O Globo
Depois de quatro anos, o 7 de setembro será
comemorado sem ameaças de golpe de Estado nem xingamentos aos poderes
Então é 7 de setembro e não há qualquer
ameaça de golpe de Estado. É um alívio. Nos últimos anos, a data nacional foi
usada pelo ex-presidente para colocar uma espada sobre a cabeça do país,
mobilizar seus seguidores, ameaçar ministros do Supremo, lançar palavras
ambíguas no ar, e se esconder atrás das Forças Armadas. Em 2021 foi assim. Era
ainda a pandemia e ele convocou multidões, sem máscara, para explicitar o seu
golpismo. Em 2022, a comemoração dos 200 anos de independência foi vilipendiada
por sua campanha eleitoral. Não devemos nos esquecer desse passado recente e
aviltante.
A democracia às vezes é apenas uma alegria.
Hoje eu serei feliz porque estarei entre livros, na Bienal do Rio, e
conversando com gente que eu respeito sobre a Amazônia. Não terei que comentar
discursos golpistas ou analisar as entrelinhas de notas dos militares. Ontem,
eu fui feliz, também, porque entrevistei Valter Hugo Mãe, sobre literatura e sobre
o Brasil.
Hoje não terei que ouvir o presidente da República se definir como “imbrochável", como fez Jair Bolsonaro no discurso do bicentenário. Ou, ouvi-lo dizer, como fez em 2021, que as eleições são uma “farsa”. Bolsonaro estragou cada um dos últimos 7 de setembro, apropriando-se da data, do hino e da bandeira nacionais, como se fossem símbolos exclusivos de seus seguidores.
Hoje é 7 de setembro e é importante
discutir tudo o que ainda falta fazer num país que tem no seu passado uma
escravidão de 300 anos e o extermínio de muitos povos indígenas, marcas que
moldaram nossa intolerável desigualdade. Datas nacionais podem ser celebradas
com festas, ou podem ser momentos de reflexão. O saudável é que sejam ambos,
numa mistura de festas e compromissos para o futuro.
O que a data nacional brasileira não pode
ser é o que tem sido por tempo demais. Desde o começo da República, a
comemoração da independência foi militarizada. Na ditadura foi usada para
exaltar o regime que nos sufocava. Vivemos o sesquicentenário sob o AI-5. No
bicentenário, houve essa mistura de campanha eleitoral com a manipulação da
imagem das Forças Armadas para ameaçar o país com a ideia da ruptura
institucional iminente.
Em 2021, no discurso, em Brasília,
Bolsonaro falou em um “ultimato” aos poderes, disse que iria reunir o Conselho
da República para mostrar “a fotografia de para onde devemos ir”. Em São Paulo,
Bolsonaro xingou o ministro Alexandre de Moraes, ameaçou o Supremo, afirmou que
só sairia da presidência “preso, morto ou com a vitória”. A frase não faz
sentido, porque ninguém sai “com a vitória”, mas era sobretudo uma bravata. O
que ocorreu foi que ele saiu quase fugido do país, 48 horas antes de terminar
seu mandato, tentando levar joias que não lhe pertenciam e deixando uma bomba para
explodir no dia 8 de janeiro.
O país é maior do que tudo isso. A
independência não é um quadro de Pedro Américo na parede do museu. É maior.
Ontem, na primeira véspera de 7 de setembro, em cinco anos, em que eu não tive
que me preocupar com ameaças do governo, dediquei um tempo à literatura.
Entrevistei no meu programa na Globonews o escritor, poeta, editor e artista
plástico português Valter Hugo Mãe, que tem com o Brasil um conhecido caso de
amor, plenamente correspondido.
Ele me deu notícias. Seu próximo livro está
pronto. Já entregou ao editor, é uma história que se passa na Ilha da Madeira,
sobre dois irmãos, o mais novo deles nascido com uma grande vulnerabilidade. O
título, informação exclusiva desta coluna, será “Deus na escuridão”.
Ao fim do programa, lembrei que hoje era a
data nacional brasileira e perguntei a Valter Hugo quando o Brasil será do
tamanho dos nossos sonhos. Ele respondeu, lindamente, o seguinte:
— Eu acho que o Brasil já tem um tamanho
imenso. Eu gostaria que as instituições, os poderes estivessem à altura do
esplendor da cultura brasileira. A cultura brasileira produz um deslumbre no
mundo inteiro. É impossível ser feliz na contemporaneidade sem ouvir Caetano
Veloso, Chico Buarque ou ler Clarice Lispector ou Carolina Maria de Jesus. O
que acho que falta ao Brasil para se cumprir é de fato uma altura, uma elevação
dos poderes, mormente políticos, a isto que está mais do que concreto, mais do
que evidente que é a tradução de uma alma absolutamente admirável que
identifica o território do Brasil.
Perfeito, verdadeiramente PERFEITO! A colunista estava muito inspirada ao escrever este texto maravilhoso! Parabéns a ela, e ao blog por divulgar o trabalho desta grande jornalista!
ResponderExcluirEla é sempre ótima.
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