Eu & / Valor Econômico
Esperava-se que o presidente deixaria para
trás qualquer resquício de um esquerdismo autoritário que ainda ronda alguns de
seus apoiadores. Só que não
Duas coisas definem o sucesso dos
governantes: aproveitar os fatores que os favorecem e eliminar ou reduzir ao
máximo os problemas que podem prejudicá-los. O terceiro governo Lula tem vários
desafios pela frente, como a dificuldade em montar a maioria congressual e o
legado extremamente negativo deixado por Bolsonaro, mas também pode se
fortalecer com uma boa gestão da economia e com a sua maior sensibilidade para
as políticas sociais. O presidente da República ainda não percebeu, contudo,
que precisa apostar mais, sem titubear, na defesa da democracia como uma de
suas aliadas mais importantes em prol do seu fortalecimento político e de um
projeto de país.
De boa-fé, ninguém pode dizer que a trajetória de Lula tenha sido contrária à democracia. Ele virou um líder político a partir de sua luta contra o regime militar, foi essencial para a redemocratização brasileira e exerceu dois mandatos cumprindo estritamente as regras democráticas - e até as ampliou, com a criação de várias arenas de participação social. Como governante, comportou-se muito diferente de líderes políticos latino-americanos como Fidel Castro ou Hugo Chávez, estes sim pertencentes a uma linhagem de autoritários de esquerda.
Também não se pode esquecer do papel que a
candidatura Lula teve na derrocada do bolsonarismo, um movimento político que
cada dia mais sabemos que tinha como meta a implantação de um regime
autoritário no Brasil. Não haveria outra candidatura popular capaz de vencer
Bolsonaro em 2022 - isto é um fato, não “wishful thinking”. Sem o “sapo
barbudo”, hoje estaríamos falando na destituição de ministros do Supremo
Tribunal Federal, e não em como aumentar o controle democrático do STF - e,
convenhamos, a segunda situação é contornável pela democracia, enquanto a
primeira certamente não é.
À sua força política eleitoral somou-se seu
desprendimento democrático de procurar atores políticos de espectros
ideológicos diferentes ou que tinham sido até seus adversários eleitorais.
Montou uma dobradinha com Geraldo Alckmin, com quem tivera uma disputa política
renhida em 2006 e pertencera ao maior partido de oposição durante os dois
primeiros governos lulistas. Particularmente no segundo turno, liderou uma
frente ampla, com destaque para o apoio obtido de Simone Tebet, candidatura que
melhor representou um centro democrático e que depois ainda se tornou sua
ministra.
Toda esta história mostra que o jogo
democrático sempre foi um fator positivo para a trilha política lulista. O
estranho é que neste terceiro mandato, como em outras situações de sua
história, Lula titubeie em relação ao tema democrático. No passado, isso
aconteceu quando adotou uma posição indefensável no Colégio Eleitoral que
elegeu Tancredo Neves ou na votação final que aprovou a Constituição de 1988.
Com o aprendizado que teve como governante efetivamente democrático e do
derivado de uma prisão injusta sob qualquer parâmetro de Estado de Direito,
esperava-se que ele deixaria para trás qualquer resquício de um esquerdismo
autoritário que ainda ronda alguns de seus apoiadores.
Só que não. Lula despreza os valores
democráticos quando relativiza ditaduras e ditadores, como nos casos da
Venezuela e da Rússia. Continua nesta toada imperdoável quando supõe ser
possível desrespeitar o Tribunal Penal Internacional, instituição que
representa a ideia de uma ordem internacional defensora dos direitos humanos.
Reclama toda hora da política externa americana, às vezes até com razão, mas
ainda não admitiu e nem agradeceu publicamente, com a ênfase necessária, o
papel decisivo que o presidente Biden teve para seu sucesso eleitoral e,
sobretudo, para a manutenção da democracia brasileira.
