segunda-feira, 4 de setembro de 2023

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Entendimento sobre denúncia anônima favorece o crime

O Globo

Justiça deveria rever decisão que manda anular provas mesmo se informações se mostram verdadeiras

Em janeiro deste ano, um homem foi preso em flagrante quando transportava drogas. Dentro do veículo, foram encontrados dois quilos de cocaína e dois de crack, acondicionados numa caixa de papelão. Ao ser abordado por policiais, que haviam entrado em ação depois de uma denúncia anônima, o motorista alegou ter recebido o carregamento de um desconhecido em Ribeirão Preto (SP) para entregá-lo em São José do Rio Preto (SP), serviço que lhe renderia R$ 800. Acabou atrás das grades.

A mobilização da polícia foi em vão. O réu, que cumpria prisão preventiva por tráfico de drogas, foi beneficiado por um habeas corpus. O ministro Rogerio Schietti Cruz, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, determinou a soltura e o trancamento da ação penal por entender que houve irregularidade na abordagem e na apreensão da droga, anulando as provas reunidas pela polícia. Afirmou que, pelo entendimento consolidado na Corte, a denúncia anônima “por si só não configura fundada suspeita de posse de corpo de delito apta a validar a revista”.

Decisões anteriores da 6ª Turma já haviam firmado a mesma jurisprudência. Em 2022, ao julgar recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul contra a absolvição de dois acusados de tráfico, os ministros afirmaram que a denúncia anônima, sem respaldo de outros elementos para justificar a suspeita, não legitima buscas. A abordagem e a inspeção baseadas apenas na atitude suspeita não satisfazem às exigências legais.

Tal entendimento precisa ser revisto à luz das ações cada vez mais criativas e ousadas do crime organizado. O motorista preso em janeiro até poderia ter sido solto, mas não pela justificativa da Corte — apenas se sua inocência fosse comprovada. O Brasil não é grande produtor de drogas, mas elas chegam facilmente, por caminhões, automóveis, navios e aviões, às quadrilhas entrincheiradas em todo o país. Tudo o que os bandidos querem é um passe livre para transportá-las sem ser incomodados. Se há um problema, ele certamente não está no excesso de abordagens, mas na falta, especialmente em pontos por onde circulam grandes quantidades de drogas e armas para abastecer organizações criminosas.

É verdade que as abordagens policiais não estão livres de arbitrariedades ou abusos, rotineiramente noticiados na imprensa. Eles obviamente devem ser rechaçados. Mas não se pode generalizá-los para desqualificar o trabalho dos policiais. Denúncias anônimas são — e sempre foram — fonte importante de informação para a polícia. O Disque-Denúncia, que preserva o anonimato, presta serviço inestimável à segurança pública. Nem toda acusação é verdadeira, mas, se comprovada, não há por que rejeitá-la apenas porque teve origem em denúncia anônima. A legislação não pode se voltar contra os cidadãos em benefício de criminosos.

Há décadas, o tráfico e a violência trágica em torno dele são problema grave no Brasil e noutros países da América do Sul. Não há fórmula mágica para controlá-lo. Combater a criminalidade no Brasil é um esforço que depende de Executivo, Legislativo, Judiciário e da própria sociedade. É fundamental não perder o contato com a realidade. O traficante não deixa de ser traficante só porque foi preso em decorrência de uma denúncia anônima que se mostrou verdadeira

Populismo tarifário representa risco nas concessões ao setor privado

O Globo

Primeiro leilão de estradas no governo Lula desperta receio de repetição dos erros do governo Dilma

No primeiro leilão de rodovias do novo PACo grupo Pátria levou a concessão para administrar 473 quilômetros de estradas no Paraná por 30 anos, com investimento previsto de R$ 7,9 bilhões. Ofereceu 18,5% de desconto em relação ao pedágio estipulado no edital, o equivalente à metade do valor cobrado até 2021, quando terminou a concessão anterior. O desconto na tarifa foi determinante para a vitória.

