Correio Braziliense
Romance escrito por Sérgio C. Buarque conta a
história dos que lutaram contra a ditadura.
O romance Geração D, de 530 páginas, escrito por Sergio C.
Buarque, conta a história dos que lutaram armados contra a ditadura. Tanto
quanto Tolstoy em Guerra e
Paz, o autor vai além de uma descrição do combate. Ele transmite a
alma daqueles jovens e o espírito do tempo, ao longo de quatro décadas, em um
roteiro estimulante intelectualmente e sedutor literariamente. Um romance
psicológico, de suspense e de política.
Já na abertura, a guerrilheira Renata aceita se prostituir por tarefa do partido, para seduzir um ministro e conduzi-lo ao local onde seria sequestrado. Ela é romântica ao ponto de se apaixonar pelo inimigo, pragmática ao fazer um doutorado em Paris e seguir carreira de sucesso, ainda no governo militar. Mergulhou na revolução, mas não perdeu o controle da sua vida, apesar do alto preço que pagou em remorsos, rejeições e períodos de depressão.
Seu também jovem marido, Maurício, levava o
idealismo no coração e a metralhadora na mão. Foi dele a ordem para que a
esposa se fizesse amante do inimigo. Preso depois do sequestro, amarga semanas
de tortura e anos de prisão. Saiu abatido com o fracasso da luta, carregando
remorso pela decisão de colocar o partido e a revolução acima da moral. Tenta a
vida em uma comunidade hippie, que abandona ao perceber que se diziam anticapitalistas
mas viviam da relação com o sistema e tolerando corrupção na gestão da fazenda.
Refugia-se na poesia intimista e na direção de pequena livraria no interior de
Minas Gerais. Para ele, nada restou da revolução que sonhou.
Bem sucedidos são aqueles que apenas
tangenciaram a luta armada. Um estudante cínico que se transforma em
psiquiatra; uma jovem matemática lúcida e um jornalista obsessivo por
reportagens. Dos personagens do lado do mal, na política e na polícia, nenhum
merece registro maior no livro, salvo o ministro sequestrado, cuja imagem é
exemplo da ambiguidade de quem serve à ditadura, mas tem requintes de
elegância, cultura, diálogo, solidariedade.
Edith carrega a mensagem do livro. Entrou na
guerrilha mais pela aventura e as palavras de ordem do que pela esperança de
resultados. Seu comandante e namorado determinou sua ida para treinamento em
Cuba, onde ela se desiludiu com o socialismo ao ser tratada como inimiga do
regime, por ter se envolvido amorosamente com um general fidelista. Presa grávida,
seu filho foi tomado logo no dia do nascimento; refugiada em Paris, depois que
o regime cubano foi obrigado a liberá-la por pressão internacional, é rejeitada
por seus companheiros, ainda seduzidos e iludidos pela revolução cubana.
Deprimida, acaba com a própria vida, em Paris.
Eliseu, seu comandante, simboliza os mais
velhos que atraíram idealistas para o suicídio. Quem matou Edith foi a
desilusão, tanto o fracasso da utopia pela qual lutou, quanto a falta de nova
utopia para substituir a fracassada. Todos mataram Edith, por não lhes dar o
oxigênio de uma utopia, e também se suicidaram, embora continuassem com vida.
No final do livro, dois ex-guerrilheiros
discutem se deveriam ter aceitado a eleição indireta para conquistar a
democracia, ou continuado a luta clandestina pelo fim do sistema capitalista.
Dificilmente a vitória da guerrilha teria levado à democracia, porque as armas
não respeitam as urnas.
Tanto que nenhum deu continuidade à luta. O
único personagem que segue na política é um deputado cheio de chavões e vazio
de sonhos, prisioneiro da armadilha de sua própria reeleição, disfarçando a
falta de utopia com propostas assistencialistas para tirar os pobres da penúria
e votarem nele e seu partido. Os outros nem sequer continuaram na política.
Apesar de sobreviventes, aquela nossa geração
D morreu com Edith. Esta é a moral do livro de Sergio C. Buarque, em um romance
de alta criatividade literária, pelo número de personagens envolvidos e
envolventes, em roteiro que empolga o leitor do início até o final. Um livro
que une filosofia, política, sexo e amor, com narrativa de forte suspense. Uma
história verdadeira sob a forma de ficção.
Com a qualidade maior que deve ter um bom
romance: terminamos de ler querendo mais, tanto continuar lendo, quanto continuar
a história. Sergio C. Buarque fica nos devendo a continuação do livro. Quem são
os filhos da luta armada, qual a letra colocar no lugar do “D” de desilusão,
para a geração que hoje tem a idade daqueles guerrilheiros dos anos 1960 e
1970, sem a louca irresponsabilidade deles e sem o sonho que eles tinham. Para
nós, leitores, fica o desafio: que utopia devemos oferecer aos jovens de hoje
para atrai-los à luta.
*CRISTOVAM BUARQUE, professor emérito
da Universidade de Brasília
"Geração D", de Sérgio C. Buarque.
ResponderExcluir▪Eu nunca ouvi falar de um Sérgio C. Buarque* como escritor de romances.
Tem o Chico Buarque, o estupendo autor de algumas das letras de canções das mais bem escritas ; o Chico iluminado das letras de músicas escreve romances também. Eu, que adoro as letras de música que Chico Buarque escreve, não gostei dos seus dois romances que li.
Agora vem Cristovam Buarque com a resenha deste romance de um tal de Sérgio C. Buarque.
A resenha feita por Cristovam, muitíssimo bem escrita, me convenceu:: vou ler o romance "Geração D", de Sérgio C. Buarque.
Incrível como eu não desenvolvo antipatia por ninguém e por nada devido a discordar ou por me decepcionar ; me orgulho disto!
▪Cristovam Buarque, um dos três únicos candidatos em que me animei a dar um voto para presidente da república um dia ---os outros dois foram Roberto Freire e Marina Silva--- é uma de minhas grandes decepções políticas nos últimos anos, mas a decepção não me leva a rejeitar ou ver com desconfiança ou espírito armado o que ele ou outro de quem eu discorde ou me decepcione escreva ou recomende.
*Já li alguns artigos sobre economia escritos por um Sérgio Buarque que não é o historiador, pai de Chico Buarque. Este Sérgio Buarque está vivo, é economista e eu gostei muito dos artigos sobre economia escritos por ele que eu li.
▪Será o economista Sérgio Buarque o mesmo autor que escreveu este romance "Geração D"?