O Estado de S. Paulo
A situação de trabalhadoras e trabalhadores é tema que trata da vida de bilhões de pessoas, e por isso está no foco de personalidades com poder de decisão
Desdenhar de atos ou palavras do adversário é
parte do jogo a que se dedicam muitas pessoas. Sem surpresa, por isso, houve
quem visse no discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da
Assembleia-Geral da ONU apenas um conjunto de palavras, talvez com algum
significado, mas nenhuma importância.
O que dizer, então, do encontro em Nova York de Lula com o presidente norte-americano, Joe Biden? Eles não se reuniram para tratar das questões que aproximam ou afastam seus países e por vezes os colocam em posições distantes no cenário mundial, mas para distribuir uma declaração sobre a situação dos trabalhadores no mundo. Para os críticos, foi demonstração de falta de assunto de pessoas que deveriam estar na liderança do debate de mudanças vitais para o futuro da humanidade, como o aquecimento global, a transição energética, as transformações provocadas pela tecnologia, a paz mundial.
Mas há visões menos enviesadas.
Trechos do discurso de Lula na ONU podem
evidenciar contradição entre palavras e atos. Mas credibilidade, recuperação do
prestígio e do protagonismo do Brasil no cenário internacional que haviam sido
destruídos de maneira tacanha e risível pelo presidente anterior, reafirmação
do papel do País nas grandes causas mundiais (do combate à fome à defesa da
democracia e do meio ambiente) são seus pontos destacados por analistas e
diplomatas.
Quanto ao encontro de Lula com Biden,
aparentemente, houve falta de grandeza diplomática ou de relevância política no
tema discutido. A declaração conjunta dos dois governos distribuída pelo
Itamaraty cita no título a “parceria pelo direito dos trabalhadores e
trabalhadoras”. Sugere pauta de reunião técnica da Organização Internacional do
Trabalho.
A situação de trabalhadoras e trabalhadores
não está entre as preocupações de parte da população, pois o que interessa a
cada integrante dessa parcela é o destino de sua carreira individual. Mas é
tema que trata da vida de bilhões de pessoas, e por isso está no foco de
personalidades com poder de decisão, entre as quais, vê-se agora, os
presidentes dos Estados Unidos e do Brasil.
É uma informação auspiciosa. Formas até há
pouco reconhecidas como essenciais para a defesa e proteção de trabalhadoras e
trabalhadores em todo o mundo estão perdendo força, vão se esmaecendo e
parecem, às vezes, perto de seu fim, sem que outras, com algum grau de
eficiência apreciável, estejam surgindo para substituí-las.
Entre essas formas, o comunicado conjunto dos
governos do Brasil e dos Estados Unidos cita os sindicatos. “Os trabalhadores e
trabalhadoras e os seus sindicatos lutaram pela proteção no local de trabalho,
pela justiça na economia e pela democracia nas nossas sociedades”, diz, em seu
primeiro parágrafo.
Há pouco, o IBGE divulgou dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua mostrando que, em dez anos,
os sindicatos brasileiros perderam 5,275 milhões de associados. Pela primeira
vez desde 2012, o número de sindicalizados ficou abaixo de 10 milhões. Apenas
9,2% dos trabalhadores ocupados são filiados a um sindicato.
Há causas externas para a perda da
representatividade dos sindicatos. Novas formas de divisão e organização do
trabalho impulsionadas pela globalização, pelo avanço da tecnologia de
informação, pelo uso cada vez mais intenso da inteligência artificial são
algumas delas. No Brasil, a rápida desindustrialização, que retarda a
modernização do sistema produtivo e que, se não revertida, condena o País à
mediocridade no plano internacional, acentuou uma tendência mundial de
enfraquecimento do apoio às organizações sindicais.
A reforma trabalhista de 2017, que reduziu o
papel dos sindicatos nas negociações entre empregados e empregadores,
igualmente pode ter desestimulado trabalhadores a se filiar às entidades
sindicais de suas categorias.
E, por fim, os próprios sindicatos, formados
sob a legislação trabalhista baixada em 1943, durante a ditadura do Estado
Novo, desenvolveram vícios para beneficiar seus dirigentes à custa dos
interesses dos trabalhadores, o que os afastou de suas bases. À perda da função
de representação provocada pela reforma trabalhista somou-se a perda de
receitas que chegavam generosamente a suas contas bancárias. As organizações
sindicais ainda buscam novo papel e fontes de sustentação material e política.
Parecem perdidas.
Ainda que se possa colocar em dúvida o êxito
de iniciativas conjuntas como a de Lula e Biden, seus objetivos precisam estar
claros para todos. Um deles, por exemplo, é proteger os direitos de
trabalhadoras e trabalhadores; outro é facilitar a transição para a economia
digital e de energia limpa; e um terceiro é combater a discriminação no local
de trabalho, especialmente contra mulheres, pessoas LGBTQI e grupos raciais e
étnicos. Deveriam ser também objetivos das pessoas comprometidas com a
democracia.
Bom artigo, Jorge! Insisto apenas numa questão: eles acabaram com os sindicatos e agora estão preocupados porque a Natureza,ÀS VEZES (!), tem horror ao vácuo. E o vácuo que o Capitalismo promoveu ao fazer minguar os sindicatos (no que foi ajudado por muitos sindicalistas burocratas e corruptos), corre o risco (para os patrões e para esses sindicalistas) de vir a ser preenchido por formas de representação mais autênticas. Isso já ocorreu na história do movimento operário, há 100 anos. E pode voltar a acontecer de novo. Abçs.
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