De imediato, as novas tarifas podem agradar ao governo, à nova concessionária e aos usuários, que pagarão menos. Mas o populismo tarifário praticado nos governos petistas não costuma acabar bem. Quando foram licitadas estradas pelo lance do pedágio mais baixo na gestão Dilma Rousseff, era previsível que as concessionárias não teriam como arcar com as melhorias prometidas e, cedo ou tarde, pediriam revisão do contrato. Foi o que aconteceu.

Dos problemas que o Ministério dos Transportes e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) têm a resolver, os mais graves estão nas rodovias. Elas dão mais dor de cabeça que as concessões de aeroportos e ferrovias. Poderia ser diferente, caso as regras fossem realistas. Hoje há 10 mil quilômetros de rodovias concedidas com problemas, quase o total dos 13 mil quilômetros sob gestão privada. Um dos muitos exemplos é o trecho da BR-040 entre Juiz de Fora e Brasília, que só não foi devolvido ainda à União porque a Justiça determinou que a concessionária espere nova licitação.

É certo que foi um avanço os governos petistas se curvarem à necessidade de abrir espaço à iniciativa privada na infraestrutura. Mas o cacoete intervencionista contribuiu para o fracasso de concessões. Em troca de tarifas amigáveis de pedágio, ofereceu-se a possibilidade de o Tesouro arcar com parte ou mesmo com todos os investimentos.

As consequências desse desequilíbrio podem ser ilustradas pelo caso do grupo Triunfo, que venceu o leilão para administrar um trecho de 1.176 quilômetros entre Brasília e Betim (MG), distribuídos pelas BRs 060, 153 e 262. A proposta foi imbatível ao oferecer pedágio 52% abaixo do teto estabelecido pelo governo. Os vencedores ainda assumiram o compromisso de duplicar metade das rodovias em cinco anos. Resultado: o grupo quebrou e, em 2017, teve de renegociar uma dívida de R$ 2,2 bilhões com credores, parte dela contraída pela Concebra, concessionária das rodovias arrematadas em 2013, junto ao BNDES. O banco estatal também pagou seu preço pela política de concessão de estradas ao menor pedágio.

As preocupações do Palácio do Planalto com a precariedade da infraestrutura de transporte de cargas, principalmente para o escoamento das safras no Centro-Oeste, estavam — e estão — corretas. A solução é que estava errada. O padrão parece agora se repetir.

Gasto público e não investimento explica crescimento do PIB

Valor Econômico

Investimento esteve estagnado no trimestre e em queda na relação com períodos mais longos

A economia brasileira praticamente não desacelerou no segundo trimestre e exibe um vigor que desafia os prognósticos de retração no resto do ano. O PIB cresceu 0,9% entre abril e junho, acima das expectativas da maioria dos analistas consultados pelo Valor - uma expansão acumulada no ano corrente de 3,7%, de 3,2% nos últimos quatro trimestres e de 3,4% na comparação em 12 meses. O crescimento no ano passado foi de 2,9%.

A excepcional performance da agricultura puxou o resultado do primeiro trimestre mas, como era esperado, não se repetiu agora, ainda que a queda não seja muito relevante (-0,9%). O principal responsável pelo crescimento do PIB foi o consumo das famílias (que pesa praticamente dois terços na ponderação pelo lado da demanda), que voltou a se acelerar e, não por acaso, simultaneamente ao consumo do governo, que aumentou.

O impulso dos gastos públicos e a redução da inflação pelo efeito do aumento dos juros, foram os principais fatores responsáveis pelo avanço da economia. A retração esperada foi adiada pela ampliação forte das subvenções sociais, em especial do Bolsa Família, iniciada no governo de Jair Bolsonaro e sacramentada pela PEC da Transição, no pós-eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Por efeito estatístico, com o resultado até agora, se a economia estagnar até o fim do ano, o PIB crescerá ao mesmo ritmo do ano passado.

