terça-feira, 19 de setembro de 2023

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Temores sobre a atuação do Supremo 
O Globo  

Tribunal foi — e é — essencial na defesa da democracia, mas desenrolar dos últimos fatos traz preocupações 

O Supremo Tribunal Federal (STF) está há meses sob intenso escrutínio. Democratas sinceros são unânimes em reconhecer que a Corte foi decisiva na defesa da democracia contra as ameaças golpistas e no combate à pandemia. O desenrolar dos últimos fatos, porém, trouxe fissuras na unanimidade em torno do Supremo. Não são propriamente críticas, mas antes temores. Eles não vêm de setores extremistas, mas justamente daqueles que cerraram fileiras em defesa da democracia e do Estado de Direito. 

Um dos fatos que os alimentaram foi a anulação do acordo de leniência da Odebrecht na Operação Lava-Jato. Em decisão monocrática, o ministro Dias Toffoli argumentou ter havido falha na obtenção de provas. Em particular, apontou a falta de um pedido formal de colaboração com a Suíça para acessar o sistema em que a empresa mantinha contabilidade de suas propinas. Depois da decisão, o Ministério da Justiça informou que tal pedido existiu. Mesmo assim, há relutância em rever a decisão. É uma atitude inexplicável, tendo em vista que as provas haviam sido entregues antes de forma voluntária. 

Outro ponto que justifica apreensão foi o pedido para que organismos como Advocacia-Geral da União (AGU) ou Procuradoria-Geral da República (PGR) apurassem responsabilidades administrativa, cível e criminal relativas ao acordo. A AGU anunciou a criação de uma força-tarefa para investigar juízes e procuradores. Ora, tal incumbência não está prevista no rol de suas atribuições constitucionais, portanto não faz sentido que seja levada adiante. 

Um segundo fato recente alimentou os temores: o rigor das penas no julgamento do 8 de Janeiro. Os três primeiros réus receberam sentenças entre 14 e 17 anos. Jamais se deve negar a gravidade dos crimes que cometeram, nem o risco à democracia, muito menos a necessidade de punição. Mas é razoável questionar por que condenados por colocar uma bomba num caminhão-tanque perto do aeroporto de Brasília — também com intuito de fomentar intervenção militar — receberam penas menores, inferiores a dez anos. 

Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso sugeriu uma resposta mais moderada. Num julgamento que reúne mais de mil réus, é essencial que as punições sejam proporcionais à gravidade dos crimes – e nem todos tiveram participação equivalente no golpismo. Pelo menos 200 procuraram a PGR em busca de Acordos de Não Persecução Penal, por meio dos quais quem não praticou violência reconhece seus crimes e aceita sanções como multas ou prestação de serviços (1.125 réus podem pleiteá-los). Se não cometeram crimes graves, nada mais natural. 

Há enorme carga sobre o Supremo, para onde acorrem todos os tipos de crime, de contrabando de joias a tentativas de golpe. Estranha-se, apenas, que casos tão diversos acabem designados para um mesmo juiz, por critérios que nem sempre ficam claros. Certamente os democratas não pedem que os ministros julguem cada caso com ouvidos atentos ao clamor do momento. Espera-se que julguem de acordo com a lei e a Constituição. Mas precisam se esforçar para que todos entendam as bases de cada decisão. A transparência não serve para dar conhecimento ao público apenas sobre o que decidem, mas também sobre como e por que decidem. Do contrário, os temores poderão se transformar em certezas, esgarçando a crença de que as instituições atuam dentro de seus limites. 

Reunião com Zelensky traz a Lula chance de rever posição sobre Ucrânia 

O Globo

Embora insista em se dizer neutro, na prática postura do brasileiro equivale ao apoio tácito a Putin 

 

Em seu encontro previsto para amanhã em Nova York com o ucraniano Volodymyr Zelensky, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem uma boa oportunidade de ouvi-lo e de rever sua posição sobre a guerra na Ucrânia. Embora Lula insista em reafirmar sua neutralidade no conflito, suas atitudes e falas acabam por revelar apoio tácito ao russo Vladimir Putin. Nas votações nas Nações Unidas, o Itamaraty tem feito o possível para manter uma postura mais coerente com a tradição de equilíbrio da diplomacia brasileira. 

