O Globo
A taxação dos mais ricos não se traduz automaticamente em maior bem-estar dos mais pobres. Não é um jogo de soma zero
Há uma percepção de melhora na economia que se reflete na recuperação da confiança do consumidor. O subitem de expectativas desse indicador voltou para o campo otimista em maio, segundo a FGV. Já houve retratos mais favoráveis no passado, mas a marca atual está acima do padrão usual. Não por coincidência, a avaliação do presidente, que guarda correlação relevante com a confiança do consumidor, exibe bom desempenho (38% de aprovação pelo Datafolha).
O comportamento da economia não afasta, porém, o grande descontentamento com o país. Possivelmente porque a recuperação econômica não se traduz em maior bem-estar social de forma disseminada. Uma maioria de 61% dos entrevistados pelo Datafolha se diz triste e, também, desanimada com o país, e 71% se sentem inseguros.
A insatisfação não é de hoje. Ela ficou clara nos protestos de 2013 e teve grave recrudescimento na recessão do governo Dilma, enquanto a falha das instituições democráticas em evitar a crise econômica e a corrupção alimentaram a desesperança e a raiva.
A propósito, é nesse contexto que se dá o aumento da emigração do país. Desde 2010, o número de brasileiros morando em outros países cresceu 44,6%, tendo atingido 4,6 milhões em 2022, segundo dados do Itamaraty — que não capturam a imigração ilegal.
A desesperança caminha ao lado do sentimento de injustiça e da crença de que o sucesso e a prosperidade de uns tantos se dão às custas dos demais, em um jogo de soma zero. Por essa visão, seria necessário taxar os mais ricos para os pobres melhorarem de vida.
Certamente há conflitos distributivos na disputa do orçamento público. Um exemplo recente são as negociações da Reforma Tributária do IVA, em que grupos organizados querem pagar menos imposto e jogam a conta para o restante.
Também é verdade que, ao longo de nossa História, muitas vezes as classes privilegiadas não se mostraram dispostas a custear a infraestrutura ou a educação básica por meio de mais tributos, elevando o endividamento do país.
No entanto, isso não significa que a (legítima) taxação dos mais ricos se traduza automaticamente em maior bem-estar dos mais pobres. Aqui não se trata de jogo de soma zero. Um governo bem-sucedido em tributar os mais ricos não necessariamente fará bom uso dos recursos.
Sem instituições democráticas robustas, boas políticas públicas e governança adequada na sua implementação, a arrecadação extra acaba se traduzindo em mais gastos de baixa qualidade e mal focalizados nos mais pobres. Exemplo disso são os salários elevados e a aposentadoria generosa de segmentos do funcionalismo e os muitos benefícios fiscais para empresas e pessoas de alta renda.
O pensamento de soma zero na sociedade não é particularidade de economias não avançadas, ainda que seja prevalente nesses países. Sahil Chinoy, Nathan Nunn, Sandra Sequeira e Stefanie Stantcheva estudam a experiência norte-americana e mostram que regiões que tiveram escravidão, que exibem menor mobilidade social (pai pobre, filho pobre) e tiveram período longo de baixo crescimento impactando os mais jovens (aqueles que não conseguem trabalho na idade certa têm menor chance de ascensão) tendem a ter uma sociedade com essa crença. O Brasil preenche bem todas essas caixinhas.
A crença tende a ser mais profunda em um país como o Brasil, marcado pelo patrimonialismo, com muitos privilégios obtidos por grupos organizados em detrimento dos demais.
A bronca dos mais pobres é justa. No entanto, a resposta da classe política precisa ir além de taxar mais os ricos. Não significa que não se deva buscar a justiça (progressividade) tributária, com o devido zelo para não desestimular o investimento no país, mas sim que ela não é garantia de maior cuidado com os mais pobres ou com as classes médias batalhadoras — vale sempre lembrar que mais de 70% dos ocupados ganham até 2 salários mínimos.
Há muito a melhorar na gestão dos gastos públicos para que o Estado cumpra bem seu papel de prover vida digna a todos, com educação, saúde e segurança.
O presidente Lula, reiteradamente, defende taxar os mais ricos para reduzir a desigualdade. Lula tem legitimidade para essa defesa, mas precisa dizer como irá fazê-lo. Haverá disposição para mexer no cerne das renúncias tributárias? Quais reformas pretende defender para melhorar as políticas públicas? Por ora, só temos a retórica do “nós contra eles”.
Na mosca. MAM
ResponderExcluirOs bolsonaristas contra o resto.
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