O aumento da renda mantém a economia à tona diante da ofensiva dos juros altos. Desde que a disputa eleitoral de 2022 se acirrou e o então presidente Jair Bolsonaro ampliou os pagamentos do Auxílio Brasil, o orçamento dos programas sociais triplicou - o Bolsa Família passou a consumir R$ 167 bilhões, muito acima dos R$ 40 bilhões desembolsados pelos governos anteriores, com acréscimo de 1,2 ponto percentual do PIB. Foi a partir daí, observando-se os números do IBGE divulgados ontem, que o consumo das famílias, então em queda, reagiu e subiu de 3,7% para 4,3% entre o terceiro e o quarto trimestre de 2022, avanço que prosseguiu no início de 2023 (na comparação de quatro trimestres em relação aos anteriores) e arrefeceu agora, para 3,9%.

O consumo das famílias diminui devagar, em um ritmo inferior ao que faria supor a persistência das altas taxas de juros e a grande inadimplência no crédito. O aumento da oferta de crédito, por outro lado, ajuda a explicar boa parte da manutenção do crescimento da economia. Os números de julho divulgados pelo Banco Central, são incompatíveis com o nível de aperto monetário já executado pelo BC, e ainda registram avanço de dois dígitos nos empréstimos às famílias - de 12% no crédito total e de 10,4% no crédito livre, fornecido pelo sistema bancário privado.

A expansão razoável dos empréstimos movimenta a economia e os empregos. A taxa de desocupação voltou a cair no mês passado (7,9% ante 8,1% em junho) na evolução trimestral registrada pela Pnad Contínua, a menor taxa apurada desde 2014, de 7%. O aperto monetário reduziu a inflação, que por sua vez ampliou a renda disponível e os gastos de consumo. Esse efeito é muito significativo.

Segundo cálculos de Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon, a Renda Nacional das Famílias, que equivale a 68% do PIB, cresceu 7,7% em termos reais nos últimos 12 meses (descontada a inflação). A Renda Nacional Restrita das Famílias, outro agregado que equivale a 53% do PIB e que exclui aluguéis e juros, cresceu 8,7% reais nos últimos 12 meses até julho. O aumento do salário mínimo, ao lado da queda dos preços, em especial da cesta básica, elevaram o poder de consumo.

Com isso, o mercado de trabalho não encolheu como previsto, ao contrário - a massa de rendimentos bateu recorde em julho, com R$ 286,8 bilhões no trimestre móvel, segundo a Pnad Contínua, com crescimento de 2% ante o trimestre anterior. (Valor, 24 de agosto). De forma mais abrangente, a tendência é reforçada pelos números das contas nacionais, divulgadas ontem: a renda disponível bruta aumentou R$ 99 bilhões do primeiro para o segundo trimestre do ano, enquanto as despesas de consumo final evoluíram R$ 115 bilhões no mesmo período.

O dinamismo da renda, maior do que seria de se esperar, sustenta o setor de serviços, no qual a inflação é tradicionalmente maior e mais resistente a quedas. A rubrica “outros serviços”, mais relacionados à renda e salários, avançou 1,3%, na comparação trimestre ante trimestre anterior, acima do ritmo do PIB, de 0,9%. Na comparação de quatro trimestres ante os quatro anteriores, cresce 6,2%, quase o dobro da velocidade do PIB, de 3,2%, e se iguala à do consumo da famílias.

O dado preocupante das contas nacionais é o investimento, estagnado no trimestre e em queda na relação com períodos mais longos, acompanhado pelo declínio da taxa de poupança (de 18,4% para 16,9% do PIB). Isso significa que o crescimento atual, como antes, não terá fôlego. Além disso, o ritmo de crescimento da economia está acima da capacidade, o que, na coexistência com um ciclo de aperto monetário, implica que a inflação demorará mais para cair, assim como os juros.