Ressalte-se que não se propõe aqui um
principismo geopolítico para o qual não se deve conversar e se relacionar com
nações autoritárias. Isso é uma bobagem tão grande que, se levada ao pé da letra,
resultaria na condenação da Europa e dos Estados Unidos por manterem fortes
relações diplomáticas e econômicas com a Arábia Saudita e com a China. Porém,
bem diferente disso é justificar ações de governantes autoritários, num momento
em que o mundo democrático respirou aliviado porque foi Lula quem venceu as
eleições brasileiras, e não seu oponente da extrema direita autoritária.
O sucesso do terceiro governo Lula não virá
da defesa do autoritarismo alheio. Mais do que isso, o lulismo tem tudo para
aumentar a projeção internacional do Brasil quanto mais passar longe da criação
de justificativas para ditaduras com as quais temos de ter boas relações
diplomáticas. É fundamental ser aliado da China sem precisar ser porta-voz de
ideias antidemocráticas. Na verdade, a vantagem geopolítica brasileira está em
ser capaz de conversar e atuar conjuntamente com nações democráticas e com
outras autoritárias, e muito dessa possibilidade certamente é alavancada pelo
perfil da liderança de Lula. Os outros nos reconhecem neste momento, em boa
medida, como um tertius, um elo entre os divergentes, e não é preciso
referendar suas formas de governar para ter esse papel.
A análise crítica desse comportamento do
presidente Lula não deve se guiar apenas por uma visão normativa da democracia.
Problema maior desse posicionamento está em se perder uma grande aliada para o
fortalecimento do atual mandato presidencial. Decerto que se a agenda econômica
e as políticas públicas, mormente as sociais e as ambientais, tiverem
resultados de razoáveis para bons, a reeleição é o cenário dominante. Só que a
defesa da democracia, além de ser desejável do ponto de vista de valores mais
universais, tem um enorme potencial de dar mais poder e legitimidade ao projeto
lulista.
Há quatro razões que dão base ao argumento
de que a democracia pode ser uma grande aliada do terceiro mandato de Lula. A
primeira é que muitos dos avanços obtidos em seus dois mandatos anteriores se
deveram à ampliação de práticas democráticas. O aumento da transparência - e não
do segredo -, a ampliação de fóruns de participação social, a construção de
políticas públicas que incorporaram posições divergentes - do banqueiro ao
trabalhador - e um auscultar ativo das demandas sociais foram marcas dos seus
períodos presidenciais anteriores. Quem se fechou mais ao diálogo e à
negociação foi o governo Dilma, e isso explica em boa medida o seu fracasso.
Até mesmo para ganhar maior força frente à
necessária negociação com o Centrão será fundamental conversar mais com os
diversos setores sociais e demonstrar que incorporou parte de suas
reinvindicações. Maior diálogo também é a receita adequada quando for preciso
tomar decisões que descontentem parcela dos apoiadores, pois será mais fácil
justificar quanto mais houver canais de interlocução. Lula sempre foi um mestre
neste processo de construção de consensos, e aparentemente está mais arredio e
adotando uma postura mais solitária na definição de alguns pontos estratégicos.
A democracia tem tudo para ser uma aliada
estratégica de Lula porque, em segundo lugar, os seus maiores adversários
internos alinham-se num bloco antidemocrático abarcado, principalmente, pelo
bolsonarismo. O discurso antissistema e autoritário é, hoje, o que tem mais
chances de atrair eleitores caso a gestão presidencial atual fracasse.
Obviamente que a condenação de Bolsonaro e seus principais asseclas pelos
crimes cometidos recentemente pode ajudar o projeto político lulista. Todavia,
esse processo tenderá a beneficiar mais o presidente Lula caso ele se coloque
firmemente como defensor da democracia, aqui e no mundo. Nunca é tarde para
lembrar que eleitores de centro muito preocupados com o autoritarismo
bolsonarista foram fundamentais para a vitória apertada contra a extrema
direita.
