segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Sergio Lamucci - O peso do agro e do impulso fiscal nas surpresas do PIB

Valor Econômico

Efeitos diretos e indiretos da renda de commodities explicam boa parte dos erros de projeção do PIB; impulso fiscal também ajuda a entender os equívocos

A economia brasileira caminha para terminar 2023 com um crescimento de 3% ou mais, depois de uma expansão de 2,9% em 2022. Nos dois casos, um avanço do PIB significativamente maior do que o esperado pelos economistas no fim do ano anterior. Em dezembro de 2021, o consenso de mercado apontava uma alta de apenas 0,36% em 2022; no fim do ano passado, as apostas eram de 0,8% em 2023.

A dificuldade em estimar o impacto dos setores de commodities na economia, em especial da agropecuária, parece um dos principais motivos para os erros de projeção. O impulso fiscal a partir do segundo semestre do ano passado também pode ajudar a explicar os equívocos nas estimativas, num cenário em que os juros básicos subiram de 2% em março de 2021 para 13,75% ao ano em agosto de 2022 - agora, estão em 13,25%.

O desempenho da agropecuária tem sido excepcional. No primeiro semestre, cresceu 17,9% em relação ao mesmo período de 2022. Os economistas Bráulio Borges e Rodrigo Nishida, da LCA Consultores, destacam em relatório “a importância da expansão da agropecuária e seus transbordamentos para o restante da economia”, num país em que o agronegócio responde por quase um quarto do PIB, segundo estimativas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). Borges e Nishida observam que “houve uma alta expressiva” da renda gerada a partir da exploração de recursos naturais nos últimos anos, incluindo da indústria extrativa, “que se sustentou na primeira metade de 2023”. Segundo os dois, entre o fim de 2020 e meados de 2022, boa parte do aumento dessa renda refletiu a mudança de nível do câmbio pós-pandemia, com o dólar saindo de poucos menos de R$ 4 para algo entre R$ 5 e R$ 5,50, e a elevação dos preços de commodities. “Em 2023, a forte alta dos volumes vem contrabalançando, em boa medida, a queda dos preços internacionais e a valorização cambial”, apontam eles, avaliando, contudo, que essa “compensação” não deverá se sustentar nos próximos trimestres. Para a LCA, a renda gerada pela exploração de recursos naturais deve recuar cerca de 15% até o fim de 2024, descontada a inflação, “passando a representar um vetor de desaceleração do crescimento do PIB, tanto pelos efeitos diretos como pelos indiretos”.

Sócio e economista-chefe da JGP Gestão de Recursos, Fernando Rocha também ressalta o papel da renda gerada por esses segmentos no PIB deste ano. “Em relação ao setor agropecuário, além do forte crescimento da produção, deve-se destacar também o bom comportamento da renda, sustentada por preços bastante favoráveis. O mesmo vale para o setor de extrativa mineral. Há um transbordamento dessa renda para outros serviços, como comércio, transportes, armazenagem”, escreve ele.

Nesse cenário, haveria dificuldades para estimar o efeito indireto das commodities sobre o PIB total. Esses produtos também têm impulsionado o saldo comercial, que atingiu US$ 63,3 bilhões de janeiro a agosto, quase 45% a mais do que no mesmo período de 2022. No PIB do primeiro semestre, as vendas ao exterior cresceram 9,7% na comparação com a primeira metade do ano passado, uma alta expressiva. “Esse comportamento forte das exportações é a contrapartida, pelo lado da demanda, dos desempenhos da agropecuária e da indústria extrativa pelo lado da oferta”, diz Borges, para quem os efeitos diretos e indiretos da renda de commodities é que explicam boa parte das surpresas favoráveis consecutivas no PIB desde 2020.

Além disso, há um estímulo fiscal considerável desde a segunda metade de 2022, como diz Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs. De janeiro a julho, as despesas não financeiras da União cresceram 8,7%, descontada a inflação. Parte desses gastos se reflete em aumento do consumo das famílias. É o caso de programas de transferência de renda como o Bolsa Família, que se consolidou no valor de R$ 600, contando ainda, a partir de março, com um benefício de R$ 150 por criança de até seis anos. Com o impacto também da força do mercado de trabalho e da inflação cadente, o consumo das famílias cresceu 3,2% no primeiro semestre.

Já o aumento dos investimentos da União aparece na chamada formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em construção civil, máquinas e equipamentos e inovação), como diz Borges. O governo federal tem investido mais neste ano, mas o valor é baixo para impactar a FBCF, que recuou 0,9% no primeiro semestre. De janeiro a julho, os gastos de capital da União subiram 21,4% acima da inflação, para R$ 29,2 bilhões.

No segundo trimestre, o consumo do governo teve uma alta de 0,7% na comparação com os três meses anteriores. Reajustes do funcionalismo público são captados por esse componente da demanda, por refletir os gastos com pessoal e custeio de todos os níveis de governo, segundo Borges. Vale lembrar que os servidores federais civis tiveram um aumento linear de 9% a partir de maio, enquanto os 26 Estados e o Distrito Federal elevaram os gastos com pessoal em 6,6% acima da inflação no primeiro semestre.

Com uma política fiscal expansionista, o efeito da Selic elevada sobre a atividade é menor do que seria num cenário de gastos mais controlados, embora os juros altos, tudo indica, estejam inibindo investimentos do setor privado, o que se reflete no desempenho fraco da formação bruta de capital fixo. Não há uma coordenação mais efetiva entre a política monetária e a política fiscal, ainda que o novo arcabouço tenha reduzido o risco de cenários mais extremos.

Nesse quadro, o PIB tem crescido mais do que sugerem os modelos dos economistas. Se os setores de commodities mantiverem o fôlego, a economia em 2024 também poderá ter um resultado mais forte do que se projeta atualmente - antes da divulgação do PIB na sexta-feira, o consenso era de um avanço de 1,33%. Já no caso da política fiscal, a insistência no expansionismo é contraproducente, por estreitar o espaço para a queda dos juros e por poder levar a uma piora da percepção de risco - uma combinação obviamente negativa para o crescimento.

 

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