Desmate acelerado

Folha de S. Paulo

Ritmo da perda acelerou nos últimos anos; causas incluem economia e política

Mais que a flutuação inerente a indicadores mensais e até anuais, delinear políticas públicas exige séries históricas de dados que permitam captar tendências e corrigir desvios. No caso da perda de vegetação nativa, dá-se a atenção devida para a variação ano a ano, menos contudo para a escala de décadas.

A iniciativa MapBiomas, integrada por ONGs e instituições de pesquisa, lançou levantamento de longo prazo (1985-2022) que suscita alarme. A conclusão central da análise do enorme acervo de imagens de satélite indica que o desmatamento —no território nacional inteiro, não somente na Amazônia— está em aceleração.

Entre 2008 e 2012, o país perdeu 58 mil km² de cobertura vegetal. No quinquênio seguinte (2013-2018), foram 80 mil km². No último período (2019-2022), 128 mil km².

O relatório do MapBiomas destaca a coincidência da expansão na última década com a vigência do Código Florestal revisado em 2012. Decerto a flexibilização de algumas regras terá contribuído para o mau resultado, mas seria ingênuo apontá-la como causa isolada do fenômeno multifatorial.

Preços de commodities, desempenho da economia, resultados eleitorais, composição do Congresso e empenho fiscalizador, entre outras condições, também podem pesar muito. A esbórnia ambiental no governo Jair Bolsonaro (PL) é explicação decisiva, por exemplo, para a aceleração pronunciada do último quinquênio.

"Estamos nos distanciando do objetivo de proteger a vegetação nativa brasileira previsto no Código Florestal e do compromisso de zerar o desmatamento até o final desta década", vaticinou Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.

A destruição de florestas, como se sabe, constitui a maior fonte de gases do efeito estufa produzidos no Brasil. Para haver chance de o aquecimento da atmosfera não ultrapassar 2ºC, como estipula o Acordo de Paris (2015), o mundo precisa cortar pela metade as emissões de carbono até 2030 e neutralizá-las até 2050.

O país, portanto, caminha na direção contrária, mas não é o único. A poluição climática segue em alta no planeta todo, assim como a ocorrência de eventos extremos —secas, ondas de calor, incêndios florestais, enchentes, ciclones.

De 1985 a 2022, o Brasil derrubou 960 mil km² de vegetação natural, ou 2,7 Alemanhas. Até aqui teve destaque o desmatamento na Amazônia, porém o bioma que mais perdeu cobertura nativa nesse período foi o cerrado: 25% em 37 anos.

Passou da hora de rever enfoques, prioridades e estratégias.

A surpresa do PIB

Folha de S. Paulo

Alta supera projeções, mas investimentos são necessários para avanço duradouro

Com alta de 0,9% no segundo trimestre ante o anterior, o desempenho da economia brasileira novamente surpreendeu e superou a projeção mediana de analistas, que anteviam aumento de 0,3%. O índice sugere que 2023 será mais um ano com crescimento do PIB próximo a 3%, muito acima do que era esperado há alguns meses.

O resultado importa porque pode alterar as expectativas de modo mais consistente. Havia motivos para que a alta de 1,8% do primeiro trimestre (na mesma base de comparação) fosse considerada pontual, dada a concentração na agropecuária, que teve salto de 21% em razão da safra recorde.

Ademais, indústria e serviços indicavam desaceleração, enquanto a demanda mostrou pequena alta (0,2%) do consumo das famílias e retração (3,4%) do investimento.

Agora, com os dados do segundo trimestre, há razões para duvidar dessa trajetória. A começar pela queda menor que a esperada do setor primário, de apenas 0,9%, sinal de que o patamar atingido de produção pode ser sustentado.

Houve aceleração do consumo das famílias (0,9%) e do governo (0,7%). O aumento de transferências diretas de renda a famílias pobres e de outros gastos públicos explicam parte do resultado. O dinamismo do mercado de trabalho, com desemprego baixo e salários em ritmo razoável (5% ao ano), também contribui para a robustez da demanda.

