domingo, 10 de setembro de 2023

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Decisão de Toffoli sobre Lava-Jato deixa questões em aberto

O Globo

Apesar de despacho denso e enfático, lógica da anulação de provas contra Odebrecht precisa ser mais bem explicada

Na última quarta-feira, o ministro do Supremo Dias Toffoli anulou o acordo de leniência firmado em 2016 entre a empreiteira Odebrecht e a Operação Lava-Jato. Tornou imprestáveis as provas obtidas a partir dele: os bancos de dados em que a empresa armazenava com riqueza de detalhes o valor das propinas pagas a políticos do Brasil e de países onde mantinha obras. Para isso, citou diálogos obtidos ilegalmente pelo criminoso digital que invadiu um aplicativo de mensagens dos procuradores da Lava-Jato.

Toffoli disse que os diálogos comprovam ter havido falha na cadeia de custódia das provas — o conjunto de procedimentos que atesta sua inviolabilidade. Afirmou que não houve um acordo internacional, passo juridicamente necessário para que os dados fossem trazidos do exterior para o Brasil. Mandou que se apure, nas esferas administrativa, cível e criminal, a responsabilidade de agentes públicos na obtenção ilegal dessas provas. Em seu voto, afirmou que já se pode concluir que a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos maiores erros judiciários da História do Brasil.

O cidadão que acompanhou o passo a passo da Lava-Jato há de estar se fazendo algumas perguntas. Uma delas foi expressa de maneira clara pelo diretor-executivo da Transparência Internacional Brasil, Bruno Brandão. “Se houve erros, isso deve ser apurado e corrigido, com responsabilizações atribuídas”, disse Brandão. E acrescentou: “Mas num prédio em que se descobre um vazamento de água, deve-se consertá-lo ou demolir o edifício?”. A pergunta prescinde de resposta, pois é óbvia. Empresários, políticos e funcionários públicos confessaram crimes de corrupção e devolveram dinheiro em grande volume, tudo registrado em gravações atestando que não houve coerção. Ao constatar problemas na cadeia de custódia e na necessidade, por sinal controversa, de acordo internacional, não teria havido outro remédio que não a anulação geral?

Se houve erros na Lava-Jato — e houve —, por que não foram detectados pela segunda instância ou, depois, pelo STJ? Ou ainda pelo STF, nos casos que julgou? O Supremo errou também? O Judiciário brasileiro é, no mundo, um dos que mais oferecem caminhos para verificar e sanar problemas em processos — talvez até em excesso. Só agora um juiz enxergou a falha? Toffoli afirmou em sua decisão que a Lava-Jato foi “uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem [contrários à lei]”. É uma acusação forte e grave, que não recai apenas sobre a 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, sobre o então juiz Sergio Moro e sobre os procuradores da força-tarefa liderada por Deltan Dallagnol, mas também sobre todo o Judiciário, inclusive o próprio STF, que acompanhou tudo com lupa.

É nesse contexto também que deve ser lida a afirmação de que a prisão de Lula foi um dos maiores erros judiciários do Brasil. Impossível não ver nela certa dose de autocrítica, já que o Supremo referendou a manutenção da prisão mais de uma vez (embora sem apreciar o mérito das acusações).

Um terceiro aspecto intriga o cidadão comum: as provas contra a Odebrecht e políticos foram anuladas porque, diz Toffoli, a Lava-Jato chegou a elas de maneira ilegal. Mas em que ele se baseou para decretar a ilegalidade dos procedimentos? Nos diálogos que um criminoso obteve ilegalmente ao invadir mensagens alheias, armazenadas em computador apreendido na Operação Spoofing. Toffoli cita seu antecessor no caso, o ex-ministro Ricardo Lewandowski, que afirmou, textualmente, não estar “discutindo a validade das provas obtidas da operação Spoofing”, pois isso seria discutido futuramente. Mas ambos citaram os diálogos fartamente em decisões de grande repercussão. Se as conversas dos promotores foram obtidas de forma ilegal, essa ilegalidade poderia anular a outra (a obtenção dos bancos de dados da Odebrecht)? Em benefício da defesa de réus, a jurisprudência diz que sim. Mas, na decisão, Toffoli manda apurar a responsabilidade de agentes públicos que conduziram o caso. Serão punidos a partir dos diálogos, fruto do crime de um hacker?

