quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Bruno Boghossian - Crise econômica virou paisagem e mudou eleição na Argentina

Folha de S. Paulo

Ciclo anestesiou parte da população, mas também criou demanda por remédios alucinantes

Uma questão recorrente nos estudos eleitorais envolve as razões pelas quais, em alguns casos, a população vota contra seus interesses econômicos. A dúvida costuma surgir quando o partido que governa durante uma recessão consegue permanecer no poder ou quando grupos mais pobres apoiam um candidato que promete cortar gastos sociais.

A votação na Argentina representa um desafio para a análise do comportamento do eleitor. O governista Sergio Massa assumiu a liderança da votação de um país sob inflação desenfreada. O artista da motosserra Javier Milei acumulou simpatia em regiões de baixa renda e, depois, esbarrou num ponto de estagnação.

As sucessivas crises na economia se integraram à paisagem eleitoral argentina. Alguns analistas suspeitam que esse ciclo anestesiou parte da população e produziu a sensação de que nenhum governante resolverá o problema. Ao mesmo tempo, criou uma demanda por remédios alucinantes e aumentou a relevância de pautas antes secundárias.

Milei não se saiu melhor que seus concorrentes de direita por ter um programa econômico lúcido. O candidato chamou atenção com temas laterais, como a liberação de armas, e transformou a insatisfação com a crise num sentimento contra a elite política. Capturou o eleitor desiludido ao apostar na solução exótica do estrangulamento do Estado.

O governismo reagiu. Num país com alta dependência de uma rede de proteção social, Massa turbinou artificialmente essas despesas e vinculou o rival ao corte dos benefícios. Encarnou o excêntrico político que admite a gerência da ruína econômica, mas apresenta como virtude a responsabilidade por ações paliativas para enfrentá-la.

O desempenho de Massa dependerá do crédito dado pelo eleitor a esse estado precário da gestão econômica, além do medo de saltar no escuro com seu rival. Milei, por sua vez, terá que convencer os argentinos de que o país sobreviveria ao abalo de suas estruturas, com possíveis repercussões em sua democracia.

 

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