Folha de S. Paulo
Decisão sobre Selic não teve novidade, mas comunicado volta a cobrar com força meta de redução de déficit
O Banco Central voltou a cobrar a redução do déficit das contas do governo Lula. É óbvio que o faça, mas havia deixado essa conversa de fora do comunicado da reunião do Copom de 2 de agosto, quando enfim baixara a Selic de 13,75% ao ano para 13,25%.
No comunicado da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) encerrada nesta quarta-feira, a cobrança foi incisiva. Sem cumprimento de "metas fiscais já estabelecidas", as expectativas de inflação, diz o BC, não baixam. Se não baixam, a Selic vai cair devagar ou não vai cair o bastante.
As "metas já estabelecidas" são de déficit primário de 0,5% do PIB neste ano, zero em 2024 e superávit de 0,5% do PIB em 2025. Saldo primário (déficit ou superávit): receitas menos despesas, excluídos gastos com o pagamento de juros da dívida do governo.
É muito improvável que Fernando Haddad consiga cumprir as "metas já estabelecidas". Como é sabido, para tanto precisaria levantar muito dinheiro extra (aumento de imposto), teria de contar com melhora na arrecadação (que tem sido pior do que a esperada) e de convencer o governo a cortar gastos. Além do mais, terá de fazer um esforço adicional a fim de evitar que o Congresso aumente despesas, o que Câmara e Senado vêm fazendo e ameaçando fazer neste segundo semestre.
Obviamente, a direção do BC sabe de tudo isso. Está dizendo na verdade é que o governo não deve abandonar suas metas. Isto é, deve tentar cumpri-las o quanto possível e, se não der, se sujeitar às restrições de gastos, não lá muito restritivas, definidas pelo "arcabouço fiscal" (o teto móvel de gastos do governo Lula 3).
No comunicado do BC se lia o seguinte: "Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o Comitê reforça a importância da firme persecução dessas metas".
Como se tem escrito nestas colunas faz meses, uma das duas principais questões macroeconômicas até o ano que vem é saber se e como Lula 3 controlará o déficit. A outra é saber se de fato a economia brasileira tem capacidade de crescer mais rápido do que se previa (até 2022) sem que a inflação volte a aumentar. Pode ser que sim, mas a resposta ainda vai demorar.
No mais, o comunicado apresenta um cenário menos animado para o futuro da inflação e da Selic. Juros mais altos nos EUA e crescimento menor na China podem fazer com que o real se desvalorize mais (mais inflação).
Nas projeções do BC, baseadas em parte em dados de expectativas de "o mercado", a inflação prevista para este 2023, para 2024 e 2025 é um tico maior. Por isso e pelo linguajar do comunicado, o BC não deve aumentar o ritmo de cortes da Selic, ora em 0,5 ponto por reunião. Pelo menos não deve fazê-lo nas duas reuniões do Copom restantes neste ano.
Na praça do mercado, a situação parou de melhorar. As taxas de juros futuros com prazo maior do que dois anos estão mais altas do que em fins de junho. Trata-se das taxas no atacadão do mercado de dinheiro, que definem os custos de financiamento da dívida do governo e são uma espécie de piso para as demais taxas da economia.
A taxa real de juros cai, devagar, mas ainda está em horríveis 6,4% ao ano (aqui, trata-se da taxa de juros de 360 dias descontada pela inflação esperada em 12 meses).
Em suma, os donos do dinheiro ou seus administradores estão cobrando mais caro para prazos além de dois anos —mais caro que em fins de junho, repita-se. Se ainda fosse necessário, é mais um exemplo de que não basta apenas baixar a Selic. Juros lá fora, o tamanho do déficit e o crescimento da dívida do governo e perspectivas econômicas em geral afetam o custo do dinheiro.
Pois é.
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