Já o investimento mostrou ínfima melhora, com alta de 0,1%, e ficou em insuficientes 17,2% do PIB, 1,1 ponto percentual abaixo do mesmo período de 2022. A estabilização é apenas um começo. Ainda há muito a percorrer para recuperar a queda dos trimestres anteriores.

Mesmo assim, nesse caso também pode se confirmar um prognóstico mais favorável conforme avance o esperado ciclo de cortes de juros, que por sua vez depende da responsabilidade do governo na gestão das contas públicas.

É provável que as taxas nas alturas desde o ano passado ainda pesem na atividade econômica adiante. O endividamento das famílias permanece alto e há escassez de crédito para empresas, sobretudo as pequenas e médias.

De todo modo, deve-se reconhecer que as surpresas positivas têm sido recorrentes desde a retomada que se seguiu à pandemia em 2021.

Além do impacto de maiores transferências de renda, o que sugeriria fôlego curto, é plausível que transformações estruturais legadas por reformas econômicas recentes estejam em andamento. Não retroceder nelas se torna, portanto, ainda mais essencial.

Um partido a serviço de Lula

O Estado de S. Paulo

Ao anunciar a candidatura de Lula a três anos das eleições, o PT reitera sua indiferença pela renovação política e explicita seu grande objetivo: a manutenção de Lula no poder

“Não existe partido político no Brasil. O único partido com cabeça, tronco e membro é o PT”, disse há pouco o presidente Lula. “O restante é uma cooperativa de deputados que se juntam nas eleições.” Descontado o simplismo retórico, é forçoso reconhecer nessa ponderação, por humilhante que seja para a democracia do Brasil, um fundo substancioso de verdade.

O PT foi uma das peças-chave nas Diretas Já. O partido só perde para o PMDB em volume de afiliados, mas é a única grande legenda em que esses afiliados contribuem expressivamente para sua sustentação. É também a única com militância disciplinada em escala nacional. Goste-se ou não de sua ideologia, o PT tem um conteúdo programático consistente e abrangente. O resultado está nas urnas. Na Nova República, o PT disputou todos os segundos turnos à Presidência. Na oposição, sempre foi o partido mais relevante. Nos últimos 20 anos, governou o País por quase 14. Agora, tem um mandato de mais 4.

Por tudo isso, é deplorável que, no primeiro ano de governo, o Diretório Nacional do PT tenha aprovado uma resolução anunciando Lula como candidato em 2026. “Todo mundo sabe que não é possível um cidadão com 81 anos querer reeleição”, disse Lula em 2022. Todo mundo, menos o PT.

Discutir uma candidatura para daqui a três anos já seria extemporâneo. Ao anunciar que nem sequer haverá discussão, o partido assume a opção pela não renovação e explicita que esse período não servirá a outra coisa senão à manutenção de Lula no poder. A resolução o diz com todas as letras: “As eleições municipais de 2024 demarcam um momento estratégico para a construção de uma sólida aliança popular e democrática que promova a recondução do Governo Lula em 2026”. É um exemplo acabado de hipocrisia. Numa única frase, o partido prestigia, em tese, a disputa democrática e a tal “frente ampla”, enquanto, na prática, explicita que tudo não passa de um instrumento para perpetuar seu líder no Planalto.

É deplorável, mas não surpreendente. A estatura política do PT é inversamente proporcional à sua estatura moral.

O PT tem muitos afiliados, mas pouca democracia. Na hora de escolher candidatos, não há disputas, não há primárias, há só o dedo indicador de Lula. Ele disputa a Presidência da República desde a redemocratização. Quando barrado pela legislação eleitoral, interpôs seus “postes”. Dissidentes do partido sempre foram tratados como hereges e párias a serem tratorados pelas máquinas de difamação de seus marqueteiros. Na esquerda, a ambição hegemônica do PT abastardou o debate e a articulação de propostas sérias. São inúmeros os casos de candidaturas progressistas promissoras abortadas pela relutância do partido em participar de qualquer aliança não subserviente a ele.

