Valor Econômico
Além das questões geopolíticas, há uma
persistente preocupação com os rumos da política monetária do Fed
O ataque terrorista do Hamas a Israel e seus
desdobramentos agravaram ainda mais o ambiente de incertezas em que já
trabalhavam os bancos centrais, tanto nos países desenvolvidos quanto nas
economias emergentes. Esse novo cenário deve exigir uma dose de prudência maior
na execução da política monetária no âmbito doméstico da economia brasileira,
presentes aqui, adicionalmente, as incertezas da gestão macroeconômica e
política do governo Lula.
Mesmo antes da eclosão da atual escalada de violência no Oriente Médio, os mercados financeiros preocupavam-se com os riscos de natureza geopolítica aportados pelo conflito na Ucrânia e pelas tensões entre a China e os EUA no que diz respeito à situação de Taiwan. Tais fontes de incerteza têm contribuído para o aumento dos prêmios de risco em escala global, assim como para disrupções na oferta de commodities e de outros insumos, fato que adiciona maior dificuldade para os bancos centrais no processo de redução das pressões inflacionárias via política monetária.
Além das questões geopolíticas, há uma
persistente preocupação com os rumos da política monetária do Fed, tendo em
conta a resiliência da inflação nos EUA, que pode levar a aumentos adicionais
dos juros e sua manutenção em níveis elevados por um maior período de tempo,
elevando os riscos de recessão econômica. Nesse sentido, uma manifestação
recente de Jerome Powell, chairman do Fed, foi explícita ao indicar que a
economia norte-americana pode suportar juros ainda mais elevados, caso a
atividade se mantenha nos níveis atuais ou o mercado de trabalho não continue
se desaquecendo. Essa manifestação foi traduzida pelo mercado como um aumento
da probabilidade de nova elevação dos juros ainda em 2023, o que teve efeito
imediato sobre o preço dos ativos.
Não bastasse isso, as questões fiscais nos Estados Unidos mantêm-se no centro das atenções, não apenas por causa da elevação do endividamento em si, assim como pelas recorrentes dificuldades políticas para o Congresso aprovar a elevação do teto da dívida, que tem trazido situações de incerteza no mercado. De um lado, os déficits fiscais nos EUA têm se mantido seguidamente em torno dos 6%, o que certamente afeta o mercado de “treasuries”, independentemente da política monetária do Fed.
Cenário externo mais desafiador e frustração
fiscal podem reduzir chance de ciclo de queda dos juros acabar em 9%
Como evidência desses problemas, acabou-se de
assistir uma verdadeira novela da escolha do novo “speaker” da Câmara dos
Representantes, situação que a incapacitava de votar novas leis e que, se
tivesse se mantido irresoluto até meados de novembro próximo, teria levado a um
novo episódio de tensão de origem política, pela possibilidade de paralisia do
governo, em razão da ausência de aprovação tempestiva do orçamento para o novo
ano fiscal.
Nesse contexto, o comportamento das taxas de
juros no mercado de “treasuries” tem sintetizado bem o ambiente de maior
incerteza que cerca o desempenho da economia norte-americana, tendo as taxas do
papel de 10 anos atingido cerca de 5% ao ano, após o ataque do Hamas contra
Israel, o maior nível desde a crise financeira global. Muito embora a elevação
dos juros longos possa ajudar o Fed a atingir seus objetivos de desaquecimento
da economia e redução da inflação, os riscos de um “pouso forçado” da economia
no futuro próximo aumentam, além de trazer consequências globais, especialmente
sobre os ativos das economias emergentes.
Como mencionamos, uma conjuntura global de
elevadas incertezas e de perspectivas de juros mais elevados nos EUA acaba por
afetar a economia brasileira, em particular o cenário para a política monetária
doméstica. Na ata da última reunião do Copom, o BC salientou que o ambiente
externo estava mais incerto, destacando “a elevação das taxas de juros de longo
prazo dos Estados Unidos e a perspectiva de menor crescimento na China”, o que
exige “maior atenção por parte de países emergentes”.
Esses fatores têm implicações sobre ativos
domésticos, como o câmbio, podendo impor limites para o atual ciclo de queda da
taxa Selic projetado pelo mercado na pesquisa Focus a partir das próprias
manifestações anteriores da autoridade monetária. Ademais, o Copom, no mesmo
documento, alertou também para riscos domésticos, citando explicitamente
“esmorecimento no esforço de reformas estruturais, aumento de crédito
direcionado e incertezas sobre a estabilização da dívida pública”, situações
que elevariam os juros neutros da economia. Infelizmente, nessas questões, as
notícias recentes não são animadoras.
Em suma, embora, no momento, nada indique que
o BC alterará o ritmo de queda da taxa Selic nas próximas duas reuniões do
Copom (novembro e dezembro), o que segue chancelando a projeção da pesquisa
Focus de juros de 11,75% para o final do ano, para 2024 é possível que a
conjuntura externa mais desafiadora e a frustração dos objetivos da política
fiscal tenham diminuído as chances de o ciclo de queda de juros se encerrar em
9%, como ainda projeta a citada pesquisa.
*Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
Pois é.
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