No fator geopolítico está a terceira razão
pela qual Lula precisa estar colado à democracia. Em particular, é possível que
haja um reforço do autoritarismo na América Latina com o fortalecimento de
movimentos de extrema direita, como no caso chileno, e com uma possível vitória
de Javier Milei na Argentina. Neste último caso, duas coisas podem ocorrer: ou
uma situação de anarquia e grande conflito social, ou então Milei conseguirá
instalar um governo cesarista ao estilo dos populismos autoritários e iliberais
do século XXI. Em ambas as possibilidades o enfraquecimento do regime
democrático argentino atingiria em cheio o Brasil. Nesta hora, a região vai
precisar de uma liderança democrática para ajudar na resolução dessa crise. E
Lula só poderá ocupar esse papel se parar de falar besteiras sobre a
democracia.
Existe um último elemento que torna muito
importante Lula abraçar fortemente a concepção democrática de mundo. O Brasil
se tornou muito mais complexo, em termos de grupos sociais e visões de mundo.
Logo, está muito mais difícil governar hoje o país do que no tempo de FHC ou na
era lulista dos dois primeiros mandatos. É preciso ter soluções novas, ter um
espelho que mire as possibilidades futuras e assim construa a várias mãos um
projeto de nação para o século XXI. Tal caminho só poderá ser trilhado se a
liderança presidencial ouvir e conversar muito com os divergentes. Em outras
palavras, o terceiro governo Lula só será bem-sucedido com mais e renovada - ou
reinventada - democracia.
*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.
■A CONTENÇÃO DE LULA E DO PT NO BRASIL.
ResponderExcluir▪Aqui no Brasil, qualquer resvalo mais grave dos petistas, aqui ditos "de esquerda", contra a democracia assanharia o contingente de militares igualmente antidemocráticos, só que ditos "de direita", que aproveitariam um resvalo maior do PT contra a democracia aqui no Brasil para darem eles um golpe contra ela, a vítima dos dois
Paradoxalmente, é o contingente antidemocrático incrustrado nas Forças Armadas que refreia o PT e seu NENHUM compromisso com a democracia!
Mas o que o Lula, o PT, seus blogues sujos e muitos dos seus aliados falam e apoiam é o que existe de mais antidemocrático no mundo!
Edson Luiz Pianca.
edsonmaverick@yahoo.vom.br
■O PT ERA DA DEMOCRACIA !
ResponderExcluir▪Isso... JÁ ERA!
=》Ou o PT mudou ou as juras democráticas do PT eram enganação.
▪O PT que foi surgindo no final dos anos 70 e início dos anos 80 apontava para a democracia.
▪A maioria dos fundadores, muitos dos intelectuais animadores e outros que contribuiram para o surgimento do PT tinham a democracia como lamparina e não faziam curva na caminhada que a democracia iluminava.
■Talvez a lembrança dessa postura, prática e promessa de caráter democrático que o PT e Lula incorporavam nos anos inicuais de surgimento do PT seja o que mantenha a ilusão de o PT como um partido defensor da democracia.
Mas isso A.C.A.B.O.U !
■O PT não é mais da democracia.
▪Ou nunca foi.
Falam assim::
" NO BRASIL o PT sempre se pautou pela democracia! "
■Isto é um pouco verdade ;
outro pouco, NÃO !
▪Mais precisamente o que acontece é que a tudo o que a legislação brasileira obriga, o PT se submete quando não pode contornar.
▪Mas se o PT se submete à institucionalidade quando não pode contorná-la, essa submissão do PT à democracia se dá de forma antidemocrática, com o PT sempre fazendo assédio a esta institucionalidade, enfraquecendo-a e fragilizando-a por ataques às instituições e às pessoas que contrariam Lula e o PT.
▪Se o judiciário alcança alguém do PT por envolvimento com alguma falcatrua ou irregularidade administrativa, o PT se amancia com membros do judiciário que tenham poder para impor interpretação exótica à base jurídica da democracia real e assim garantir impunidade para quem o PT quer proteger. Se Lula e petistas não conseguem a adesão à tese que o PT quer, coitado de quem não se submete ao PT e a Lula:: a agressão que sofre quem contraria o PT em suas delinquência morais, delinquências técnicas e acões antidemocráticas é aterradora e os que contrariam o PT serão agredidos com mentiras e leviandades para sempre!
