segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Alex Ribeiro - Déficit fiscal americano cria risco a corte da Selic

Valor Econômico

Dados de curto prazo melhoraram, mas risco persiste

Não é só o Brasil que está com as contas públicas fora de lugar. Os déficits fiscais nos Estados Unidos colocam riscos importantes para o ciclo de cortes da taxa básica de juros, a Selic, conduzido pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central.

O grande receio é que, para cobrir o buraco no seu orçamento, o Tesouro americano passe a absorver, como uma esponja, uma parcela importante dos recursos que circulam pelo mundo - deixando menos dinheiro para financiar os emergentes, como o Brasil.

É o que presidente do BC, Roberto Campos Neto, chamou recentemente de “crowding out”. “Esse aperto de liquidez pode se dar a partir do segundo trimestre do ano que vem”, disse, em um evento do banco Credit Suisse. Ou seja, a incerteza sobre os juros longos americanos poderá se prolongar por um bom tempo.

Esse é um desafio a mais para a condução da política monetária por aqui. Devido à escalada das Treasuries de dez anos, o Copom reforçou a sua mensagem de que não sabe até onde vai baixar as taxas de juros (o boletim Focus apontava uma taxa de 9% ao fim de 2024, e os preços de mercado apontam algo como 10,5% ao ano).

Também deverá ampliar as chances de uma diminuição do ritmo de cortes da Selic. Hoje, ele está sinalizado em 0,5 ponto para as próximas reuniões. A indicação tem uma certa assimetria: o Copom diz que os requisitos exigidos para cortar mais do que isso são muito grandes, mas não há nada escrito nos documentos oficiais sobre cortar menos. Apenas um diretor do BC, Gabriel Galípolo, de política monetária, disse há algumas semanas que os requisitos para fazer diferente são altos de um lado e do outro. Os demais membros, de forma geral, reforçaram a sinalização de 0,5 ponto para novembro, mas não se pronunciaram sobre o encontro de dezembro.

É natural que o Banco Central não tenha assumido nenhuma sinalização forte sobre o ritmo dos cortes e extensão do ciclo de baixa da Selic, já que a situação é bastante incerta. Para um lado e para o outro. “Obviamente, se as condições mudarem, se a curva [de juros] americana mudar, e se houver uma reinterpretação do que é o custo de rolagem da dívida para frente, essa realidade muda”, disse o presidente do BC.

O diagnóstico é que os Estados Unidos aumentaram muito a sua dívida pública nas últimas décadas, mas até agora enfrentavam um custo mais moderado de financiamento porque o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) vinha mantendo os juros reais em terreno negativo. Agora, os juros estão mais altos.

As estimativas que Campos Neto vem repetindo são que os custos para rolar a dívida americana estavam em cerca de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB), e agora estão passando para mais perto de 4% do PIB. Isso significa, segundo ele, que vão ter que absorver no mercado uma parcela adicional equivalente a algo como 3% ou 3,5% do PIB.

A raiz dessa alta dos custos de financiamento da dívida pública é monetária. Sobre o lado monetário, Campos Neto tem dito, nos últimos dias, que não está vendo de onde virão as forças que vão desacelerar a inflação mundial. Esse é um sinal de que, para o presidente do BC, as pressões monetárias sobre a curva de juro vão se prolongar. Em cima dessas forças, somam-se as pressões do déficit fiscal.

Em termos práticos, o que isso significa para o Banco Central? No mercado financeiro, muitos acham que os juros elevados americanos aumentam o piso para a baixa de juro por aqui. E, quanto mais próximo estivermos desse piso, mais devagar o BC deve ir.

O exemplo do Chile é didático: seu banco central ignorou o ambiente internacional e divulgou uma agressiva trajetória de baixa de juro até o ano que vem. Sua moeda, o peso, perdeu mais de 10% do valor. Por aqui, membros do Copom começaram a apontar os riscos e se comprometer menos com a baixa de juros, o que ajudou a dar maior sustentação ao real - também houve ajuda da balança comercial positiva, sobretudo produtos agrícolas.

O juro de mercado subiu, apontando uma Selic de 10,5% ao ano, mas seria um erro o BC tomá-lo como um gabarito. Primeiro, porque a precificação não é perfeita. Segundo, num regime de metas de inflação, a alta de juros americana não deveria se transmitir de forma mecânica para o Brasil.

Os juros futuros costumam exagerar nos seus movimentos. Nossa indústria de fundos divulga cotas diariamente e está mais exposta a efeitos de manada para encerrar posições. O mercado também cobra um prêmio por alongamento, que deveria ser subtraído da taxa terminal, ainda que esse prêmio seja menor em prazos tão curtos quanto um ano. Muita gente diz que a curva brasileira está apanhando mais devido ao risco fiscal, que existe. Mas não se pode exagerar seu impacto recente: os juros sofreram, mas o câmbio e o CDS nem tanto. Ruídos provocado por declarações de Campos Neto no FMI também impactaram a curva, e depois veio o desmentido.

O mais importante: não é só o ambiente externo que determina a política monetária. O que vale é a soma de todos os fatores que afetam as projeções de inflação, incluindo o desempenho dos preços de serviços e núcleos (que vieram um pouco melhores) e a atividade econômica (fala-se em recessão técnica). Ninguém está propondo repetir o erro do Chile de ignorar o risco externo. Mas o Copom deve ter sua visão sobre a Selic e coordenar as expectativas de mercado sobre elas, e não o contrário.

 

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