O Estado de S. Paulo
Como o antipetismo de Bolsonaro não podia justificar seus arroubos, o antibolsonarismo não pode ser justificativa para os arroubos retrógrados lulistas
O antibolsonarismo de Lula é o exato
contraponto do antipetismo de Bolsonaro. Nenhum disse ou diz algo de positivo
sobre o Brasil, planos exequíveis e concretos, para além das platitudes de
ocasião. São os mestres da verborragia!
O anterior presidente encontrava comunistas (ou socialistas e petistas) até debaixo da cama, como se isso justificasse todos os seus arroubos, senão ameaças à democracia, à organização republicana, quando não ao meio ambiente graças a todo o seu afrouxamento das instâncias de controle ambiental e aos seus discursos que terminavam por apoiar o desmatamento. Tornou o Brasil um pária ambiental. Contudo, manteve o discurso da responsabilidade fiscal, apesar de nem sempre segui-lo, da necessidade de privatizações e concessões, sempre partindo dos pilares de uma economia de mercado. Do ponto de vista econômico, deixou uma herança bendita que está sendo apropriada pelo petismo, sem enrubescer os seus protagonistas. Nada muito diferente do que Lula 1 fez com a herança bendita do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, escandalosamente dita “maldita”.
Lula, ao assumir a Presidência, fez do antibolsonarismo a linha mestra de seu governo, como se, assim, tudo lhe fosse permitido. Soube criticar acertadamente a pouca convicção democrática de seu antecessor, fazendo, contudo, um uso instrumental e ideológico da democracia. Ao mesmo tempo que é obrigado a seguir as regras de uma sociedade democrática, em muitos aspectos conservadora, quando expressa suas convicções próprias sai em defesa das ditaduras comunistas de Venezuela, Nicarágua e Cuba. Se algo é criticado, seriam meros erros de companheiros, que não afetariam a natureza “progressista” desses regimes. É propriamente escandaloso que o discurso petista e governamental dos direitos humanos não se aplique a essas sociedades oprimidas, submetidas a um estrito controle policial e militar.
Em recente discurso na Assembleia das Nações
Unidas, Lula, com fanfarra, pretendeu assumir um protagonismo – aliás, merecido
– na questão ambiental, fazendo o elogio de uma economia verde, baseada, entre
outros pontos, no mercado de carbono e em energia não fóssil, mas tudo fazendo
internamente para fortalecer e aumentar a exploração do petróleo. Se fosse
apenas essa a contradição, poderíamos dizer que se trata de uma mera
incoerência, mas, quando se adentra em outras questões, a velha ideologia
petista vem à tona. Aproveitar uma oportunidade de tal monta para, por exemplo,
criticar o embargo a Cuba expõe uma absoluta falta de prioridades, presa a
ideias autocráticas.
Embargo não significa bloqueio. Cuba não está
militarmente cercada. Não pode negociar com os EUA e empresas americanas em
outros países, mas está livre para qualquer intercâmbio comercial com a Rússia,
com a China e assim por diante. Se não o faz, é porque não tem o que vender,
por se tratar de um Estado completamente falido, sem nenhuma eficiência
econômica. O socialismo trouxe a igualdade da pobreza, salvo para os
burocratas, a nomenclatura, cubana.
Desde a revolução, Cuba viveu da mesada
comunista, alinhando-se à extinta ex-União Soviética, e depois, com sua
derrocada, alimentou-se do petróleo chavista. Se Lula foi irresponsável em
financiar o Porto de Mariel, isso se deve única e exclusivamente a ele, com o
dinheiro do pagador de impostos brasileiro. Não há o que contemporizar ou
justificar aqui. Cuba sempre foi o regime do socialismo da mesada. Estarão os
dirigentes cubanos pretendendo uma mesada ou um aporte brasileiro?
Se Bolsonaro manteve o discurso da
responsabilidade fiscal, é como se fosse a única opção lulista a da
irresponsabilidade. Assim, a gastança descontrolada estaria por si só
justificada. O suposto discurso da responsabilidade fiscal sustentado pelo
ministro da Fazenda não se coaduna com o fato de gastos crescentes, numa
repetição dilmista e lulista segundo a qual gasto é investimento.
Não há nenhuma política de redução de gastos
e de avaliação da máquina governamental. O apoio de vários setores ao ministro
Haddad se deve a que ele ainda sustenta que deveria haver responsabilidade,
embora a entenda sob o prisma único do aumento de impostos. De todos os males,
seria o menor. Ao menos a descida acelerada ao abismo estaria temporariamente
sob controle. Por quanto tempo?
A irresponsabilidade fiscal não pode ser uma
política governamental. A Argentina é o melhor exemplo. O país não é hoje nem
sombra do que foi no passado. De nada adianta prometer um superávit primário
nos próximos anos, se a política efetivamente conduzida levar para o seu déficit.
De nada adianta tampouco mudar a meta fiscal estabelecida no novo arcabouço, se
o presidente apoia-se somente em criar mais gastos, sem nenhuma preocupação com
os já existentes. E o Congresso aproveitase dessa lambança com as emendas
parlamentares. É a volta ao combate petista contra o neoliberalismo. O
antibolsonarismo não pode ser uma justificativa para os arroubos retrógrados
lulistas.
*Professor de Filosofia na Ufrgs
Sei.
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