Valor Econômico
Números derrubam um a um todos os
dispositivos da PEC nª 09/2023
Quando uma proposta legislativa, logo no seu
artigo primeiro, começa com um “não serão aplicadas sanções de qualquer
natureza”, e ainda mais quando ela tem o apoio de praticamente todos os
partidos, você já pode desconfiar.
Desde 2015, quando o STF proibiu doações de
campanhas feitas por empresas, o Congresso já transferiu, em valores
deflacionados, R$ 17,6 bilhões para os partidos a título de fundo partidário e
eleitoral. Esse dinheiro fica na mão da cúpula de cada legenda, nos diretórios
nacionais, estaduais e municipais, para cuidar do dia a dia das agremiações e
distribuir aos seus candidatos a cada ciclo eleitoral.
A legislação que criou o fundão eleitoral, convenientemente, não estabeleceu nenhum critério para sua alocação aos integrantes dos partidos. Em geral, são privilegiados os próprios dirigentes, seus familiares, auxiliares mais próximos, políticos em busca de reeleição e alguns concorrentes com boas chances de vitória. Não é preciso dizer que esse sistema mina as perspectivas de competição no jogo eleitoral.
Para tentar nivelar um pouco as condições do
gramado, o TSE e o STF entraram em campo para garantir um mínimo de
representatividade na distribuição dos recursos, exigindo que pelo menos 30%
fossem alocados em candidaturas femininas e houvesse proporcionalidade em
termos de cor - ou seja, se o partido tivesse 40% de candidatos autodeclarados
pretos ou pardos, 40% do dinheiro do diretório deveria ser destinado a esse
grupo.
Como seria de se esperar, todos os partidos
descumpriram pelo menos uma dessas exigências nas eleições passadas. Isso é o
que acontece num país em que Refis, perdões e outras anistias são recorrentes:
a expectativa de impunidade estimula o descumprimento das regras. E agora, mais
uma vez, quase toda a classe política se mobiliza pela PEC nº 09/2023, a famosa
PEC da Anistia.
A PEC estabelece que nenhuma sanção será
imposta pelo não cumprimento dos percentuais mínimos dos fundos partidário e
eleitoral em razão de gênero e raça. Dos 31 partidos que receberam
financiamento público em 2022, sete não cumpriram os 30% para candidaturas de
mulheres (Avante, MDB, PDT, PL, PSB, PSD e PSB). No nível dos diretórios
estaduais, nenhum partido cumpriu as cotas em todos os Estados onde lançaram
candidatos.
Em relação à regra de proporcionalidade de
raça na distribuição do dinheiro, apenas os minúsculos PCB, PMB e UP passaram
no teste. Mas se levamos em conta os diretórios regionais, só o PCB escaparia
de uma sanção da Justiça Eleitoral.
Somando então as duas condições (gênero e
raça), não há um partido brasileiro sequer que cumpriu as regras em 2022. É por
isso que o apoio à anistia é praticamente irrestrito. Com exceção de Psol/Rede
e Novo, do PT de Lula ao PL de Bolsonaro, passando pelo PP de Lira e o PSD de
Pacheco, todos querem o perdão das multas.
Outra sugestão da PEC, na última versão do
substitutivo apresentada pelo relator Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), é a
fixação de um piso de 20% do valor dos fundos partidário e eleitoral para
candidaturas de pessoas pretas e pardas. Ocorre que em 2022 as legendas
repassaram 37,8% a esse grupo. Logo, se a PEC estivesse valendo, os caciques
dos partidos poderiam tirar R$ 903,4 milhões que foram aplicados a candidatos negros
para reservá-los a seus adversários brancos.
Essa regra é tão bizarra que, se estivesse
valendo em 2022, os 12.978 candidatos(as) brancos(as) teriam recebido R$ 4,1
bilhões, enquanto os 13.052 concorrentes pretos(as) e pardos(as) ficariam com
R$ 1,02 bilhão.
Como um agrado para tornar a PEC da Anistia
mais palatável à opinião pública, o relator propôs que 20% das cadeiras da
Câmara dos Deputados, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais
sejam ocupadas exclusivamente por mulheres a partir de 2026.
Tomando por base as eleições de 2020 e 2022,
políticas mulheres obtiveram 16,1% das vagas nas Câmara municipais, 18% nas
Assembleias Legislativas e 17,7% do plenário da Câmara dos Deputados.
Como se vê, os parlamentos Brasil afora ainda
são majoritariamente masculinos, mas a oferta do relator Rodrigues é
ridiculamente baixa. Em troca da quota de 20% das cadeiras para as mulheres, o
Congresso quer uma longa lista de benefícios: um perdão bilionário de sanções
pelo desvio dos fundos partidário e eleitoral, a redução à metade da quantia
que têm que destinar a candidaturas negras, o fim da reserva de 30% do
financiamento público para mulheres (o que representaria R$ 1,5 bilhões a mais
para as campanhas de políticos homens), a extinção da obrigatoriedade de ocupar
30% de sua lista de candidatos com mulheres e o direito de lançar só
candidaturas masculinas em determinadas localidades.
Para conseguirem anistia das multas e outras
penalidades e uma maior liberdade de utilizar os fundos eleitoral e partidário,
que acabará beneficiando homens e brancos, a quota de 20% para as mulheres é
uma proposta indecorosa. 50% seria o mínimo, para início da conversa.
*Bruno Carazza é professor associado da
Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do
sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Perfeito!
ResponderExcluirPois é!
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