domingo, 17 de setembro de 2023

Muniz Sodré - Terrivelmente piores

Folha de S. Paulo

Certo mesmo é que, entronizado um juiz do Supremo, nada mais o obriga ao genuflexório

"Eu não sou bonita, sou pior". Sugestiva, a glosa atribuída a Mae West pode iluminar um tópico dúbio. É que repercutiram como conservadores os primeiros votos do ministro indicado por Lula ao STF. Na realidade, todo juiz do Supremo é conservador, na acepção de alguém pautado pela estabilidade das instituições. Mas sem dogmatismo: no STF tem ressoado positivamente o reformismo de costumes e direitos sociais.

Isso se sabe. A reação ao recém-chegado deve-se hipoteticamente à subvocalização de algo como "não sou conservador, sou pior". Seria um deslocamento da simples oposição ao reformismo para a zona obscura da nova psicologia das massas e das adaptações políticas de um narcisismo cego em ascensão.

Esse é apenas um dos aspectos ético-políticos da vida social, de que são protagonistas a cultura e o consenso popular, abalados pelo momento egoístico-passional da governança neoliberal. Até mesmo o conservadorismo ainda escorado em argumentos racionais é cada vez mais permeável ao tosco reacionarismo. Por isso, uma instituição já estruturalmente conservativa como o STF abriga o paradoxo de uma "ala conservadora". Ou seja, uma ala do pior.


Transparece um fundo torvo no padrão judicial. De um lado, identificações com os cuidados (gênero, minorias etc.) avançados por políticas de igualdade. De outro, apego ao processualismo em detrimento dos movimentos sociais. Não são postos fixos, mas birutas ao vento: flutuações idiossincráticas e pressões pouco visíveis ao público.

São fatores, às vezes excessivamente personalistas, que oscilam entre conflitos de ego, intimidações, mas também esporádicos atos de coragem: uma bolha de imprevisibilidade. Houve petista de cabelo em pé quando da indicação como ministro de Alexandre de Moraes que, no entanto, com independência acima do par, ajudou a resgatar a constitucionalidade democrática.

Certo mesmo é que, entronizado um juiz do Supremo, nada mais o obriga ao genuflexório. Nem lhe garante selo de qualidade homogênea: há casos sofríveis, de mais vozes do que nozes. Pedro Bó é sempre um espelho possível. Seja como for, frustração de expectativas faz parte do jogo, em que tribunais e governos produzem estruturas de desejo e projeções egocentradas sobre a vida dos outros.

Verdade pessoal de advogado é geralmente "esotérica", para dentro de casa. Os primeiros votos do ministro podem ser, entretanto, sinalização "exotérica", para fora, do que pensa um homem branco, alfa, gomalina no cabelo. Oscilarão. Ao rebater as críticas com voto favorável aos indígenas, ele mostra saber onde estão os holofotes. O vaivém não o faz menos conservador. Nem desfaz o temor de que venha a pautar-se pela lógica do pior de alguns de seus pares, terrivelmente juízes.

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