quarta-feira, 11 de outubro de 2023

J. B. Pontes* - A malversação dos recursos públicos

As emendas parlamentares alcançaram valores astronômicos. O valor autorizado em 2015, de R$ 9,66 bilhões, passou para R$ 25,8 bilhões, em 2022, e para 36,5 bilhões, em 2023. A elevação do valor destinado às emendas parlamentares em 2023 deveu-se ao acréscimo de R$ 9,4 bilhões às emendas individuais (metade do montante previsto para as emendas de relator, identificadas com a sigla RP 9), decidido pelos parlamentares tão logo o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do chamado “orçamento secreto”.

A outra metade do valor inicialmente previsto para o “orçamento secreto” (R$ 9.4 bilhões) foi destinada aos orçamentos de órgãos do Poder Executivo, identificado agora pela sigla RP 2. Este valor vem sendo utilizado da mesma forma usada para distribuição das emendas de relator RP 9 – ou seja, sem identificação dos beneficiários e sem equidade entre os parlamentares –, como forma de angariar apoio político.

No entanto, este valor absurdo alcançado pelas emendas parlamentares em 2023, após a redistribuição dos valores inicialmente previstos para o “orçamento secreto”, foi mantido no Projeto de Lei Orçamentária para 2024 - PLOA (PLN 29/2023), proposto pelo Poder Executivo.

Segundo informativo conjunto das Consultorias de Orçamentos do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, divulgado pela Agência Senado, o PLOA 2024 destina o valor absurdo de R$ 37,7 bilhões para as emendas parlamentares, sendo R$ 25,1 bilhões para as emendas individuais e R$ 12,6 bilhões para as emendas das bancadas estaduais e do DF. Em 2024, cada deputado federal poderá emendar até cerca de R$ 37 milhões (R$ 32,0 milhões, em 2023) e cada senador R$ 69 milhões (R$ 54,0 milhões em 2023).

Ressalte-se, ainda, que as emendas individuais são impositivas (de execução obrigatória) desde 2015 e as das bancadas, desde 2019. E ainda tem as emendas das comissões permanentes do Senado e da Câmara, as quais são atendidas mediante cancelamentos de despesas de programas constantes do PLOA.

Mas os problemas das emendas parlamentares não se resumem aos elevados valores que elas vêm alcançando nos últimos anos, mas também à forma perdulária e sem critério técnico que esses recursos são empregados, atendendo somente aos interesses políticos dos parlamentares. Os usos desses recursos são rotineiramente fonte de corrupção, como estão demonstrando os escândalos recentes. Basta investigar para que a malversação desses recursos seja revelada.

De observar-se que os recursos destinados às emendas parlamentares são subtraídos da parte do orçamento livre (despesas discricionárias) que o governo tem para desenvolver os programas considerados prioritários que são, ou deveriam ser, escolhidos com base em critérios técnicos de planejamento.

Não é isso que acontece com a aplicação dos recursos das emendas parlamentares. O critério, nesse caso, é inteiramente político. Os recursos são direcionados exclusivamente para os redutos eleitorais dos parlamentares. Dessa forma, os recursos disponíveis para investimentos são cada vez menores, limitados, ainda, pelo pagamento dos juros da dívida, com o valor no PLOA 2024 de R$ 649,0 bilhões, a maior rubrica orçamentária. Qual futuro pode ter este país?

Na região do Nordeste, principalmente, as principais instituições voltadas a mitigar os sofrimentos do povo – CODEVASF e DNOCS – continuam sob o comando de apadrinhados dos políticos do Centrão, desde o governo anterior. Reportagem publicada pelo UOL/Folha afirma que: “A concentração de poços em redutos políticos é mais uma consequência tanto do loteamento de órgãos federais como do direcionamento das emendas parlamentares para áreas indicadas por deputados e senadores, e não necessariamente as de maior necessidade”.

Igual situação ocorre com cisternas, caixas d’águas e outros itens, que são aportados em demasia nos redutos eleitorais, onde ficam sem uso e apodrecendo em depósitos, enquanto outros municípios sofrem com a falta deles, em particular com a falta de água, o que obriga pessoas que moram em áreas com baixa incidência de emendas a continuarem a andar horas para pegar a água para sobreviver.

As licitações são direcionadas para empresas sob o comando dos próprios parlamentares ou para aquelas que ofereçam melhores esquemas para distribuição das propinas. Assim, se a empresa escolhida pelos políticos é, por exemplo, da área da pavimentação, o asfaltamento é priorizado e direcionado para locais onde é desaconselhável ou, no mínimo, desnecessário.

E assim os recursos públicos se escoam pelos ralos da corrupção e as verdadeiras demandas sociais continuam sem atendimento. Até quando a sociedade vai continuar assistindo passivamente a farra das emendas parlamentares e aos demais privilégios injustificáveis dos políticos?

*Geólogo, advogado e escritor           

Um comentário:

  1. O artigo "A malversação dos recursos públicos" do autor J. B. Pontes destaca preocupações significativas relacionadas ao uso e à alocação de emendas parlamentares no Brasil. Pontes expõe uma série de questões, como o aumento expressivo nos valores de emendas parlamentares ao longo dos anos e como esse dinheiro é frequentemente distribuído com base em interesses políticos, em vez de critérios técnicos.

    Pontes ressalta que a corrupção é uma preocupação crescente no contexto das emendas parlamentares, e que esses recursos estão sendo frequentemente desviados de suas finalidades originais. Ele também aponta que a aplicação desses fundos tende a se concentrar nos redutos eleitorais dos parlamentares, em vez de atender às reais necessidades da população.

    Além disso, o autor destaca como licitações muitas vezes são direcionadas para empresas ligadas a políticos, resultando em decisões questionáveis quanto à alocação de recursos para projetos de infraestrutura.

    No entanto, é importante observar que a opinião do autor é uma perspectiva crítica sobre o sistema de emendas parlamentares, e a questão é complexa, envolvendo muitos fatores, incluindo políticas públicas, interesses partidários e decisões legislativas.

    O artigo ressalta a necessidade de transparência e responsabilidade na alocação de recursos públicos e chama a atenção para as consequências sociais e econômicas da má gestão desses recursos. É um apelo para que a sociedade esteja ciente e ativa na supervisão e responsabilização de como os fundos públicos são utilizados pelos representantes eleitos.

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