São questões, essas e as demais, sobre as quais juristas, hoje, já vêm se debruçando e que passarão, amanhã, pelo escrutínio de historiadores.

Não se discute que o STF tenha muitas vezes o dever de tomar decisões que contrariam o senso comum. Não se discute também o dever da Corte de zelar para que decisões de instâncias inferiores respeitem os marcos legais. Nessa tarefa difícil, o Supremo pode bem ser, como muitos têm repetido desde que Rui Barbosa proferiu o conceito pela primeira vez, aquele que erra por último. Mas deve-se evitar que esse ensinamento de Rui tenha de ser citado com frequência.

Paga quem quer

Folha de S. Paulo

Taxa sindical tem maioria no STF, mas deve-se facilitar oposição do trabalhador

Um antigo provérbio alemão assevera que o Diabo mora nos detalhes. É com isso em mente que se deve analisar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade da contribuição assistencial para sindicatos.

O juízo ainda não foi concluído, mas a corte já formou maioria para permitir a cobrança da taxa de trabalhadores não sindicalizados, desde que seja preservado o direito de oposição, isto é, desde que os trabalhadores contrários à cobrança dela fiquem isentos.

Dependendo da regulamentação, será possível haver tanto uma forma razoável de reduzir as perdas pecuniárias dessas entidades de classe como um retorno sub-reptício do descabido imposto sindical, que vigorou no Brasil de Getúlio Vargas até 2017.

Todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, eram obrigados a repassar para as entidades o equivalente a um dia de trabalho por ano.

Em 2017, a reforma trabalhista corretamente extinguiu essa excrescência. Estima-se que, na vigência do imposto compulsório, eram movimentados cerca de R$ 4 bilhões anuais. Sem a obrigatoriedade, o montante caiu para a casa de centenas de milhões.

Desde então, sindicalistas vêm elaborando planos para reaver a dinheirama. Eles respondem por nomes como "taxa negocial" e "contribuição assistencial", que se justificariam pelo serviço prestado aos trabalhadores, ao negociar reajustes salariais e outros benefícios.

Luiz Marinho, ministro do Trabalho do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já aventou a criação, por projeto de lei, de uma contribuição assistencial obrigatória que poderia chegar ao equivalente a 3,5 dias de trabalho por ano. Ou seja, o imposto não só voltaria como seria triplicado.

Em 2017, o STF havia se manifestado pela inconstitucionalidade da contribuição assistencial, mas o fizera num contexto em que ainda vigorava o imposto sindical.

Ministros agora entendem que, no atual contexto, em que não há mais a taxa compulsória, a cobrança se torna constitucional, desde que fixada em assembleia, que não exceda 1% dos rendimentos anuais do trabalhador e que o direito de oposição seja preservado.

E aí está o cerne da questão. Se o direito de oposição puder ser exercido rápida e facilmente, estaremos lidando com um simples caso de arquitetura de escolhas. Nessa hipótese, a vontade do trabalhador estaria sendo de fato respeitada.

Mas, se para fazer valer o direito de oposição for necessário enfrentar algum calvário burocrático, estaremos diante de uma empulhação. Seria a volta do imposto sindical por outros meios, uma possibilidade que o Supremo deveria desde já brecar.

Esfinge viral

Folha de S. Paulo

Mundo não sabe como surgiu a Covid-19, o que o torna vulnerável a novos vírus

O flagelo da Covid-19 se encaminha para o rol das enfermidades com que a humanidade convive de modo resignado. Infecções pelo Sars-CoV-2 parecem estar em alta, porém, e não se pode dizer que o mundo saia bem preparado da pandemia para outras que virão.

Verdade que se desenvolveram vacinas eficientes em tempo recorde, que derrubaram os óbitos. Ainda assim, entre julho e agosto deste ano, foram registrados 1,5 milhão de casos novos —um aumento de 40% sobre período anterior, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.

Já as 2.500 mortes observaram redução de 57%, mas a OMS faz a ressalva de possível subnotificação, porque vários países passaram a diminuir testagem e comunicação de infecções.

