O Globo
Ministros fazem malabarismo jurídico e
levam teses conspiratórias ao tribunal
Jair Bolsonaro passou, mas seus ministros
de estimação continuam. O julgamento dos primeiros réus do 8 de janeiro expôs o
legado do capitão no Supremo Tribunal Federal. Ele teve a chance de indicar
dois juízes e escolheu Kassio Nunes Marques e André Mendonça.
Desde que vestiram a toga, ambos se esmeram
em defender os interesses do ex-presidente. Foi o que voltaram a fazer nos
processos contra bolsonaristas que invadiram e depredaram as sedes dos três
Poderes.
Na quarta-feira, Kassio propôs que o
primeiro réu fosse absolvido dos crimes contra a democracia. Justificou-se uma
tese esdrúxula: como o golpe fracassou, os golpistas só poderiam ser punidos
por delitos menores, como sujar tapetes e quebrar vidraças.
O ministro chegou a tratar os criminosos como inofensivos “manifestantes”. A conversa irritou Gilmar Mendes, que relembrou o ataque violento à sede do tribunal. “A cadeira em que o senhor está sentado estava lá na rua”, indignou-se o decano.
Ao descrever a ação da turba, Kassio tentou
pintá-la como um grupo “difuso e descoordenado”, composto de “aposentados e donas
de casa”. A escolha de palavras foi estratégica. Se o crime não teve
coordenação, não haveria motivo, mais à frente, para identificar e punir seu
mandante.
O malabarismo para blindar Bolsonaro também
marcou o voto de Mendonça. Sem corar, o ministro “terrivelmente evangélico”
sugeriu que o atual governo teria facilitado a invasão e a depredação dos
prédios públicos.
O relator Alexandre de Moraes se irritou
com a tese, que classificou como “absurda”. “Vossa excelência vem ao plenário
do STF, que foi destruído, falar que houve uma conspiração do governo contra o
próprio governo? Tenha dó!”, protestou.
O discurso de Mendonça combinou com a
performance dos advogados dos golpistas. Nos dois dias de julgamento, eles
chamaram a atenção pelo despreparo e pelo atrevimento. O ex-desembargador Sebastião
Coelho, que já havia pregado a prisão de Moraes, disse que os integrantes do
Supremo seriam “pessoas odiadas”. “Numa ditadura, isso não seria permitido”,
rebateu a ministra Cármen Lúcia.
Bolsonaro está inelegível, foi delatado e
parece cada vez mais próximo da cadeia. A democracia sobreviveu a seu projeto
de demolição, mas ainda levará tempo para se recuperar de todos os estragos
recentes. No caso do Supremo, a tarefa será demorada.
Nomeados aos 48 anos de idade, Kassio e
Mendonça ainda terão mais de duas décadas até a aposentadoria compulsória.
Pelas regras atuais, os juízes do Jair ficarão na Corte até 2047.
Terrivelmente bolsonaristas!
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