Valor Econômico
Governo Lula quer ampliar “faixa de
fronteira” dos atuais 150 quilômetros para 25 quilômetros
Antes, muito antes da guerra desencadeada
pelos ataques terroristas do Hamas contra Israel, o governo Lula já queria
acelerar a edição de uma medida para aumentar a presença do Estado na chamada
“faixa de fronteira”. Sobre a mesa, está a ideia de alargá-la dos atuais 150
para 250 quilômetros.
Considera-se, no governo, uma iniciativa estratégica para a defesa da soberania nacional. Perfeito. Contudo, ela precisa ser bem debatida com os setores econômicos que atuam nessas localidades: o agronegócio é um interessado direto.
Já avançado nos ministérios da Defesa, da
Justiça e na Casa Civil, o debate precisará, inevitavelmente, passar pelo
Congresso. Mas neste momento, é preciso dizer, não parece estar na lista
prioritária dos parlamentares.
Na seara militar, a expectativa é que os
senadores deem mais atenção à proposta de emenda constitucional que visa
afastar segmentos da caserna da política. A proposta ainda não pegou a tração
desejada pelo governo, porém pode ganhar novo fôlego depois da apresentação do
parecer da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPMI do 8 de Janeiro. O
texto cita diversos militares.
A Câmara, por sua vez, deve receber a médio
prazo os textos atualizados da Política Nacional de Defesa e da Estratégia
Nacional de Defesa. A necessidade de repensar o posicionamento global do Brasil
pode ensejar um debate mais amplo, incluindo o tema da faixa de fronteira.
Atualmente, a Constituição estabelece que a
faixa de até 150 quilômetros de largura ao longo das fronteiras terrestres é
considerada fundamental para a defesa do território nacional. Sua ocupação e
utilização são reguladas por uma lei específica e um decreto, embora a própria
Constituição estabeleça diretriz sobre a exploração de jazidas, recursos
minerais e potenciais de energia hidráulica localizados nessas áreas. É exigida
autorização prévia do Conselho de Segurança Nacional para a alienação ou
concessão de terras públicas, construção de infraestrutura de transportes,
instalação de indústrias estratégicas à segurança nacional e, até, a realização
de colonização ou loteamentos rurais.
É imensa, como se sabe, a fronteira terrestre
brasileira. São mais de 15 mil quilômetros divididos com Uruguai, Argentina,
Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname, além da Guiana
Francesa.
Considerando-se os 150 quilômetros território
nacional adentro, a faixa de fronteira já abrange 588 municípios de 11 Estados
- Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio
Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Essa área corresponde a 27%
do território brasileiro. Por lá vivem milhões de habitantes, em áreas onde
multiplicam-se notícias sobre a atuação de facções criminosas, de narcotráfico,
comércio ilegal de armas, biopirataria, mineração ilegal, extração e exportação
ilegal de madeira, por exemplo.
Do ponto de vista da segurança nacional,
acredita-se no governo, a ampliação da “faixa de fronteira” daria maior margem
de atuação na Amazônia para as Forças Armadas e forças policiais federais, sem
a necessidade de adoção de medidas excepcionais ou de operações para Garantia
da Lei e da Ordem (GLOs). O diagnóstico é que nessas regiões há baixa densidade
demográfica, com grande mobilidade transfronteiriça, além de elevados índices
de extração desordenada de madeira e minérios, como bauxita e ouro. Não são
raras as invasões de áreas indígenas por madeireiros e garimpeiros.
Uma proposta em discussão dentro do governo é
incentivar parcerias público-privadas para a geração de emprego e renda a
partir da bioeconomia, sobretudo em atividades que envolvam os biomas amazônico,
do cerrado e da caatinga. Outro projeto é promover maior integração entre as 33
“cidades-gêmeas”, que englobam municípios divididos pela linha de fronteira,
seja ela fluvial ou terrestre.
Fora das áreas de floresta, onde traficantes
internacionais e contrabandistas também atuam com facilidade, o desafio do
governo será coordenar esses esforços sem prejudicar o agronegócio. Haverá que
se olhar, também, para as regiões fronteiriças mais desenvolvidas. Neste caso,
o Brasil tem a oportunidade de promover novo dinamismo ao desenvolvimento
regional depois da ruptura das cadeias globais de valor.
Nesse contexto, avalia-se a realocação do
Programa Calha Norte, que deixaria de ser responsabilidade do Ministério da
Defesa e ficaria sob guarda-chuva do Ministério da Integração e Desenvolvimento
Regional.
O Calha Norte foi criado em 1985 e conectado
à pasta da Defesa em 1999, sempre orientado para promover a ocupação e o
desenvolvimento ordenado de espaços amazônicos sob a condução dos militares.
Nas mãos do Centrão, o programa tende a receber mais emendas parlamentares. Por
outro lado, o orçamento da Defesa poderia ser catalisado para os programas
estratégicos das Forças Armadas.
Nos últimos dias, as atenções do governo e da
opinião pública voltaram-se para os eficientes esforços de repatriação dos
brasileiros alcançados pela guerra. Mais do que compreensível. O Brasil também
tem uma grande responsabilidade na presidência temporária do Conselho de
Segurança das Nações Unidas, na busca pela paz. Mas há discussões domésticas
que não devem ficar apenas para o ano que vem.
Verdade.
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