▪Os que não se submetem ao PT e a Lula e cumprem as exigências da democracia sem interpretações narrativas favoráveis ao PT são xingados, demonizados e têm a reputação e a imagem pública D.E.S.T.R.O.Ç.A.D.A em todo cantinho onde haja petistas delinquentes, que são hoje maioria no PT e que marcam os melhores e mais democráticos cidadãos para agredirem para sempre.
●E os demais cidadãos, partidos e empresas?
▪Estes, os que amaciam e dividem interesses com o PT, pessoas, empresas, partidos ou outros, pode ser Paulo Maluf, Fernando Collor, Valdemar Costa, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Odebrecht, Léo Pinheiro, Joeslei Batista, Ike Batista, Renan Calheiros, Fufuca, Reinaldo Azevedo, Arthur Lira, PL, PP, Republicanos, OAS, Gedel Vieira, Michel Temer ou seja quem for, mesmo quando é mais venal que o PT, estes ganham proteção imediatamente do PT, de Gleise, de Lindberg, de Haddad, de Lula e dos petistinhas-gado.
É claro que os petistas dão mais proteção às delinquências, falcatruas, erros técnicos, abusos políticos, corrupção e alinhamento mundial contra as democracias quando é Lula o delinquente, mas pide ser até Sérgio Cabral, Michel Temer, Fufuca, Arthur Lira, Odebrecht ou Eduardo Cunha, enquanto estiver sendo cúmplice do PT, ganha prkteção descarada dks petistas.
Uns petistas se coçam quando o PT se amancia com esse tipo de gente, mas se calam ; outros petistas figem indignação, mas nunca tomam nenhuma atitude, mostrando tolerância e concordância com a delinquência, com as eviandades e com as mentiras de Lula e seus partido.
No mundo inteiro o PT e Lula estão carnalmente ligados ao que há de mais atrasado, antidemocrático, antiprogressista, corrupto e venal no mundo.
Xi Jiping, Nucolás Maduro, Kim Jong-un, ditadores cubanos, ditadores do Irã, Vladimir Putin....
...A tudo que é regime homofóbico, misógino, violento e antidemocrático o PT está ligado.
Coluna magnífica! Perfeita análise da relação de Lula com a democracia, muito desvirtuada pelos 2 comentários acima.
ResponderExcluirSe a relação de Lula e de amplos setores do PT com a democracia é tão dissonante que obriga um parceiro como Fernando Abrúcio a ciscar para um lado, ciscar para outro e, mesmo "cheio de dedos", falar diretamente que hoje essa relação de Lula com a democracia está tão na contramão que até um parceiro tem a obrigação de apertar o sinal de alerta, então é porque a coisa está muito vergonhosa.
ExcluirComo eu não sou parceiro de quem precisa ter as orelhas puxadas devido ao descompromisso com a democracia, posso além de falar diretamente sobre a relação de Lula com a democracia, como Fernando Abrúcio fez, também falar bem mais claramente que relação é essa, ilustrar e dar nomes.
Mas se alguém como Fernando Abrúcio, com a ligação que tem com Lula e com o PT, chega a sentir necessidade de, embora cheio de cuidados, escrever o que escreveu sobre a relação de Lula (e do PT) com a democracia, puxar-lhes as orelhas e alertar que, nem que seja por arrivismo, para aumentar a possibilidade de sucesso de seu mandato, é bom que Lula (e o PT) repensem a relação lamentável que têm com a democracia, é porque tudo já passou muito do limite.
Lula tem falado muito bobagem neste terceiro mandato, e a imprensa tem apontado seus tantos erros, alguns dos quais ele em seguida reconhece (sem explicitamente fazer isto) e muda o seu discurso, "disfarçadamente". Não tenho dúvida de que deve ser criticado, mas em geral as críticas a Lula são bem diferentes das que eram feitas (e ainda são) a Bolsonaro. Cada um tem que ser criticado, sim, mas em geral por motivos distintos. Bolsonaro passou seu mandato atacando a democracia, as urnas eletrônicas e militarizando seu DESgoverno, o que certamente nunca ocorreu nos governos de Lula, e nem no atual.
ResponderExcluirArtigo perfeito,destacou o único ponto fraco do Lula.
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