domingo, 22 de outubro de 2023

Bernardo Mello Franco – Casos de polícia

O Globo

Novo secretário foi indicado por deputado ligado a miliciano; último escolhido de Cláudio Castro durou 17 dias no cargo

Em três anos, o governador Cláudio Castro nomeou quatro secretários de Polícia Civil. O primeiro foi preso por envolvimento com o jogo do bicho. O segundo se arrastou com status de interino. O terceiro durou apenas 17 dias no cargo. Foi demitido nesta semana, por exigência da Assembleia Legislativa.

José Renato Torres será lembrado por uma confissão involuntária. Questionado sobre a descoberta de mais 58 celulares em presídios de segurança máxima, alegou que os aparelhos eram úteis para “orientar operações”. A frase atesta a debilidade do Estado do Rio diante do crime.

A declaração desastrada não foi o motivo da demissão relâmpago. Torres caiu porque resistia a lotear a secretaria entre deputados que apoiam o governador. Para seu lugar, foi alçado Marcus Amim, dublê de delegado e influenciador digital.

O novo secretário se projetou ao exaltar a violência policial e fazer piada com chacinas. “Se me der tiro, vai levar tiro de volta. É promoção: dá um, leva um montão”, gracejou, num vídeo recente. A popularidade transbordou das redes para a Alerj. Seu maior padrinho é o deputado Márcio Canella, próximo a um chefe de milícia na Baixada Fluminense.

Amim não cumpria os requisitos legais para ser nomeado. Em vez de mudar o indicado, a Assembleia mudou a lei. O texto foi remendado em 24 horas, apesar dos protestos da oposição. “Se a alteração foi casuística, faz parte da vida”, desdenhou o bolsonarista Rodrigo Amorim. Conhecido por quebrar uma placa com o nome de Marielle Franco, ele comanda a principal comissão da Alerj.

A manobra para emplacar o secretário expôs a ousadia dos deputados e a fragilidade política do governador, que não consegue bancar a escolha de um auxiliar direto.

Sem comando, o Rio amarga uma nova onda de violência. Traficantes e milicianos disputam territórios, facções exibem armas pesadas a céu aberto e grupos de extermínio agem livremente, como mostrou o episódio dos médicos executados por engano na Praia da Barra.

A corrupção parece se alastrar como metástase nas forças de segurança. Na quinta-feira, a Polícia Federal prendeu policiais civis acusados de escoltarem um caminhão com 16 toneladas de maconha. No dia seguinte, foi a vez de agentes envolvidos com tráfico de cocaína. Questionado sobre as operações, o novo secretário disse que a Polícia Civil “não precisa de babá”. Tratou a promiscuidade com o crime organizado como uma mera travessura infantil.

Pressionado a agir, o governo federal anuncia o envio de mais homens da Força Nacional de Segurança. A tropa deve atuar em rodovias, portos e aeroportos. A ordem é evitar as favelas e não se misturar com as polícias estaduais. A ver se o reforço fará diferença num estado conflagrado.

Nos últimos dias, a cúpula do Ministério da Justiça baixou no Rio para apresentar o plano. O giro incluiu pedidos de socorro de empresários, desabafos de prefeitos e uma reunião protocolar com o governador. Com os deputados que mandam e desmandam nas polícias, não houve conversa. “Eles sabem quem nós somos e nós sabemos quem eles são”, resume uma autoridade federal.

 

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