No Brasil, de 27 de agosto a 2 de setembro, último dado disponível, houve 12.149 novos casos, cerca de mil a menos que na semana precedente. Somamos 705.172 mortes, 10,1% do total no planeta, parcela desproporcional para país com 2,5% da população mundial.

O mundo está despreparado para enfrentar novas pandemias. Aqui, menos pessoas se vacinam contra Covid. No plano global, ainda se desconhece a origem do coronavírus e seu trajeto até a espécie humana, informação que contribuiria para deter vírus semelhantes.

Em 2002, surgira também na China a primeira pneumonia Sars causada por vírus de morcegos, contida em pouco tempo (menos de mil mortes). Mas a descoberta do animal intermediário entre morcegos e humanos, as civetas, se mostrou pouco útil para evitar a Covid.

No caso da pandemia surgida em 2019, nem isso se sabe. A investigação científica que poderia desvendar o enigma cedo foi capturada por disputas geopolíticas, polarização ideológica e conflitos de interesse, como mostra artigo no caderno Ilustríssima desta Folha.

Duas facções se entrincheiraram: uma defende que o Sars-CoV-2 teve origem zoonótica, natural; outra, que pode ter escapado de um laboratório. A cidade de Wuhan sedia importante instituto de virologia da China, que se especializou em coleta, análise e manipulação de coronavírus em cavernas infestadas de morcegos a 1.300 km dali.

A índole censória e repressiva do governo chinês nada ajudou, para dizer o menos, a decifrar a esfinge da Covid. Sem essa chave, outros coronavírus terão mais chance de alcançar a humanidade e devorar-lhe mais um naco da população.

O dever do STF de respeitar o cidadão

O Estado de S. Paulo

Com revisionismo histórico da prisão de Lula, Dias Toffoli lança as piores suspeitas sobre o Supremo, como se fosse órgão instável, parcial e submisso aos ventos políticos do momento

Com sua decisão, Dias Toffoli lança as piores suspeitas sobre o Supremo.

Diz-se, com inteira razão, que todos os cidadãos têm de respeitar o Judiciário e cumprir suas decisões. O funcionamento livre da Justiça é aspecto essencial do Estado Democrático de Direito. Mas infelizmente, algumas vezes, parece que o Judiciário se esforça para não ser respeitado, para não ser levado a sério, para ser visto como um órgão político, submisso às circunstâncias do poder do momento.

Na quarta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli aproveitou o ensejo de um despacho – no qual anulou todos os atos da Justiça tomados a partir do acordo de leniência firmado pela Odebrecht – para fazer um revisionismo histórico. Segundo ele, a prisão do presidente Lula foi um dos “maiores erros judiciários da história do País”; “uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado”; “uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados”; “o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições”.

De fato, a Justiça, depois de um longo vai e vem, entendeu que o princípio da presunção da inocência impede o início da execução da pena antes do trânsito em julgado. De fato, a Justiça, depois de longos anos, entendeu que a 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba não era competente para julgar os casos envolvendo Lula, anulando as condenações correlatas.

Mas nada disso obnubila a obviedade mais cristalina. De uma forma ou de outra, com mais ou menos intensidade, o STF participou de todos esses atos, tanto os que conduziram Lula à prisão como aqueles que o tiraram de lá. E igualmente se pode dizer dos atos que retiraram a elegibilidade de Lula e dos que a devolveram. Se, como disse Toffoli, os processos contra Lula foram “uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados”, o STF participou integralmente dessa conspiração.

Não há nenhum problema em que a Justiça corrija seus erros. Na verdade, é seu dever primário. Mas que o faça em tempo razoável e, principalmente, de forma honesta, sem politizar os assuntos. No entanto, quando Dias Toffoli profere uma decisão como a de quarta-feira, produz-se uma grave inversão. As revisões da Justiça, que deveriam servir para fortalecer a confiança no Poder Judiciário – explicitando que não há compromisso com o erro –, perdem seu caráter pedagógico, gerando a impressão contrária. Para a população, parecem confirmar-se seus piores temores: uma Justiça parcial e instável, preocupada em estar alinhada com os ventos da política.

