O Globo
A expectativa era que o BC poderia acelerar a queda da Selic no final do ano, mas o Copom vê algumas sombras no horizonte da inflação
Não havia dúvidas de que o Banco Central iria reduzir os juros em meio ponto percentual, levando a Selic para 12,75%. Havia dúvidas sobre as próximas reuniões. Alguns bancos previam uma queda mais forte, de 0,75 ponto percentual, numa das duas reuniões restantes do ano. Essa dúvida acabou ontem quando o Copom, no seu comunicado, avisou que continuará diminuindo as taxas “no mesmo ritmo”. A inflação deste ano está ligeiramente acima da meta, as projeções indicam que a do ano que vem ficará na meta, a atividade econômica deve desacelerar nos próximos trimestres. Portanto, há espaço para uma queda maior nas próximas reuniões, mas o comunicado fechou essa porta.
Segundo o Banco Central, fatores de risco de alta para o cenário inflacionário são a “maior persistência das pressões inflacionárias globais” por um lado e uma maior “resiliência” da inflação de serviços do outro. Curioso é que apesar dos serviços terem mantido o crescimento nos últimos meses, o IPCA de agosto registrou que a inflação do setor foi de meros 0,08%. Do que tem medo o Banco Central?
Segundo o economista Sérgio Vale, da MBA, o BC vê algumas sombras no horizonte principalmente do ano que vem, como a do risco de alta de algumas commodities.
– Em 2024 veremos a retomada de outros setores e sentiremos o impacto de fenômenos como o El Niño sobre a agropecuária. A deflação que vivemos este ano não se repetirá no ano que vem, e os preços dos alimentos devem voltar a acelerar. Há também a possibilidade de os combustíveis continuarem subindo por causa do petróleo.
Antes da reunião, o Itaú acreditava que o BC iria cortar em meio ponto, mas que teria espaço para reduções maiores nas reuniões seguintes. Baseava a sua análise na “dinâmica mais benigna da inflação de serviços” e na “desaceleração da economia”. Por isso a aposta do Itaú era de Selic terminando o ano em 11,5%, chegando no ano que vem a 9%. O Santander, no seu comunicado pré-Copom, dizia também que havia “risco” de um ritmo mais acelerado de corte. E não descartava a possibilidade de reduções maiores nas próximas reuniões. O JP Morgan dizia que o BCB “parece mais propenso a acelerar do que a moderar o ritmo, especialmente porque a desinflação do núcleo apresentou um progresso significativo até agosto”.
Esses e outros bancos que avaliavam haver espaço para quedas maiores vão rever suas projeções e apostas nos próximos dias, diante desse comunicado de ontem do BC.
Há problemas de fato na conjuntura. O petróleo Brent subiu 25,6% de junho até agora, porque Arábia Saudita e Rússia decidiram manter os cortes de produção. Esse aumento ainda não foi repassado para os preços dos combustíveis no Brasil. Há dúvidas sobre o desempenho fiscal do governo, com possibilidade de que o Congresso reveja a meta do ano que vem para algum déficit. A respeito das contas públicas, o Copom incluiu um parágrafo mostrando que está de olho.
“Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o Comitê reforça a importância da firme persecução dessas metas.”
Para João Savignon, responsável pela área de pesquisa macroeconômica da Kínitro Capital, o ponto mais duro do comunicado do BC foi esse parágrafo sobre a meta fiscal do ano que vem. No trecho, o colegiado indicou que a discussão sobre se o governo conseguirá zerar o déficit primário vem afetando as expectativas de inflação.
- A inclusão desse ponto no comunicado coloca um tom mais duro, já que essa preocupação com a meta fiscal do ano que vem é recente, é a grande discussão atual.
De fato há temores fundados de que a meta de déficit zero, que o governo se impôs nesse orçamento para 2024, possa não ser atingida. Mesmo assim, o país terá saído de 2,3% de déficit projetado para 2023, antes do início do governo, para um número próximo de zero em dois anos. Um bom desempenho. A inflação vem sendo reduzida e está muito próxima do teto da meta este ano. Os indicadores que o BC gosta de olhar, como núcleos e inflação de serviços, estão cedendo. E, principalmente, há certeza de que a economia está desacelerando, apesar de ter crescido mais do que o esperado. Tudo isso junto permitiria uma sinalização para um corte maior que levasse, por exemplo, a Selic para 12% em novembro. Mas por enquanto não é isso que o Banco Central indica que fará.
Pois é.
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