As manifestações de Lula tiveram início ainda na campanha eleitoral. Em maio de 2022, pouco depois da invasão russa, ele afirmou que Zelensky era tão responsável pela guerra quanto Putin — uma afirmação sem cabimento. Também culpou a União Europeia e os Estados Unidos. 

De lá para cá, até tentou consertar o estrago. Disse que a invasão foi um “erro histórico” da Rússia e passou a insistir na necessidade de diálogo para que a guerra chegue ao fim. Ensaiou uma tentativa de moderar o conflito enviando seu assessor Celso Amorim a ambos os países. Naturalmente não deu em nada. Nem Zelensky nem nenhum líder de relevo mundial têm dado muita atenção aos comentários ou iniciativas de Lula. 

O motivo é sua aparente simpatia por Putin, contra quem pesa um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), sob a acusação de crimes de guerra pela deportação de crianças ucranianas. O líder russo não foi ao encontro do Brics na África do Sul por temor de ser preso. No início do mês, durante a cúpula do G20 na Índia, Lula declarou que Putin não seria detido no Brasil se viesse ao encontro do bloco marcado para novembro de 2024 no Rio. Mais tarde, foi obrigado a se retratar, já que o Brasil é signatário do tratado que criou o TPI. 

Lula não está errado em almejar a paz ou um acordo de cessar-fogo. Nos primeiros 18 meses, houve quase meio milhão de mortos. O conflito causou a pior crise de refugiados da Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Mais de 6 milhões de ucranianos saíram do país, e outros 5 milhões abandonaram suas casas. Mesmo lugares distantes do front sentiram efeitos da guerra com a carestia e a inflação. 

Mas, se a História pode servir de guia, as tragédias não bastam para cessar o derramamento de sangue. A guerra só acabará quando Ucrânia e Rússia concluírem que é a melhor alternativa. Os russos ainda ocupam 20% do território invadido e não arredam pé de suas posições. A contraofensiva ucraniana tenta achar uma brecha nas linhas de defesas russas, e Zelensky não abre mão de recuperar cada centímetro quadrado invadido. Putin aposta que, com o tempo, o Ocidente desistirá de bancar o esforço de guerra ucraniano. 

As declarações de Lula não têm poder nenhum de mudar nada disso. São, na melhor hipótese, perda de tempo ou, na pior, fonte de atrito com aliados europeus e americanos. Ele faria melhor em concentrar suas manifestações nos temas em que tem mais influência, como meio ambiente, e em se preocupar mais com o Brasil. 

Confianças parciais

Folha de S. Paulo 

Após 10 anos de percalços, era esperável algum desgaste das instituições 

Os últimos dez anos foram pródigos em eventos capazes de abalar o prestígio das instituições de governo brasileiras. A lista começa pela onda de protestos populares de 2013 e inclui o impeachment de Dilma Rousseff (PT), ascensão e queda meteóricas da Lava Jato, a pandemia de Covid-19 e o ensaio golpista de Jair Bolsonaro. 

Na maior parte desse período, ademais, a economia do país oscilou entre a recessão —incluindo uma das mais longas e profundas da história nacional, de 2014 a 2016— e a semiestagnação. Assim, a renda média por habitante no ano passado ainda era inferior à medida uma década antes. 

Não constitui surpresa, nesse quadro, que tenha caído a credibilidade de boa parte das instituições perante o eleitorado, como mostram pesquisas do Datafolha. 

Essa queda foi especialmente pronunciada no caso da Presidência da República, na qual impressionantes 85% declaravam confiar em agosto de 2012 (33% diziam confiar muito, e 52%, um pouco). 

