O Globo
Elogios ao 'silêncio' de Aras e negativas
cínicas de Heleno diante da CPI são tentativas intoleráveis de reescrever a
História
É cada vez mais comum, e mais imediato, que
homens públicos que faltem com a responsabilidade do cargo que exercem tentem
reescrever a História para maquiar suas faltas. Nesse mister nada digno,
costumam contar com a condescendência dos pares e dos que com eles se
relacionam. Os últimos dias foram pródigos em arreganhos dessa natureza,
carregados de desfaçatez e rapapés.
A omissão de Augusto Aras diante dos riscos
que Jair Bolsonaro, que o nomeou duas vezes para a Procuradoria-Geral da
República, ofereceu à democracia e à saúde pública na pandemia foi colocada na
conta de um certo silêncio salvador por parte de ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF).
E o general Augusto Heleno, um dos maiores entusiastas do bolsonarismo e das ações para desacreditar as instituições, com insinuações golpistas em relação ao processo eleitoral durante o tempo em que ocupou o estratégico Gabinete de Segurança Institucional, compareceu perante a CPI dos Atos Golpistas para bancar o senhorzinho inocente que nada sabia e minimizar as graves investidas de seu ex-chefe contra o Estado Democrático de Direito e as instituições. Seu depoimento foi um escárnio com os senadores e deputados que integram a comissão e a sociedade.
O desagravo a Aras contou com o beneplácito
dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, em mais uma das guinadas de posição
que têm se tornado cada vez mais comuns entre os integrantes da mais alta Corte
do país e que, certamente, contribuem para que não haja clareza quanto ao que
pretende o STF.
Não foram poucas as vezes em que variados
ministros, as turmas ou mesmo o plenário do Supremo tiveram de admoestar Aras e
Lindôra Araújo pela omissão do Ministério Público Federal (MPF), sob seu
comando, nas questões atinentes aos ataques de Bolsonaro à democracia e às
ações e omissões do Executivo no enfrentamento da pandemia. Os próprios
procuradores muitas vezes tiveram de tomar a frente em questões que o chefe da
PGR fingia não enxergar.
O decano da Corte foi duro ao escrutinar os
dois mandatos de Aras ao participar do “Roda Viva” e só agora, numa despedida
que para o país demorou muito, resolveu ver o papel do escolhido de Bolsonaro
numa certa “reinstitucionalização” do MPF.
Não é porque a Lava-Jato e a gestão de
Rodrigo Janot cometeram excessos que precisam ser apurados, e muitos dos quais
já geraram nulidades processuais, que Aras precisa ser enaltecido e redimido.
Esses reducionismos é que vão deseducando o Brasil para a democracia, para
exigir dos homens públicos coerência e coragem no cumprimento de seus deveres
constitucionais, a despeito do governante de turno.
O caso do general Heleno é mais grave e
bastante emblemático do grau de corrosão do tecido militar pelo bolsonarismo.
Ao tentar negar a participação de Mauro Cid em reuniões com representantes das
Forças Armadas, no que foi pego na mentira no ato, o general procurou
dissimular a gravidade do que Bolsonaro insinuava ou pedia abertamente nesses
encontros, agora relatados pelo ex-ajudante de ordens.
Tanto no caso de Aras quanto no de Heleno,
não há propósito nobre na omissão e no silêncio diante de arreganhos golpistas
de um presidente ou de descaso com a vida da população durante uma pandemia.
Nem a atitude dos comandantes das Forças, de não aceitar seguir com nenhum
plano de ruptura institucional, mas não denunciar abertamente, é tolerável.
Todos eles teriam o dever constitucional de
agir. Se não o fizeram, precisam ser responsabilizados, e sua inação e sua
cumplicidade com crimes e tramas criminosas ser registrados pela História, sem
homenagens descabidas, proteção corporativa ou depoimentos perante o Parlamento
eivados de cinismo e desdém.
Concordo.
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