O Globo
Números do PP e do Republicanos justifica
mudança que vai deixando descontentes aliados históricos menos expressivos
Feita de forma confusa e demorada, a
primeira reforma ministerial de Lula vai deixando descontentes, mortos e
feridos pelo caminho, sobretudo nas hostes que foram mais leais ao petista na
campanha e na “travessia do deserto” do PT fora do poder.
Talvez não precisasse ser tão doloroso se o
presidente, ainda muito beneficiado pela condescendência dos setores mais
progressistas, como venho apontando, tivesse dito no primeiro momento, aos
aliados que agora desalojará, que precisava dos cargos para construir uma
governabilidade necessária ao avanço justamente das pautas sociais com que se
elegeu para o terceiro mandato. Mas não foi assim que ele conduziu as
conversas.
Basta dizer que ainda ontem, com o prazo da reforma mais que estourado, Lula não disse com todas as letras a Ana Moser que precisará do Ministério do Esporte, devidamente turbinado pelas apostas esportivas, para contemplar o PP de Arthur Lira. Praticamente disse à ex-atleta que o gato dela subiu no telhado, mas não foi taxativo. E presidentes podem e devem ser claros quando estão operando mudanças na equipe de primeiro escalão, até para mitigar os desgastes.
Com os muros de contenção construídos em
torno da Saúde e do Desenvolvimento Social, primeiros objetos de desejo do PP,
sobrou pouco espaço para manobra. Quando o próprio partido ofereceu a ideia de
anabolizar a pasta, o Planalto agradeceu aliviado.
Parecia que finalmente a coisa sairia,
quando de novo empacou na revolta de Márcio França e do PSB. Único ministro
“puro-sangue” da legenda — nomeado pela lógica partidária —, França se sente
humilhado ao perder espaço para o Republicanos de São Paulo, sua base política
e também do governador Tarcísio de Freitas, já que ele aceitou apoiar Fernando
Haddad no ano passado justamente para enfrentar o bolsonarismo no estado. Nem o
almoço de ontem apaziguou os ânimos, assim como o pequeno PCdoB também não está
feliz de ceder Ciência e Tecnologia ao parceiro de esquerda.
A lógica da reforma é a do painel de
votações do Congresso, sobretudo da Câmara dos Deputados. O governo espera que,
abrigando PP e Republicanos — que, espertamente, disseram que só entram no
barco juntos —, consiga fidelizar pelo menos 70 dos 87 votos que as duas
legendas detêm. Para uma comparação rápida, PSB e PCdoB têm, juntos, 20 deputados.
Lula demorou a entoar o discurso da
política pragmática, como fez na live de ontem. Desde a eleição, ele sabia que
sua coalizão não elegera parlamentares suficientes para lhe dar sustentação.
Aprendeu na pele, com derrotas duras, que dependia de Lira mais do que
gostaria. Agora, adota a capitulação aos desígnios do presidente da Câmara na
expectativa de que a conta feche.
Como sempre está dois passos à frente, Lira
já adotou o discurso da reforma administrativa para mostrar ao governo que a
lógica deste mandato será de negociação constante, um estado de reforma
ministerial permanente.
Já se fala em uma logo depois das eleições
municipais, e todos esperam que, findo seu mandato à frente da Câmara, o
próprio Lira deixará de indicar prepostos e pleiteará um assento no primeiro
escalão para si próprio. Daí a forma meticulosa como trata de prover de
recursos e capilaridade à parte que cabe ao PP nesse latifúndio.
A necessidade de “fazer painel”, ou seja,
ter os votos necessários para aprovar projetos na Câmara, é tão mais premente
quanto mais ambiciosos são os planos de Fernando Haddad, com sua promessa de
déficit zero no ano que vem. Aumentar a arrecadação custa caro. Para o
contribuinte, mas também para Lula, que agora paga um preço alto, inclusive ao ter
de desagradar quem roeu o osso e agora é dispensado quando o filé está sendo
servido.
Pois é.
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