Os percentuais desabaram durante a breve gestão de Michel Temer (MDB) e, mesmo com recuperação após a volta de presidentes eleitos, não retornaram aos antigos patamares. Na sondagem mais recente, em 12 e 13 deste mês, foram 64% (24% no grau mais elevado). 

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Após o julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal merecia em dezembro de 2012 a confiança ao menos parcial de 70% dos brasileiros aptos a votar, marca não superada desde então. Muitas decisões louváveis e outras controvertidas depois, hoje são 60%. 

Curiosamente, o Congresso Nacional, por tradição mais criticado, ganhou protagonismo e algum prestígio na mesma base de comparação. Confiavam em deputados e senadores apenas 43% (muito, só 5%); agora, são 63% (9%, muito). 

Pode-se ver o copo meio cheio nos números. Mesmo depois de tantos percalços, as instituições preservaram boa parcela de reputação ante a maioria do eleitorado. 

Mais que isso, foram capazes de manter a estabilidade democrática em meio ao acirramento das tensões políticas. Quanto à economia, se os resultados foram ruins, ao menos se evitaram desastres como a insolvência da dívida pública e o descontrole inflacionário. 

Nota-se que o descrédito nas instituições se concentra hoje entre eleitores de Bolsonaro, o que em certa medida é normal —sobretudo no caso da Presidência, na qual 61% deles dizem não confiar. A hostilidade se estende, porém, ao STF (63%), aos partidos (57%) e, menos, ao Congresso (41%). 

Insatisfação e cobrança são parte necessária do jogo democrático, mas deixam de ser saudáveis quando fomentam pregações autoritárias. Aí está o copo meio vazio. 

De velhos e velhacos 

Folha de S. Paulo 

Os 80 anos de Biden, presidente mais idoso dos EUA, voltam ao debate eleitoral 

"Sou velho, mas não sou velhaco", respondeu o deputado federal Ulysses Guimarães, um dos próceres da democracia reconquistada em 1985, à acusação de ser "senil e desequilibrado", feita por Fernando Collor de Mello em pleno processo que levou o então presidente da República a renunciar em 1992. 

Ulysses, que naquele mesmo ano viria a desaparecer no mar em um acidente de helicóptero, não foi o primeiro nem o último a contestar o que hoje se convencionou chamar etarismo na política. 

Nos Estados Unidos, palco de eleições cruciais no ano que vem, a idade do incumbente, Joe Biden, voltou com força ao centro do debate político. O democrata é, aos seus 80 anos, o mais idoso presidente que seu país já teve. Se reeleito, pode vir a deixar a Casa Branca contando 86 anos. 

Já em 2020, quando derrotou o republicano Donald Trump, era chamado pelo rival de "Joe dorminhoco", uma maldosa referência a seus lapsos públicos. Não que o ex-mandatário, que a despeito dos processos que enfrenta deverá estar na disputa em 2024, seja algo próximo de um jovem aos 77. 

Mas Trump sempre vendeu a imagem de dinamismo, enquanto os recorrentes tropeços, reais e metafóricos, assombram Biden. 

Tanto é assim que pesquisa recente do Instituto Ipsos para a agência Reuters mostra que 77% dos americanos consideram o presidente muito idoso para o exercício do cargo, e apenas 39% acham que ele tem condições mentais para tal. 

São impressões. Por mais que Biden troque Ucrânia por Iraque em discursos, não há notícia de decisão desastrosa tomada em seu governo a ser debitada a uma suposta senilidade. A preocupação é legítima, de todo modo. 

Os avanços da medicina proporcionam vidas mais longas, em especial para quem tem acesso a tecnologias de ponta. Mas o declínio cognitivo ainda constitui um desafio. 

Em grau menor, considerações sobre a idade do presidente tendem a se tornar mais comuns também no Brasil —onde Luiz Inácio Lula da Silva exibe disposição aos 77 anos, apesar de problemas de mobilidade que demandam cirurgia. Já recordista em longevidade no cargo, o petista deverá disputar um quarto mandato em 2026. 

