O Globo
Não há saída fora da política
Num só dia, o dia do terror, desmanchou-se no
ar o conceito estratégico que norteou os governos israelenses de Netanyahu
desde 2009. A ilusão da segurança sem paz foi destroçada pela maior carnificina
da história do Estado judeu. Agora, Israel definiu o
objetivo de desmantelar militarmente o Hamas.
É outra ilusão: não há saída fora da política.
A segurança sem paz apoiou-se sobre três
pilares. O primeiro, militar, materializado no rígido controle das fronteiras
da Cisjordânia e
da Faixa de Gaza,
esfarelou-se em poucas horas. O segundo, político, baseado no estímulo à
divisão dos palestinos em governos rivais, destinava-se a enfraquecer a
Autoridade Palestina e a justificar a sabotagem permanente de negociações de
paz. No fim, acabou nutrindo o terrorismo do
Hamas.
O terceiro pilar, diplomático, representado pelos Acordos de Abraão, de reconhecimento mútuo entre Israel e os países árabes, seria coroado pelo acordo com a Arábia Saudita. A finalidade era congelar, para sempre, a questão dos direitos nacionais palestinos. A guerra em curso desenrola-se entre as ruínas do edifício estratégico erguido por Netanyahu — e sobre os escombros políticos do governo de Netanyahu.
O meio século de ocupação dos territórios
palestinos envenenou Israel, gerando o governo atual, pontilhado de
extremistas, que se entregou à aventura autoritária de subordinar a Suprema
Corte à maioria parlamentar. As falhas dramáticas de inteligência na Guerra do
Yom Kippur (1973) cortaram as carreiras políticas de Golda Meir e Moshe Dayan.
As desastrosas vulnerabilidades evidenciadas pelo ataque do Hamas assinalam o
ocaso de Netanyahu. A guerra e, sobretudo, o pós-guerra exigem um governo de
unidade nacional — e um novo conceito estratégico.
A crise humanitária que se agrava deixa uma
janela limitada para a ação militar israelense. Bombardeios aéreos não
desmantelarão o Hamas. Só a invasão terrestre de Gaza, um pesadelo tático que
envolve guerra em área urbana, é capaz de assestar golpes profundos na
organização terrorista. Contudo nem isso impedirá a reconstrução de suas
estruturas de poder no território.
A invasão do território palestino, em 2014,
com operações terrestres de 19 dias, não evitou a reconstituição do Hamas. A
reocupação permanente de Gaza, uma hipótese em cogitação, transformaria as forças
de segurança israelenses em alvos fixos de ataques sem fim. Não é por acaso que
Israel retirou unilateralmente suas tropas do território palestino em 2005.
O Estado judeu enfrenta um dilema histórico.
O desmantelamento do Hamas solicita a combinação de operações militares com uma
iniciativa política de reabertura de negociações com o que resta da Autoridade
Palestina. A era da fantasia terminou: no fim das contas, a segurança de Israel
depende da paz com os palestinos.
Os palestinos da Cisjordânia desprezam o
governo cleptocrático de Mahmoud Abbas, mas não seguiram o chamado do Hamas por
um levante popular armado. Segundo a mais recente pesquisa do Jerusalem Media
& Communication Centre, de 2022, a organização terrorista só conta com o
apoio de 13,5% dos palestinos.
A mesma pesquisa revelou que 64% dos
palestinos de Gaza preferem o caminho das negociações, ante 16% que defendem
ações militares do Hamas. Para separar em definitivo o povo palestino da
organização terrorista, Israel precisa oferecer esperança — e, portanto,
restabelecer negociações substanciais com a Autoridade Palestina.
O ataque do Hamas teve a finalidade principal
de destruir as sementes do acordo Israel/Arábia Saudita. Os terroristas
triunfarão se, conduzido pelos deuses da ira, Israel devastar a Faixa de Gaza
na tentativa impossível de eliminar o Hamas por meios exclusivamente militares.
A saída política exige a conclusão do acordo histórico, cujo alicerce seria a
afirmação do paradigma da paz em dois Estados.
Há 50 anos, a Guerra do Yom Kippur destravou
a paz entre Israel e Egito. Num cenário novo,
depois do Hamas e de Netanyahu, a guerra desencadeada pelo terror do Hamas pode
destravar a paz entre Israel e os palestinos. As vítimas, dos dois lados,
merecem a perseguição desse ideal.
Perfeito
ResponderExcluirVerdade.
ResponderExcluirMuito bem!
ResponderExcluirMAM