Forte, mas radicalmente antipluralista. Diversas vezes, o PT dificultou a consolidação da democracia brasileira. Veio de Lula a ordem para que os deputados petistas votassem contra a aprovação da Constituição. Na oposição, o PT sabotou sistematicamente propostas modernizantes, na lógica do “quanto pior para o governo, melhor para Lula”. No poder, empregou dinheiro público e aparelhou o Estado para manietar a representação política (mensalão e petrolão), além de ter atropelado as contas públicas (recessão) para promover suas ambições eleitorais. Quando Lula se viu enredado por indícios de crimes até hoje nunca esclarecidos, seus partidários correram o mundo desmoralizando o Estado Democrático de Direito brasileiro, e continuam a desmoralizá-lo com a narrativa do “golpe” do Legislativo e do Judiciário contra seu poste.

Se esse partido tão antirrepublicano é o “único” com “cabeça, tronco e membro”, como diz Lula, não surpreende o seu ato falho: “Não existe partido político no Brasil”. Quer dizer, legendas existem, até demais, mas ou não são suficientemente íntegras ou não são suficientemente fortes. O PT é forte, mas, com sua falta de integridade, foi um dos grandes responsáveis por esse deserto de alternativas. E, a julgar pela sua mais recente resolução, continuará sendo.

Governança não é complemento de renda

O Estado de S. Paulo

Governo fere regras básicas de governança corporativa ao negociar assentos em conselhos de administração de empresas nas quais instituições públicas têm participação societária

Obrigatório nas sociedades anônimas e facultativo nas companhias de capital fechado, o Conselho de Administração é o órgão mais importante de uma empresa. É o que faz o elo entre os interesses dos donos/sócios/acionistas e as decisões do alto comando executivo, cuidando para que os movimentos dos dois grupos estejam em sincronia e alinhados às boas práticas administrativas.

Conselheiros administrativos – reunidos em grupos que variam entre 5 e 11 integrantes na maioria das empresas – costumam ser bem remunerados, participam em média de uma reunião por mês, são escolhidos pelos acionistas ou proprietários e podem atuar em mais de uma empresa, desde que não haja conflito de interesses.

A relevância das decisões submetidas ao Conselho reflete a importância do cargo. Por isso, reduzir a função a um mero complemento salarial é mais do que uma ofensa a quem exerce a atividade; é um desrespeito a todo o regramento da governança corporativa. Além, é claro, de um risco ao bom funcionamento empresarial e ao mercado como um todo.

Pois esse artifício vem sendo utilizado anos a fio, descaradamente, por diferentes gestões federais, não apenas em empresas estatais, mas em todas aquelas nas quais uma instituição governamental mantenha participação societária que lhe garanta o direito à indicação de conselheiro.

A BNDESPar, empresa de participações do banco estatal BNDES, tem assegurada a indicação de conselheiros administrativos para 22 empresas privadas. Como em algumas tem direito a mais de um assento, o total de indicações chega a 30. É o caso, por exemplo da Tupy, onde a BNDESPar, com participação de 28,2% do capital, indica três dos nove conselheiros. Há poucos dias, dois deles renunciaram, apesar de terem mandato a cumprir até 2025.

Mais correto seria dizer que “foram renunciados” para dar lugar a dois ministros indicados pelo governo, Anielle Franco, da Igualdade Racial, e Carlos Lupi, da Previdência. O que os dois ministros entendem da indústria de ferro fundido? Não se sabe. E, tendo em vista suas áreas de atuação, é bem possível que não tenham ideia das prioridades estratégicas da fundição Tupy.

Cada um vai incorporar ao salário de ministro mais R$ 36.115,00 mensais como conselheiro, informou o Estadão. Caso passem a fazer parte de algum comitê interno de assessoramento ao Conselho de Administração, o que é comum nas empresas, este “extra” pode aumentar para até R$ 51 mil mensais.