Nos EUA, a Casa Branca apelou para um chiste ao comentar o tema. "Os 80 são os novos 40, você não soube?", disse uma porta-voz —que poderia buscar inspiração em Ulysses na próxima vez. 

Arrecadação em baixa, gastos em alta 

O Estado de S. Paulo 

 

Queda na arrecadação impõe novos desafios à União, Estados e municípios. Cabe ao governo dar o exemplo, rever seus gastos e impor contrapartidas a governadores e prefeitos 

 

O ritmo de arrecadação de impostos tem desacelerado de forma expressiva nos últimos meses, comportamento que amplia os enormes desafios do governo federal na área fiscal. Pelo dado mais recente divulgado pela Receita Federal, referente a julho, as receitas somaram R$ 201,829 bilhões, queda real de 4,20% em relação ao mesmo mês do ano passado. 

À época, o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias, minimizou a importância do resultado. Segundo ele, a arrecadação de julho de 2022 foi mais alta em razão dos preços mais elevados das commodities, que, mais recentemente, retomaram patamares mais próximos da normalidade. Não fosse o desempenho extraordinário dos setores de petróleo e mineração, as receitas teriam aumentado 4,69% em termos reais de janeiro a julho, sustentou Malaquias. 

O otimismo manifestado por Malaquias começou a ruir. Reportagem do Estadão revelou que a Receita Federal identificou uma forte queda na arrecadação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), especialmente entre grandes empresas. A redução teria sido de 16,44% em julho, já descontada a inflação, e de 5,69% nos sete primeiros meses deste ano. 

Até agora, o governo ainda não tem um diagnóstico claro a explicar esse resultado. Somente os dados a serem divulgados nos próximos meses dirão se essas perdas estão relacionadas apenas ao recuo no preço das commodities ou a algum outro fato. Fato é que a perda de vigor na arrecadação traz novas preocupações, sobretudo quando acontece não em uma recessão, mas em um momento de crescimento econômico e de taxas de desemprego em níveis historicamente baixos. 

Se ainda não se conhecem claramente as causas por trás desse fenômeno, as consequências são bastante sabidas. A queda da arrecadação do governo federal reverberou diretamente no caixa de Estados e municípios. Afinal, a arrecadação de impostos federais, como o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), é compartilhada com os governos regionais por meio dos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM). 

As contas de Estados e municípios, por sua vez, já não estavam em patamares confortáveis. Segundo a Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), a arrecadação com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) caiu 9,76% nos seis primeiros meses deste ano – queda relacionada às leis complementares 192 e 194, que impuseram um teto nas alíquotas de ICMS sobre bens essenciais, como combustíveis, energia e telecomunicações. 

Até agora, para conter danos ainda maiores, como a desoneração da folha dos municípios, o governo federal tem aceitado negociar. A Câmara aprovou a antecipação de um repasse de R$ 10 bilhões pelas perdas dos Estados e municípios com o ICMS mais baixo. Além disso, para compensar a queda nas transferências dos fundos regionais, os deputados determinaram que a União fizesse repasses extras de R$ 2,3 bilhões aos municípios e de R$ 1,6 bilhão aos Estados. 

Essa ajuda não seria um problema tão grande se se tratasse de algo pontual em um momento de crise. Mas a realidade é que os governadores, mesmo sabendo que a imposição de um teto sobre o ICMS teria consequências sobre suas finanças, ampliaram gastos estruturais com o funcionalismo público com novas contratações e reajustes salariais. Os gastos com salários aumentaram de R$ 332 bilhões em 2022 para R$ 369 bilhões neste ano, e a quantidade de servidores públicos subiu 8% no ano passado e 5% em 2023, segundo a Bahia Asset Management informou ao Estadão. 

