sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Rogério Furquim Werneck - O descaminho fácil do populismo

O Globo

Por que voltou a ser tão fácil vender ao público políticas que pareciam desacreditadas?

Em artigo recente, intitulado "A vantagem populista, Raghuram Rajan analisa por que voltou a ser tão fácil vender ao público políticas que pareciam completamente desacreditadas.

Rajan tem sido um dos participantes mais argutos do debate econômico mundial. Indiano, com doutorado no MIT, é há muitos anos professor da Booth School of Business da Universidade de Chicago. Em 2003, com 40 anos, tornou-se o primeiro economista-chefe do FMI proveniente de um país emergente. E, de 2013 a 2016, presidiu o Banco Central da Índia (Reserve Bank of India).

Em 2005, Rajan notabilizou-se pelo discurso estraga-festa que proferiu na reunião anual de Jackson Hole, nos EUA. Para grande irritação da plateia de banqueiros centrais e executivos das principais instituições do sistema financeiro mundial, que comemorava mais um ano de prosperidade da era Greenspan, Rajan declarou que os bancos já não sabiam que riscos vinham tomando nos mercados de derivativos.

E externou preocupações com a alta persistente de preços de imóveis residenciais mundo afora. Quando sobreveio a crise mundial deflagrada pela quebra do Lehman Brothers e pelo estrondoso desabamento do mercado imobiliário nos EUA, tais premonições lhe valeram merecido reconhecimento como um dos poucos economistas que anteviram o que poderia estar por vir em 2008.

Rajan argui que, desde a grande crise de 2008, falhas na condução da política econômica abalaram o consenso que até então prevalecia e deixaram o público menos confiante em propostas convencionais e, por isso mesmo, mais propenso a contemporizar com soluções inconsequentes, de caráter populista.

No caso do Brasil, é bem sabido que a crise de 2008 foi, de fato, o ensejo que faltava para que o governo desfraldasse a bandeira da nova matriz econômica e, já no segundo mandato do presidente Lula, adotasse amplo leque de políticas equivocadas que, exacerbadas por sua sucessora, redundaram no colossal descarrilamento da economia do final do mandato e meio da presidente Dilma Rousseff.

O que merece atenção é quão pouco o país parece ter aprendido com equívocos tão desastrosos — e tão recentes — na condução da política econômica. Ainda traumatizados com as proporções do desastre, Lula e o PT continuam entregues ao negacionismo, recusando-se a reconhecer o que de fato ocorreu. E, pior, em campanha pela reabilitação dos principais responsáveis pela catástrofe.

O que causa espanto, contudo, não é esse pacto de amnésia coletiva a que se agarram Lula e seu partido, mas a complacência do público com a disposição cada vez mais clara do governo de voltar a incidir nos mesmos erros cometidos há tão pouco tempo.

Sem ir mais longe, é impressionante a tolerância com que continua a ser tratado o descosido arcabouço de expansão fiscal com que o governo conseguiu, afinal, se livrar do teto de gastos.

No final de março, quando o arcabouço foi dado a público, anunciou-se que o déficit primário seria de 0,5% do PIB, em 2023, e zero, em 2024. Cinco meses depois, o governo desconversou e já nem fala mais em meta de 0,5% para este ano. Não será surpreendente se o déficit de 2023 acabar sendo três vezes maior.

E, a cada dia, torna-se menos crível que o governo consiga a brutal elevação de carga tributária que alega ser necessária para zerar o déficit em 2024. Mas nem mesmo essa meta medíocre a “ala política do governo”, já mobilizada com as eleições municipais e a reeleição do presidente, se dispõe a cumprir.

Seja como for, o que se contempla são quatro anos de resultado primário muito aquém do que seria requerido para estabilizar a dívida como proporção do PIB. E é por isso que simulações de dinâmica de dívida apontam para um salto de pelo menos 10 pontos percentuais nessa proporção ao longo do atual mandato presidencial. Talvez, bem mais.

O que assombra é a condescendência com que tamanha inconsequência na condução da política fiscal continua a ser tratada pelos segmentos mais bem informados da opinião pública.

 

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