sexta-feira, 15 de setembro de 2023

César Felício - Governo tenta jogar retrancado no Congresso

Valor Econômico

O que se pode almejar, da perspectiva do Planalto, é estabelecer uma linha de contenção para frear o avanço de pauta própria do Congresso

A entrada do PP e do Republicanos na Esplanada dos Ministérios, consumada essa semana, está longe de resolver a vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso. Seja entre dirigentes partidários, lobistas, articuladores do governo no Congresso e parlamentares do Centrão, a análise do cenário é uma só: o governo precisa jogar na retranca.

Não é hora de avançar com pautas prometidas durante a campanha eleitoral. O que se pode almejar, da perspectiva do Planalto, é estabelecer uma linha de contenção para frear o avanço de pauta própria do Congresso que confronte diretamente a base social do governo Lula. É neste sentido, o de freio, que a chegada de Fufuca e Costa Filho no Ministério pode funcionar de alguma maneira.

Pululam na Câmara e no Senado, pautas que, de uma maneira ou de outra, tiram as rédeas das mãos do governo. Uma delas, posta para circular pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é a PEC 32, da reforma administrativa.

Está pronta para ir ao plenário e não há quem duvide de sua aprovação. Ela atinge interesses corporativos do funcionalismo, e esse é um dos pilares políticos da esquerda no Brasil. O governo estuda mudanças na área, tanto que criou um Ministério da Gestão, mas não quer a proposta de Bolsonaro. Também atropela o governo outra PEC, a que recria para a magistratura a remuneração dos quinquênios, essa de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Está na CCJ do Senado, à espera do momento certo para o bote.

No Senado há ainda os projetos do novo licenciamento ambiental e o que fixa o marco temporal. Nos últimos dias começou a se falar também do projeto de lei orgânica das Polícias Militares, com impacto fiscal.

O projeto está na CCJ, sob relatoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que já deu parecer sobre a matéria na Comissão de Segurança Pública. No artigo 32 do projeto, determina-se que as folhas de pagamento das polícias militares e dos corpos de bombeiros do Rio de Janeiro, Amapá, Acre, Rondônia e Roraima passarão a ser reguladas por lei federal. É uma conta que pode ir para o Fundo Constitucional do Distrito Federal, fora do arcabouço fiscal.

 “O conceito de base hoje mudou. Até Dilma, os governos queriam viabilizar projetos estratégicos. Hoje, o governo precisa conter o avanço de uma agenda própria, que antes o Congresso nunca teve”, afirmou a essa coluna o senador Humberto Costa (PT-PE), para quem “o maior problema do governo é a relação com o Congresso Nacional”.

Ao cederem participação no governo para os presidentes das casas legislativas e os líderes do centrão, o que o Planalto espera é ter mais influência sobre a pauta, sobretudo para deter mudanças constitucionais. Sabe-se que há projetos impossíveis de serem barrados, mas em relação a eles ainda resta o veto presidencial.

Em relação às propostas que partem do governo, a prioridade está delimitada no Orçamento que foi enviado ao Congresso. Há R$ 168,5 bilhões de previsão de receita condicionada à aprovação de uma pauta de projetos. Um dos mais relevantes, o que restabeleceu o voto de qualidade a favor da receita nas disputas do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), passou no Senado pelo magro placar de 34 votos a 27, o que por si só evidencia o risco que o governo corre nos projetos que, de uma forma ou outra, visam arrecadar mais.

Uma fórmula é permitir o uso dessas propostas como portadoras de objetivos outros da nova base aliada, a exemplo do que a Câmara aprovou na quarta-feira. O projeto que tributa apostas online foi bem além do escopo inicialmente proposto pelo Planalto. E o mais importante, a receita dessa fonte de arrecadação foi em grande parte reorientada da seguridade social para as pastas do Turismo e Esporte, sob controle do União Brasil e do PP.

Datafolha

A julgar pelos dados da pesquisa de avaliação do Datafolha divulgados nessa quinta-feira, há um certo inverno do descontentamento na opinião pública. O índice de avaliação ruim ou péssima do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que oscilava para baixo há três meses, subiu e ultrapassou o patamar de 30% pela primeira vez desde o início do ano.

Nos últimos três meses as taxas de inflação e desemprego suavizaram seu passo, provável razão para a taxa de aprovação do presidente ter se mantido estável ao longo do ano, rondando os 40%.

É mais provável que tenham sido fatores políticos os motivadores para o crescimento da desaprovação de 27% para 31%. Os poucos dados de cruzamento que já estão disponíveis indicam força maior da rejeição nos bolsões mais afeitos ao bolsonarismo: região Sul, renda maior, evangélicos, etc.

Nos últimos três meses o ex-presidente Jair Bolsonaro foi tornado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e seu ex-ajudante de ordens, tenente coronel Mauro Cid, começou a fazer delação premiada, o que foi intensamente noticiado. A Operação Lava-Jato, um dos principais fatores de desgaste do petismo na década passada, foi virtualmente atirada no lixo pela decisão do ministro Dias Toffoli. Os dados sugerem que de alguma forma, ainda que limitada, houve uma energização no clima de polarização que divide o país. Aqueles que tendem a detestar Lula se sentem mais motivados a expressar sua opinião.

 

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