terça-feira, 31 de outubro de 2023

Carlos Andreazza – Fazuele

O Globo

Lula decretou a inviabilidade da meta fiscal. Decretada também a inviabilidade do arcabouço fiscal. Sem surpresas.

O presidente foi até comedido ao decretar a inviabilidade da meta fiscal:

— O que eu quero dizer é que nós dificilmente chegaremos à meta zero.

Dificilmente não será robusto o rombo. Decretada também a inviabilidade do arcabouço fiscal. Nenhuma novidade. Formulação para voo curto; como próprio a uma conta que não fecha. Nunca fecharia, se impossível a materialização da sanha arrecadatória. Incompreensível a surpresa. Boa parte da perplexidade com a franqueza de Lula derivada de desinformação sobre o projeto político eleito em 2022.

A democracia venceu e não é barata, conforme explicita o ritmo do Lirão-Express no Parlamento. Pagou, levou. Entregou, votou. Base em construção permanente. Base que, por movediça, estabilidade não oferece. Base que base não é. Que ganhou a Caixa e seu alcance. Em troca de votar medidas arrecadatórias. E que quer o banco — o Planalto prometeu — com porteira fechada; com a vice-presidência que cuida do Minha Casa, Minha Vida. Minha Caixa, Minha Lira, segundo o urbanista Washington Fajardo.

O Congresso a aprovar projetos multiplicadores de receitas, em troca de os oportunistas — quem dera houvesse um Centrão — ampliarem a superfície do Estado em que operam. A conta não tem como fechar. Lula desentendido sobre quem sejam os gananciosos. E logo será a Funasa; não sem que novas chantagens paralisem um pouco mais o país. E sem que se tenha aprendido com o passado; ou não terá sido numa vice-presidência da Caixa que Geddel Vieira Lima, sob Dilma Rousseff, alcançou seu brilho derradeiro? Apenas um exemplo. Agora é Lira. No Incra. Na Codevasf. Na CBTU. No Dnocs. E em expansão. O governo entrega. O imperador da Câmara distribui. Haja arrecadação.

Agora é Lula. De novo. Nada novo. O governo precisa arrecadar e precisa, desesperadamente, do Congresso, com cujos donos — os que aprovaram o arcabouço fiscal — compartilha progressivamente as rédeas dos gastos. A conta não fecha.

“Ah! Mas o arcabouço fiscal traz sinalização importante.” Trazia. Trouxe. Acabou. Sinalização — para controlar ansiedades — aterrada pela sinalização urgente de Lula: haverá eleições municipais em 2024, a nova jornada de Aceleração do Crescimento foi anunciada, e ele não vai “começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias neste país”.

A palavra do presidente resulta. Ele falou — o momento importa — e fez se impor o mundo real; o Congresso ainda a negociar, chama-se Lei de Diretrizes Orçamentárias, quão frouxas serão as cordas para o bloco do Orçamento se exceder na avenida. Tchau, arcabouço fiscal.

Tratamos, mais uma vez, de expectativas. De expectativas equivocadas. Frustradas, pois. Lula ganhou a eleição sem falar em rigor fiscal. Nem sequer em equilíbrio fiscal falava. Sua campanha, transparentemente, foi tocada sob o estandarte da vigorosa retomada de investimentos. Um programa desenvolvimentista, posto na rua com a largura da PEC da Transição.

(E então já se escuta o “Faz o L, Andreazza!”. Jair Bolsonaro e o bolsonarismo não têm autoridade moral para carteirada de austeridade fiscal. Praticaram estelionato eleitoral, sobre a conversinha liberal erguendo a tunga oportunista que, pela reeleição, produziria as PECs dos Precatórios e Kamikaze. Foi Bolsonaro quem arrombou a porteira, pelado de todo o teto de gastos.)

Não gosto de armar oposições simplistas — ademais, no caso, farsante — como a que se estimula entre Rui Costa (o gestor do PAC) e Fernando Haddad (zelador da, perdão pelo oximoro, austeridade fiscal petista). A fulanização, porém, serve a um esclarecimento: fossem mesmo essas as partes e esses os papéis, entre os ministros da Casa Civil e da Fazenda, seria o primeiro aquele a encarnar o discurso vitorioso nas urnas. Farsante a oposição porque imprecisa para com Costa — cavalo do homem, a somente encarnar a palavra de Lula. Haddad sendo o que destoa e talvez sobre. Em público. Impossível uma oposição entre presidente e ministro. Quem fica: aceita a regra e joga o jogo. Desnecessário lembrar que meta fiscal de ministro — “minha meta está estabelecida” — é tão relevante quanto meta fiscal de cronista.

Lula decretou a inviabilidade da meta fiscal. Não mentiu ao dizer que não mediria esforços para cumpri-la.

— Tudo o que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal a gente vai cumprir.

Sob a lógica operacional de arcabouço fiscal que voa como galinha, o governo faz mesmo tudo quanto possível para cumprir a meta. O instrumento é arrecadar muito mais. Como não corta gastos, crescentes, sempre, as despesas, o Planalto se orienta para aumentar as receitas. É o que pode — sabe — fazer. Justiça seja feita, não há no Parlamento outro projeto governista que não conjunto decidido em busca de levantar os dinheiros.

Se não for suficiente, paciência.

 

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