É mais um fator a levantar novas dúvidas sobre a credibilidade das metas fiscais. Diante do tamanho do auxílio, cabe ao governo federal dar o exemplo, rever seus próprios gastos e impor contrapartidas mínimas aos governadores e prefeitos. Quanto ao Congresso, fica cada vez mais claro que não terá alternativa a não ser aprovar medidas tributárias propostas pelo governo para taxar fundos exclusivos, offshores e apostas esportivas – se não pela União, pelos Estados e municípios. 

Um abecedário dos erros na educação 

Estado de S. Paulo 

Como mostra a OCDE, o Brasil não gasta pouco com ensino, gasta mal. Recursos públicos são mal geridos e o País não tenta alternativas a um sistema estatal manifestamente fracassado 

 

Um dos raros consensos no Brasil, à esquerda e à direita, entre ricos e pobres, é sobre a importância da educação para o crescimento, a inclusão social e uma democracia vibrante. Apesar disso, o ensino é sofrível. Entre 80 países do programa de avaliação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil está na 59.ª posição em leitura; 67.ª em ciências; e 73.ª em matemática. O Panorama da Educação da OCDE, um fórum das democracias mais ricas e educadas, evidencia que o problema não está na quantidade do gasto, mas na qualidade: os investimentos públicos do Brasil em educação correspondem a 5% do PIB, acima da média da OCDE de 4,1%. O País não gasta pouco. Gasta mal. 

Há um problema de distribuição. O Brasil investe no ensino superior público quase US$ 14.800 ao ano por aluno, o mesmo valor da média da OCDE. Já na educação básica, são US$ 3.583, enquanto a média é de US$ 10.949. 

O País fabricou um sistema de transferência de renda às avessas: os pobres têm um péssimo ensino público básico, e os ricos gozam de um bom ensino público superior. As cotas mitigaram essa perversidade. Mas, mesmo admitindo-se que os bônus da diversidade nas universidades públicas e dos benefícios para os cotistas não comportam o ônus da queda de qualidade, o impacto para a inclusão social é marginal. No Brasil, só 17% dos jovens cursam o ensino superior; entre estes, só 14% estão em instituições públicas; e, entre estes, menos da metade são beneficiados por cotas. Ou seja, a esmagadora maioria ingressa na vida civil e profissional só com as péssimas ferramentas do ensino básico. 

A crise da educação básica, diga-se, é uma crise do ensino público. Alunos de escolas privadas têm desempenho similar ao dos norte-americanos. 

O País precisa debater uma melhor distribuição de recursos do ensino superior para o básico. É razoável, por exemplo, que alunos ricos das universidades públicas contribuam com mensalidades. Além disso, universidades podem buscar outras fontes de receita, como parcerias com a iniciativa privada. Mas, mesmo com mais recursos para a educação básica, resta o problema da gestão. 

Há tempos o Brasil entendeu que serviço “público” não é sinônimo de serviço “estatal”. Da infraestrutura à energia ou à cultura, há inúmeros casos de serviços públicos geridos ou executados com menos custo e mais qualidade por entes privados. Cerca de 50% dos atendimentos do SUS e 70% dos casos de alta complexidade são prestados por hospitais privados. Os vouchers do ProUni permitiram a milhares de jovens pobres se matricularem em universidades privadas. Mas no ensino básico – por inércia, preconceito ou interesses corporativos – não há experiências de parcerias público-privadas. Na média europeia, por exemplo, escolas privadas recebem 50% dos investimentos públicos, seja em bolsas ou contratos. 

Não se trata de trocar um estigma por outro. Há boas escolas estatais e em muitos locais elas são a única opção. No geral, contudo, a educação estatal está grosseiramente aquém dos recursos investidos. Por que, então, não experimentar um sistema plural? Por que não testar alternativas para o investimento público, como contratualizações de gestão com organizações sociais ou bolsas em escolas privadas? 

