Folha de S. Paulo
Presidente falou bem, mas país não tem
política urgente de integração com o mundo
Luiz Inácio Lula da Silva
fez um bom
discurso sobre ambiente nesta cúpula do G20, na Índia.
Basicamente bom porque óbvio e direto ao ponto que interessava.
O presidente disse que o mundo rico deve pagar a conta da redução de danos do desastre climático. O "Norte Global" é responsável em grande parte pela degradação do planeta. Mais do que justo, inevitável: não há alternativa maior para lidar com o problema, a não ser que sobreviesse uma revolução milagrosa no modo de produzir e consumir energia, comida e materiais.
Sim, tudo óbvio. De interessante é que essa
conversa ambiental, além de dramaticamente necessária, pode render algum ganho
prático, embora ainda remoto. Talvez aumente a relevância política deste país.
É também um plano que diminui a chance de o Brasil se tornar apêndice da
política da China ou
de gastar esforços em quimeras como desbancar o dólar ou o poder do EUA,
inviável a médio prazo ou até muitos de nós estarmos mortos, se é que tem
relevância prática.
O discurso é pouco. Seria necessário ter
mais ambição e competência na "transição verde" a fim de bancarmos
essa desejada posição de líder ambiental. Isso exige também derrotar as forças
políticas e econômicas domésticas que pregam a destruição, integrantes
do partido golpista de 2018-22.
É preciso saber o que fazer da ambiguidade
de sermos um país modicamente petrolífero (com chance de ir além disso) e que
pretende avançar na "transição verde".
Talvez seja possível conciliar os dois
projetos, a médio prazo, mas não há debate sistemático sobre o tema. Vide a
discussão imediatista e politiqueira da exploração
de petróleo nos mares do Norte do país (inclusive ao norte de Amazonas
e Pará). Vide a dificuldade de planejar e financiar a recuperação de áreas
devastadas. De disciplinar agropecuaristas ou, pior, o garimpo.
Considere-se como ainda é difundida a ideia
de trucidar indígenas e
devastar a terra deles. Vide a dificuldade de integrarmos um plano de longo
prazo de "transição verde" tecnológica com estabilização econômica,
ainda muito malparada. Temos problemas rudimentares tais como dívida pública,
subsídios, custo de financiamento ou como fazer o Estado entrar nesse projeto
"verde" sem produzir intervenções desastrosas.
Por falar em ambições, a cada vez que se
analisam essas tantas "cúpulas", conviria pensar no nosso jardim. Ou
melhor, quintal dos fundos meio arruinado, o Mercosul.
Foi uma ideia boa de meados dos anos 1980,
que teve algum progresso nos anos 1990. Empacou de vez neste século por causa
de protecionismos, da ascensão da China e do renovado compromisso argentino de
acabar com o país, ainda mais firme do que o nosso. Morreu a ideia de mercado
comum (livre circulação de mercadorias, capitais e trabalhadores). Mesmo o
plano de união aduaneira (tarifa externa comum e livre-comércio no bloco)
atolou.
O Mercosul até perdeu menos espaço nas
exportações brasileiras do que EUA e Europa (neste século, até a epidemia),
lugar ocupado mais e mais pela China.
Mas o bloco não vai a lugar algum. Essa
conversa de moeda
comum, única, "merdólar", o que seja, é perfumaria. Se não
tem nem mercado comum, que dirá projeto de integração de política
macroeconômica.
Por falar nisso, os vizinhos não têm nem
moeda (ou têm várias) ou mercado de dívida doméstico. Há risco de um lunático
que discute política com seus cachorros mortos chegar ao poder e jogar a
Argentina em colapso ainda maior ou de até dolarizar oficialmente o
país (adeus, "Sul Regional").
Aliás, afora o atoleiro do Mercosul, não
temos projeto de integração econômica com o mundo, prático e urgente. Sem isso,
bons discursos não vão fazer muito efeito.
Pois é.
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