O habeas corpus de Lula foi impetrado no Supremo em 2018. Se eram tão graves e evidentes os elementos indicando a parcialidade do juiz, por que houve tanta demora em seu julgamento? No caso da decisão pela incompetência do foro, o Judiciário tardou sete anos. Toda essa história é longa e tem muitos aspectos. Mas os fatos não podem ser negados. Por causa dessa flagrante incompetência da Justiça – no sentido corriqueiro do termo: a incapacidade de aplicar o Direito em tempo razoável e de forma estável –, os casos contra Lula prescreveram, os indícios de corrupção reunidos perderam sua serventia processual e o mérito dos processos nunca foi julgado por um magistrado competente e imparcial, como deveria ter ocorrido.

As palavras de Dias Toffoli devem servir, por contraste, de alerta a todo o Judiciário; em especial, ao STF. Respeitem o cidadão e sua memória. A Justiça tem de ser funcional. Ninguém deseja – não é isso o que prevê o Estado Democrático de Direito – um Judiciário voluntarista, instável, histérico ou politizado.

Fala-se que o STF, por ser o órgão de maior hierarquia do Judiciário, tem o direito de errar por último. A afirmação é um tanto cínica, a desprestigiar o próprio Supremo. Na verdade, nenhum órgão estatal tem o direito de errar. De toda forma, tenha ou não esse direito, é mais que hora de reconhecer que o STF tem abusado da possibilidade de errar.

Por um país menos desigual

O Estado de S. Paulo

Foi lançada a Frente Parlamentar de Combate às Desigualdades. Tema exige compromisso efetivo de todos, e não mero discurso demagógico. Irresponsabilidades geram novas desigualdades

Recentemente, o Observatório Brasileiro das Desigualdades apresentou ao Congresso um diagnóstico da injustiça social do País, fazendo um chamado por maior empenho do poder público no combate às disparidades entre os brasileiros. Elaborado a partir da compilação de 42 indicadores econômicos e sociais, o relatório Um retrato das desigualdades no Brasil hoje identifica parâmetros persistentes, como a distância de renda entre o topo e a base da pirâmide, e expõe a carência de políticas públicas para confrontar uma miríade de lacunas que perpetuam gerações de brasileiros na pobreza.

O parco acesso de pobres, negros, mulheres e habitantes de regiões mais vulneráveis a direitos básicos e a serviços públicos está na base da preservação das disparidades sociais. Duas iniciativas, porém, prometem contribuir para a superação de uma realidade que, historicamente, tem freado o desenvolvimento humano e econômico do Brasil. No último dia 30, foi lançado o Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades, por meio do qual mais de 200 organizações da sociedade civil comprometeram-se a pressionar o poder público por medidas mais assertivas. E no Congresso foi instalada a Frente Parlamentar de Combate às Desigualdades.

A desigualdade pesa historicamente contra os anseios dos brasileiros por dignidade, oportunidade, prosperidade e crescimento econômico com justa distribuição de seus benefícios. As omissões e negligências do poder público a respeito do tema descumprem a Constituição de 1988 que, no artigo 3.º, estabelece, entre os objetivos fundamentais da República, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. Desde a redemocratização, muitas iniciativas de combate às disparidades foram adotadas. Mas a superação desse abismo social e econômico entre brasileiros, como evidencia o relatório, exige políticas públicas mais incisivas e efetivas.

O documento do Observatório retrata as disparidades em suas dimensões territoriais, raciais e de gênero e em suas diferentes formas de perpetuação – do acesso a creches e à educação formal à representação de negros e mulheres nas instâncias públicas decisórias, passando pela insegurança alimentar e a precariedade de serviços públicos. Mostra, sobretudo, que o desafio é muito mais amplo do que o comumente vislumbrado.

O texto alerta para a necessária redução da diferença entre o 0,01% dos brasileiros mais ricos, com riqueza média acumulada de R$ 151 milhões, e os 7,6 milhões de brasileiros que vivem com menos de R$ 150 a cada mês. A esses dados se agrega o fato de que os 10% mais pobres recolhem o equivalente a 26,6% de sua renda em tributos, enquanto os mais ricos pagam 19,2%. A reforma da tributação é indispensável para diminuir essa brutal disparidade, ressalta o documento, mas não pode ser a única iniciativa.