Há ainda outro déficit: só 11% dos alunos do ensino médio brasileiros estão em cursos técnicos, enquanto a média dos países ricos é de 44%. Mesmo assim, esses países estão focando ainda mais nessa modalidade, que, emblematicamente, é o tema central do Panorama de 2023: “O ensino profissionalizante será chave para satisfazer as crescentes demandas por trabalhadores qualificados e se adaptar às transformações do mercado de trabalho”, diz a OCDE. 

Com recursos tão mal distribuídos e aplicados, não surpreende que o Brasil acumule outro recorde deplorável: entre os brasileiros de 18 a 24 anos, 24,4% não estudam nem trabalham, enquanto a média na OCDE é de 14,7%. 

É hora de o País promover uma discussão despolitizada, serena, baseada em evidências sobre um melhor emprego para os recursos em educação. 

Bajulando o chefe 

O Estado de S. Paulo 

Ao endossar comentário leviano de Lula sobre o Tribunal Penal Internacional, ministro da Justiça rebaixa seu cargo 

Decerto animado com os rumores de que é um dos favoritos à indicação para uma vaga no Supremo Tribunal Federal, o ministro da Justiça, Flávio Dino, parece empenhado em revestir de racionalidade as rematadas sandices que seu chefe anda proferindo por aí acerca da participação do Brasil no Tribunal Penal Internacional (TPI). Ao fazê-lo, tripudia da inteligência alheia, sem a desculpa de que, como Lula da Silva, é completamente ignorante sobre o assunto. 

Como ministro da Justiça, portanto encarregado da defesa da ordem jurídica e das garantias constitucionais, o sr. Dino decerto sabe que o Brasil inscreveu sua adesão ao TPI na Constituição, e pelas mais nobres razões. Na condição de assessor privilegiado de Lula para temas relacionados à Justiça, era seu dever informar o presidente que ele estava equivocado ao defender que o Brasil deixasse o TPI porque este, segundo o raciocínio torto do petista, está “desbalanceado”, já que há países que não o integram. 

Fosse um ministro zeloso no cumprimento de suas funções, e não um candidato ávido por agradar a quem nomeia ministros ao STF, o sr. Dino teria recomendado a Lula que deixasse o assunto no limbo das gafes que, em algum momento, caem no esquecimento. E teria, ele mesmo, silenciado sobre o falatório do chefe. 

Como magistrado, Dino certamente conhece o alcance civilizatório do TPI e sua importância para a concertação internacional em favor dos direitos humanos e contra a barbárie. A assinatura do Estatuto de Roma, em 2002, não significou apenas o endosso do Brasil ao multilateralismo e à responsabilização jurídica dos que cometeram crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão. Sobretudo, o aval sublinhou o compromisso do País com a democracia e o Estado de Direito. 

Violar essa cláusula constitucional – ou propor sua alteração pelo Congresso – é uma ofensa ao Estado e à cidadania brasileira. Assim seria mesmo que o único intuito de Lula não fosse proteger, em território brasileiro, um criminoso de guerra, como é o tirano russo Vladimir Putin. O ministro da Justiça ignorou o que bem sabe. Sua alegação de que não há “igualdade entre as nações” em relação ao TPI, para dar razão à tese estapafúrdia de Lula, não tem fundamento. O fato de os Estados Unidos e a Rússia não serem signatários não restringe o alcance do tribunal – ou Putin não teria uma ordem de prisão expedida contra si. Tampouco “prejudica” países emergentes e subdesenvolvidos. Ao contrário, beneficia a humanidade. 

Pode-se enumerar razões para Flávio Dino ter embarcado em uma iniciativa que só no governo de Jair Bolsonaro não causaria espanto. Além de seu conhecido interesse por uma vaga no STF, o sr. Dino, que é do PSB, estaria reagindo a alas do PT interessadas em sabotar suas supostas pretensões políticas em voos mais altos. Sejam essas as explicações ou quaisquer outras, nada justifica que o ministro da Justiça abone as patranhas de Lula, tratando assuntos sérios de forma leviana. 

 

 


 

 

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