estrutura acionária. Washington e Tóquio propõem assim que o aumento das quotas seja proporcional à distribuição atual, que ainda reflete uma distribuição de poder do século XX -portanto, sem o realinhamento dando mais peso aos emergentes nessa instituição-chave da governança econômica. 

O fato é que não houve real discussão de nova fórmula nos últimos três anos. De seu lado, o Brasil defende que seja dado mais peso ao critério de Paridade de Poder de Compra (PPP, na sigla em inglês), pelo qual o PIB dos emergentes tende a ser maior em termos relativos. Para Brasília, interessa o realinhamento das quotas, para redistribuí-las levando em conta a influência crescente dos emergentes na economia mundial e corrigir distorções na governança global, e sem diminuir a fatia dos mais vulneráveis. Com isso, aposta num cenário de que vai melhorar o ritmo do crescimento da economia e se beneficiar de toda maneira no futuro. No entanto, os países sobrerrepresentados no Fundo, incluindo os europeus e a Arábia Saudita, não têm interesse nesse tipo de ajuste. 

Para não ter o realinhamento de quotas, os países industrializados oferecem uma espécie de compensação para os emergentes. Inclui ampliação dos programas concessionais (financiamentos em condições mais favoráveis do que no mercado) e para resiliência contra futuros choques. E também algum tipo de voz a mais no board do FMI. Os EUA sugerem a criação de uma 25ª cadeira no board para atender países da Africa Subsaariana. 

Só que isso é muito insuficiente para os países em desenvolvimento, comparado à ambição e aos compromissos assumidos pelos ricos desde 2010 para um ajuste no poder na instituição. 

Os Estados Unidos e os emergentes estão de acordo, de toda maneira, para o FMI voltar a ter mais recursos originários das quotas pagas pelos países, em vez de empréstimos bilaterais e outros mecanismos. 

Hoje, o Fundo tem cerca de U$$ 1 trilhão de recursos, dos quais 44% são dinheiro das quotas, 40% são NAB (New Arrangements to Borrow) e 16% são BBA (Bilateral Borrowing Arrangements). Esses dois últimos são empréstimos concedidos por alguns países ao Fundo, com evidente influência na instituição, mas que não permitem aumentar realmente o peso dos emergentes. 

Parte dos empréstimos para o NAB e BBA vai expirar no ano que vem, reduzindo o poder de fogo do FMI. Dados recentes mostram que o Brasil tinha US$ 11 bilhões emprestados ao Fundo. 

Para pelo menos manter sua capacidade atual de socorrer os países, o Fundo precisa de aumento das quotas e, portanto, da contribuição dos membros. Mas essa não parece uma prioridade dos governos, até porque não há uma grande crise na economia global. Quando isso acontecer, vão ter de arranjar uma solução rapidamente. 

A China tem paciência estratégica. Pressiona, mas sem ficar batendo de frente. Aposta que em algum momento o mundo vai precisar do apoio chinês. 

 

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