A população mais pobre é prejudicada pelo déficit de serviços públicos em todas as etapas de sua vida. Algumas das evidências são o registro de 31.856 mortes de crianças no primeiro ano de vida em 2022 – mais de 90 bebês por dia – e a ausência de creches para 69% dos brasileiros de zero a três anos. Outra diz respeito ao fato de que, entre homens negros, 41,6% dos óbitos ocorrem por causas que poderiam ser evitadas.

O texto do Observatório reitera o consenso existente em torno do acesso à educação pela população pobre e negra como medida essencial para a correção das desigualdades. O fato de 35,7% dos jovens negros de 15 a 17 anos não frequentarem o ensino médio revela que há muito a ser feito pelo poder público.

O documento Um retrato das desigualdades no Brasil hoje não contempla todas as manifestações das disparidades sociais, mas chama a atenção para muitas delas que ainda carecem de políticas públicas eficientes e abrangentes e dos necessários investimentos. Não é uma questão de que existem no País algumas desigualdades. Há muitas e profundas desigualdades, que impedem muitos brasileiros de exercerem sua cidadania. O Estado Democrático de Direito tem de valer para todos.

Educação em SP tem de ser referência

O Estado de S. Paulo

Diante dos graves equívocos, não basta trocar nomes. Educação de qualidade exige planejamento competente

Na quarta-feira passada, foi anunciada a exoneração do coordenador pedagógico da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, Renato Dias. Segundo o Estadão apurou, sua saída se deve aos erros encontrados no material didático produzido pelo governo e enviado para as escolas por meio de slides. Fundador de uma escola particular, Renato Dias era o número 2 da secretaria.

Os erros eram simplesmente inaceitáveis. Os slides de PowerPoint que, a princípio, iriam substituir os livros didáticos, continham erros crassos de História, Geografia, Matemática e Biologia. Por exemplo: na cidade de São Paulo, de acordo com o material preparado pela equipe do secretário, haveria praias; a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no País, fora assinada por dom Pedro II, e não por sua filha, a princesa Isabel. Era isso o que o governo de São Paulo queria ensinar para as crianças?

Nessa história, dois pontos chamam a atenção. Tendo em vista os graves equívocos nos últimos nove meses, quem devia cair – o secretário Renato Feder – não caiu. Sinceramente, não se entende sua permanência no governo até o momento. Afinal, o problema não se resumiu a erros nos slides, o que já seria muito preocupante.

O segundo aspecto é ainda mais radical. Certamente, é preciso trocar quem foi conivente com erros tão graves em área fundamental para o presente e o futuro da sociedade. E não é mera questão de falha: os erros expuseram uma visão distorcida da educação, visão esta que, entre outros absurdos, desprezava os livros didáticos. Mas – e aqui está o ponto central – não basta trocar o coordenador pedagógico ou mesmo o secretário estadual de educação. O governo de São Paulo deve à sociedade a apresentação e a realização de um plano consistente para a educação pública.

Como já dissemos neste espaço, não é preciso “revolucionar” a educação. Tampouco é necessário inventar a roda. Basta que o gestor público seja responsável e competente, aplicando as melhores práticas na área, sem desprezar as evidências e sem desprezar o bom senso.

Por exemplo, o governo de São Paulo tinha grandes planos para o ensino digital. No entanto, como o

Estadão revelou, a maioria das escolas da rede estadual nem sequer dispõe da infraestrutura necessária. Poucas são as salas de aula que têm acesso à internet por meio de Wi-Fi, computadores, TVs e outros equipamentos necessários para a adoção dessa metodologia pedagógica. Professores ouvidos pelo jornal disseram que usam seus celulares e pacotes de dados particulares para conduzir as aulas. Uma situação de precariedade nesse grau é inaceitável em um Estado como São Paulo.

O governo de São Paulo pode e deve fazer muito mais pela educação pública oferecida às crianças e adolescentes paulistas. É preciso um plano sério e consistente, de curto, médio e longo prazos. Há muitas experiências e muitas entidades sérias às quais o governo estadual pode recorrer. O Estado de São Paulo não pode ficar refém de políticas mal concebidas e mal executadas. Basta de amadorismo e de ignorância.

