terça-feira, 10 de outubro de 2023

Carlos Andreazza - Supremos senadores

O Globo

Supremo senador pode ser tanto Barroso e seu “empurrar a História na direção certa” quanto Alcolumbre e seus pachecos.

Debater é bom. Tudo — quase tudo — está para debate. Há duas condições fundamentais: consistência e honestidade (intelectual). Ou se deverá desconfiar. O debate público exige boa qualidade e propósitos claros. Não pode ser — não sem que se denuncie a manobra — manipulado a serviço de oportunistas. Oportunismo é o que há na origem das gestões do Parlamento, Senado à frente, por limitar o instrumental de que dispõe o Supremo Tribunal Federal.

É preciso avaliar a inadequação do tempo. É hora de mexer? Haveria como mexer — hoje — para melhor, ainda que virtuosas fossem as pretensões? O tempo sendo também aqueles que o povoam-encarnam-saqueiam. O tempo é de reformadores da estirpe de Davi Alcolumbre, o imperador do Senado da República. É hora de mexer?

A discussão sobre restrições à Corte constitucional — sobre reformas nos aparelhos de poder do STF — lembra aquela antiga carga, que frequentemente pesa, muito lançada no período de Bolsonaro no Planalto, por uma nova Constituição, a ser consistente com as demandas do presente, projetados os desafios do futuro. Lindo. Ocasião em que será necessário dizer, em nome do mundo real, que obras são feitas por pessoas; e que uma nova Constituição seria produzida pela mão de obra parlamentar que ora há — a Carta desejada por moderna a ter concepção sob Lira e lirismos.

Ou viriam os novos constituintes de outro planeta?

Nunca vi bom edifício levantado por gente ruim. O problema de mexer agora no Supremo estando menos no que alega Luís Roberto Barroso — o STF como aquele que, no instante agudo, defendeu a democracia brasileira — do que na forma chantagista como o alcolumbrismo marioneta seus pachecos. (Favor não confundir altura — estatura — com altitude republicana. Nem ignorar que a segurança da democracia, argumento de urgência permanente, também pode embalar autoritários e outros inquéritos onipresentes e sem fim.)

De onde vem essa súbita preocupação alcolúmbrica com os excessos do tribunal, senão — na melhor hipótese — de preocupações pachecas com eleições vindouras, a de 2026 e também a de 2025 (para o comando da mesa do Senado)? De novo: o que qualifica esse movimento repentino por alterar a economia de forças que faz pesar a balança de poder do Supremo? Ao piscar para um eleitorado específico ofertando rédea no STF, que fresta se oferece a que logo se considerem as simpatias por um tribunal com 21 ministros? Por que não 31?

Rodrigo Pacheco é Davi Alcolumbre e Davi Alcolumbre o que opera a Comissão de Constituição e Justiça do Senado conforme ilustrado nos meses de comércio até a sabatina de André Mendonça. Qual a demanda?

Nada contra restringir o regime de possibilidades monocráticas de ministros do STF. Sou a favor. O próprio tribunal tem cuidado de se limitar regimentalmente. O problema do Supremo, os desafios a sua legitimidade, tendo menos a ver com as ferramentas à disposição dos juízes e mais com os modos como as empregam. Falta comedimento. Bom senso. Falta colegialidade — a própria força de um tribunal composto por não eleitos: a expressão plenária.

Não tratarei de ministro de Corte constitucional dando entrevista coletiva — tema da coluna passada — e falando sobre qualquer assunto ao vislumbre do mais mínimo microfone. Nem dos togados que abusam de poder trabalhando como lobistas para que afilhados sejam escolhidos a cargos na administração pública.

Bastará observar o poente da discreta Rosa Weber no tribunal. Decidiu — juíza da Corte constitucional — que deveria deixar um legado. Político. Num tiro personalista, na reta final de sua presidência, avaliou que lhe caberia inscrever uma marca — assinatura mesmo — e então se pôs a enfileirar matérias que, mais do que divisivas da sociedade, vão profundamente associadas a um lado; e que não raro invadem prerrogativas do Legislativo. Para quê?

A questão — o problema — não é estrutural, da natureza dos instrumentos. É dos usos. Dos comportamentos. Dos costumes.

Veja-se o caso da campanha por mandato (dez, 12, talvez 15 anos) de ministro do Supremo. Para quê? Qual seria o objetivo, senão o chantagista? O limite melhoraria em que a atividade do tribunal? De que maneira alteraria o estado de coisas criticado? Os togados fariam menos lobby? Ou, sob a perspectiva de menor tempo de poder, concentrariam — acelerariam — suas gestões políticas? Juiz com agenda política — que quer “empurrar a História na direção certa” — não tenderia a correr com a militância? As relações com padrinhos poderosos — os que indicam — não se manteriam mais robustas, enfraquecida a independência do julgador? E o que o ministro faria depois, ao fim de seu tempo no tribunal?

Cautela — comedimento — e canja de galinha não fazem mal.

 

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