Os conselheiros que lhes cederam a vez, ambos funcionários do BNDES, acumulam experiências profissionais como análise de aspectos regulatórios, financeiros e ambientais de projetos, conhecimento e atuação no mercado de capitais, além de passagens anteriores por Conselhos de Administração.

Assim, em uma canetada governamental, lá se vai para o ralo parte considerável do esforço de dotar de confiabilidade, credibilidade e transparência a atuação dos Conselhos de Administração no País. Um trabalho construído ano a ano, em torno dos conceitos de governança corporativa. Campanhas endossadas por investidores e acionistas pregam a ampliação de membros independentes, para evitar o risco de decisões lastreadas em interesses restritos à própria empresa.

Os profissionais que compõem os conselhos administrativos têm, como função principal, zelar pelo retorno financeiro do investimento feito pelos acionistas. Fiscalizam a gestão dos diretores executivos e com eles dividem responsabilidades perante o órgão de controle do mercado de capitais, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). É condenável e abusivo ocupar uma cadeira de tamanha relevância apenas para complementar renda.

Se o governo pensa que ministros de Estado e seus assessores são mal pagos, mais correto seria buscar aumentar as remunerações por instrumentos legais, não pelo expediente escuso de incorporar jetons de conselhos. Há que se observar critérios rigorosos de seleção de candidatos a essas vagas para realizar, de fato, os princípios éticos, sociais e de eficiência de governança, tanto privada quanto pública.

Congresso reduz danos ao contribuinte

O Estado de S. Paulo

Congresso restitui o voto de qualidade no Carf a favor do Fisco, mas sem as penalidades que o governo queria

A aprovação pelo Senado, por 34 votos a 27, do projeto de lei que restitui o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) representou uma vitória da Receita Federal sobre o contribuinte. Mas mostrou também que o governo não possui salvo-conduto para impor toda e qualquer medida para aumentar a capacidade arrecadatória.

Prova disso é o fracasso na tentativa de impor o retorno do voto de Minerva por meio de uma medida provisória (MP). De janeiro a 1.º de junho deste ano, sua vontade vigorou por meio de MP, um instrumento reservado a questões urgentes e relevantes. Sem apoio do Congresso, que deixou a medida caducar, o governo foi obrigado a elaborar um projeto de lei e submeter a discussão ao Legislativo.

A mensagem não poderia ser mais inequívoca. Medidas que afetam diretamente os contribuintes têm de ser discutidas com aqueles que os representam. Numa democracia não se deve impor regras apenas pela força da autoridade. Ainda mais quando se trata de ampliar a arrecadação em um governo incapaz de buscar prioritariamente o equilíbrio fiscal pelo caminho mais correto, que é o da redução de gastos.

Apesar da manutenção do critério de desempate, o Congresso assegurou o perdão de juros e multas se não houver judicialização. Ao menos o resultado, para o contribuinte, não foi tão draconiano quanto antes. Afinal, é razoável a suspensão tanto da contagem de juros como da imposição de multa enquanto a apuração da cobrança estiver em discussão na esfera administrativa.

O Carf é a última instância recursal administrativa para contribuintes protestarem contra cobranças da

Receita Federal. Foi criado em 2009 para examinar pedidos de revisão de contribuintes contra autuações do Fisco. As decisões finais cabem a câmaras formadas por representantes da Receita e dos contribuintes. O chamado voto de qualidade é acionado em caso de empate e cabe ao presidente do Conselho, sempre um representante da Receita.

Não se trata, portanto, de um organismo independente. E sendo do representante do Fisco a última palavra quando os votos dos conselheiros terminam equilibrados, é compreensível a crítica, por parte dos contribuintes, de que muitas vezes o recurso ao Carf representa apenas protelar o problema.