Credibilidade e liderança

Correio Braziliense

As desigualdades sociais têm se acentuado, a despeito dos avanços tecnológicos que o mundo vivencia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu, em seu discurso na Índia, que, tão logo o Brasil assuma a presidência do G20, o grupo das nações mais ricas do planeta, em 2024, lançará uma aliança global contra a fome. A promessa é muito bem-vinda, levando-se em conta que mais de 700 milhões de pessoas não têm hoje o que comer. As desigualdades sociais têm se acentuado, a despeito dos avanços tecnológicos que o mundo vivencia. É fundamental ressaltar, porém, que parte importante desse desastre humanitário decorre das mudanças climáticas, que vêm atingindo, sobretudo, mulheres e crianças, os mais vulneráveis.

Lula tem sido uma voz importante não apenas no combate à miséria, mas também no chamado para que os governos e a sociedade se engajem, de forma efetiva, na proteção do meio ambiente. Com o Brasil na presidência do G20, Lula terá uma oportunidade única de liderar esse movimento, inclusive com o país se posicionando como potência na questão climática. O líder brasileiro terá, no entanto, que se desgarrar do setor de petróleo e gás, sabidamente, o principal responsável pelo veloz aquecimento do planeta, cujos resultados são eventos cada vez mais extremos, como os observados recentemente no Rio Grande do Sul, em que um ciclone extratropical deixou dezenas de mortos e um rastro de destruição.

Não é compatível com as falas de um defensor do meio ambiente, a defesa da exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas. Por isso, Lula e o Brasil terão de fazer escolhas se não quiserem ver questionadas suas credibilidade e liderança. Esse posicionamento claro, sem dubiedade, ganha ainda maior relevância porque o país sediará a COP30 em 2025, em Belém do Pará. Até lá, todos os signatários do Acordo de Paris, assinado em 2015, terão de apresentar à Organização das Nações Unidas (ONU) o que fizeram até agora para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável assumidos até 2030. Em sua declaração conjunta, divulgada no sábado, o G20 reconheceu que somente 12% das metas foram cumpridas. Pior, em vez de cair, a emissão de gases de efeito estufa aumentou.

Desde que assumiu, pela terceira vez, a Presidência da República, Lula tem feito um périplo pelo mundo para recolocar o Brasil no debate internacional, como um dos atores principais. E não há como negar que a receptividade em relação ao brasileiro tem sido enorme. Portanto, é vital que o respeito em relação ao Brasil se transforme em um ativo real para que bandeiras tão caras, como o combate à fome, o enfrentamento às desigualdades, a inclusão e o respeito às minorias e a preservação ambiental, sejam encampadas pelas demais lideranças. O mundo se encontra em uma encruzilhada, em que os mais pobres são alijados do debate e a democracia, conquistada a duras penas, é questionada em todos os cantos e não é vista por muitos como o modelo mais adequado de governo.

O comunicado conjunto do G20 amplifica o tamanho dos desafios que estão colocados ao mundo. Crises constantes na economia atrasaram a agenda global de 2030, com aumentos de conflitos, guerras, inflação, perda de biodiversidade, alagamentos, degradação do solo, desertificação, fosso cada vez maior entre pobres e riscos, fatores que ameaçam a vida de todos. O momento não comporta mais discursos, exige ações concretas. O Brasil, por toda a sua relevância, deve estar na linha de frente do enfrentamento desses desafios, começando por cumprir o dever de casa, que passa pela estabilidade econômica e política.

Não há mais tempo a perder. O mundo pede socorro. A qualidade de vida da população em geral está ameaçada e abrir mão, por exemplo, da transição energética será empurrar a todos para o abismo. Ainda é possível fazer a virada em direção ao bom senso. Os últimos alertas da ONU sobre a situação climática são assustadores. Se não houver uma redução de pelo menos 43% das emissões de gases de efeito estufa até 2030, países e ilhas desaparecerão. Será o caminho para um futuro devastador.

 

Um comentário:

  1. Editoriais importantes sobre a decisão de Toffoli por O Globo e O Estado de São Paulo. Mais analítico o primeiro, mais crítico e político o segundo. Mas ambos muito interessantes! Parabéns ao blog por nos mostrar uma visão tão ampla e diversificada da opinião pública brasileira!

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