domingo, 29 de outubro de 2023

Hélio Schwartsman - Um pensador singular

Folha de S. Paulo

Autobiografia de Daniel Dennett vai dos hobbies à filosofia sem esquecer o ateísmo

Se todo livro deve ser lido com uma ponta de ceticismo, autobiografias exigem uma dose bem maior desse ingrediente. Exceto talvez por masoquistas e pacientes de depressão maior, ninguém resiste a polir sua própria imagem —e autobiografias são o gênero em que autores costumam fazer isso com pouco ou nenhum freio. É por isso que sempre penso duas vezes antes de abrir uma autobiografia, embora de vez em quando o faça.

Fiz agora ao ler "I´ve Been Thinking" (tenho pensado), do filósofo Daniel Dennett. O livro reforçou minha impressão geral a respeito de autobiografias. Não são poucos os momentos em que flagramos Dennett lapidando sua própria história, em especial quando ele relata suas muitas desavenças com cientistas e outros filósofos, mas daí não decorre que a obra seja desinteressante, muito pelo contrário. Dono de uma prosa envolvente e de uma vida estimulante, Dennett enfatiza bastante suas atividades paralelas à filosofia, que não são poucas: mergulhador, velejador, músico, fazendeiro, produtor de cidra, para citar parte delas. Também é um grande viajante, tendo lecionado e dado palestras em vários continentes.

O que distingue Dennett, porém, não são seus hobbies. É sua trajetória. Ele é um dos poucos filósofos que levantou o traseiro da proverbial poltrona (armchair theorizing) e foi estudar biologia, computação e neurociência para embasar melhor suas reflexões sobre darwinismo, inteligência artificial e consciência, tópicos em que sua obra se destaca. Ele também ficou conhecido por suas diatribes contra Deus. Ao lado de Richard DawkinsSam Harris e Christopher Hitchens, é um dos quatro cavaleiros do novo ateísmo. Diz que só assumiu essa posição por necessidade, não por gosto.

O que motivou Dennett a escrever suas memórias foram mais de 80 anos de idade, três stents, uma dissecção aórtica e a certeza de que o que realizamos nesta vida é tudo o que teremos.

 

3 comentários:

  1. Não acredito nas supostas "motivações" atribuídas pelo colunista a Dennett no parágrafo final, embora a última talvez tenha sua importância.

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  2. Os intelectuais e seus ateísmos...

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  3. Enquanto o ateu não acredita em nada,eu acredito em tudo,rs.

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