Em 2020, o voto de qualidade no Carf foi extinto. Uma das razões era a aplicação do princípio jurídico de in dubio pro reo – em caso de dúvida, deve haver absolvição do réu em um processo penal. Sendo o empate a expressão da dúvida, caberia ao réu – na hipótese, o contribuinte – o benefício da decisão favorável.

No início do governo, ao apresentar medidas de recuperação fiscal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, qualificou como “uma excrescência” a decisão pró-contribuinte em caso de empate, defendendo a volta do voto de qualidade. Agora, o Congresso chancelou o retorno, mas não nos termos que o governo queria impor. Está longe de ser a decisão ideal, mas mostra como é importante o processo legislativo ante o apetite arrecadatório do Estado.

O Brasil e o desafio de distribuir renda

Correio Braziliense

Na reação ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,9% no segundo trimestre de 2023 em relação aos três meses anteriores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu que o avanço na geração de riqueza seja distribuído para mais brasileiros, o que, segundo ele, nunca foi feito no país. De fato, nas últimas décadas, o Brasil viu a desigualdade de renda aumentar, depois de um período em que se defendia que "era preciso crescer o bolo, para depois dividi-lo" - frase atribuída ao então ministro da Fazenda Delfim Neto no regime militar. O Brasil nunca superou o desafio de ser um país mais igualitário, perpetuando a condição de renda média baixa. Desde que se industrializou, convive com a transição para uma economia de padrão de renda alto, como as nações desenvolvidas, sem alcançar essa condição. É sempre o país do futuro.

Os programas de transferência de renda ajudam a abrir caminho para uma maior distribuição de renda, mas são insuficientes para assegurar o crescimento estrutural da renda dos brasileiros, o que, a exemplo de outros países, ocorre com garantias à competitividade econômica e condições de mobilidade social que elevem o padrão de renda dos cidadãos. E isso é possível com crescimento econômico sustentável e investimentos para a modernização da economia. A atividade econômica brasileira mostra resiliência diante das inúmeras crises e dos solavancos sofridos ao longo da história, mas seu potencial ainda não foi totalmente explorado exatamente porque não há um processo de desconcentração de renda que eleve o país à condição de desenvolvido.

Ainda que não totalmente atualizados, os dados mostram o quão concentrada é a renda no Brasil e como isso se transforma em uma desigualdade social brutal e que trava uma aceleração maior do desenvolvimento econômico. Dados da Pnad Contínua, do IBGE, mostram que o 1% dos brasileiros mais ricos tem renda 32,5 vezes maior do que os 50% mais pobres. Em 2022, essa diferença significava uma renda mensal per capita de R$ 17.447 na parcela dos mais ricos contra R$ 537 entre os mais pobres. E no ano passado a situação melhorou, uma vez que em 2021 a diferença de renda entre ricos e pobres era de 38,4 vezes.

Em outro estudo, compilado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil aparece como um dos recordistas em concentração de renda. No levantamento da ONU, de 2019, o Brasil aparece em segundo lugar entre 180 países no ranking de concentração de renda. Segundo o órgão da ONU, o 1% da população mais rica do país detém 28,3% da renda, enquanto os 40% mais pobres ficam com 10,4%. Ou seja, os mais ricos no Brasil ficam com uma fatia quase três vezes maior do que um contingente enorme da população. Essa é uma dura realidade brasileira, que não tem apenas uma causa e portanto não pode ser mudada com discursos ou simples auxílios emergenciais para os mais pobres.

O controle das contas públicas, uma reforma tributária que desonere efetivamente os investimentos e a renda, um programa de reindustrialização que insira o Brasil nas cadeias de suprimento globais são ações estruturais inadiáveis. Elas devem ser complementadas com taxas de juros mais baixas e maior acesso ao crédito para permitir a retomada efetiva do crescimento econômico a um ritmo superior ao patamar de 2,5% na média nos últimos 40 anos. Além disso, é preciso fortalecer a educação e a formação de trabalhadores para que haja mobilidade social e eles se apropriem desse crescimento via salários melhores.

 


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