quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Vera Magalhães - STF não pode ir ao sabor do vento

O Globo

É preciso dotar o ordenamento jurídico e o sistema de Justiça responsável por aplicá-lo de higidez, constância e previsibilidade

Quando assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2018, o ministro Dias Toffoli admitiu abertamente a missão de reduzir o que chamava de protagonismo do Judiciário e os atritos internos na Corte. Nos primeiros meses de sua gestão, que antecedeu a eleição de Jair Bolsonaro, decidiu não pautar a discussão sobre prisão após condenação em segunda instância, pois era sabido que o entendimento poderia mudar e que o principal beneficiário da mudança seria o então ex-presidente Lula.

A decisão de reduzir a exposição pública e o protagonismo do STF durou pouco na gestão Toffoli. Em 14 de março do ano seguinte, ele já abriu um inquérito que se destinaria a apurar ameaças e fake news contra ministros da Corte e seus familiares, entregou a relatoria a Alexandre de Moraes sem sorteio e, desde então, não foram poucas as decisões cruciais e as reviravoltas de entendimento do Supremo, em decisões monocráticas e colegiadas, determinantes politicamente no país.

Hoje a Corte começa mais um desses capítulos cruciais, com a primeira leva de julgamentos dos que perpetraram os ataques golpistas de 8 de janeiro. Como em todas as grandes questões em que o Judiciário está envolvido, também nessa há uma divisão na sociedade entre os que torcem pela condenação exemplar dos quatro primeiros réus e os que apontam abusos na condução dos processos.

No segundo grupo, a defesa dos acusados aponta a ausência de individualização de condutas — queixa, aliás, similar à de outras ações em que réus eram julgados em “grupos” ou “núcleos”, como a do Mensalão em 2012.

O início dos julgamentos do 8 de Janeiro coincide com a reta final do mandato de Rosa Weber, a mais discreta das ministras da Corte, na presidência. Nem a aversão que ela tem a exposição e a polemizar via imprensa em causas momentosas a poupou de ter de conduzir o tribunal na quadra sombria em que uma horda tentou suprimir a democracia invadindo as sedes dos Três Poderes.

A despeito de sua discrição, ela não esconde o desejo de dar o pontapé inicial em julgamentos que, no entendimento da maioria do colegiado, são fundamentais para que se mostre à sociedade que há limites que não podem ser ultrapassados numa democracia e que o Judiciário será implacável com a defesa das instituições e das liberdades.

Rosa também tenta limpar a gaveta de discussões tão antigas quanto divisivas na sociedade, como a ação do PSOL que tenta descriminalizar o aborto no primeiro trimestre de gestação, sob o argumento de que sua proibição viola direitos fundamentais das mulheres. É considerada improvável a chance de êxito da ADPF na atual formação da Corte, mas, ainda assim, ela entende que é seu papel colocar o assunto, de que é relatora, em discussão.

O rol de temas na ordem do dia do STF, que ainda inclui a delação do tenente-coronel Mauro Cid e a recente decisão de Toffoli anulando as provas do acordo de leniência da Odebrecht, mostra que a ideia de retirar o protagonismo do Supremo foi ingênua ou fingida, uma vez que quem a proferiu acabou por criar algumas das situações que mais colocaram o tribunal em evidência e dividiram a sociedade e o mundo jurídico.

Caberá à próxima gestão, de Luís Roberto Barroso, que toma posse no dia 28, tentar pacificar e padronizar alguns entendimentos, em temas que vão das próprias delações até a extensão do foro privilegiado — todos com amplas implicações sobre a vida social e política de hoje, ontem e amanhã.

Não basta mudar de ideia ao sabor das circunstâncias políticas e das conveniências pessoais, ou mesmo de imperativos históricos, como o golpismo bolsonarista ou a pandemia. É preciso dotar o ordenamento jurídico e o sistema de Justiça responsável por aplicá-lo de previsibilidade, constância e higidez. Os três princípios passam longe do vaivém da Corte nas últimas quadras.

 

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