O Globo
A sessão da CPI dos Atos Golpistas que
aprovou o relatório responsabilizando Jair
Bolsonaro e mais 60 pessoas foi palco do teatro que caracteriza
eventos do tipo. Aplausos, apupos, agradecimentos emocionados, discursos
inflamados e embates duros. Governistas gritavam “sem anistia”, bolsonaristas
gritavam “vergonha”.
O líder de Lula no
Congresso, Randolfe
Rodrigues (sem partido-AP), agradeceu à oposição por ter
insistido tanto para instalar a comissão, enquanto oposicionistas bradavam
contra o “relatório do Flávio Dino” e reclamavam do indiciamento de pessoas que
nem sequer haviam sido ouvidas.
Respondendo a uma crítica comum ao documento
de 1.333 páginas, seu presidente, Arthur Maia (União-BA),
reconheceu que “pode ser que [a CPI] não traga nada de novo, mas trouxe a
verdade na praça pública, porque aqui não há sigilo”.
Até aí, jogo jogado. Quem já acompanhou uma
CPI sabe que é um fórum político por excelência. Por isso mesmo, não é
irrelevante que o relatório final tenha recomendado o indiciamento de 29 militares
e PMs, incluindo oito generais e dois ex-comandantes das Forças
Armadas de Bolsonaro: o almirante Almir Garnier e o general
Marco Antônio Freire Gomes.
Nunca houve tantos militares enredados numa CPI na História do Brasil. Não deixa de ser um feito, considerando o esforço de comandantes e parlamentares de todos os matizes para evitar constranger os fardados.
Mas pode-se dizer que era inevitável, dado o
papel inequívoco que uma ala numerosa e poderosa das Forças Armadas desempenhou
na blindagem institucional de Bolsonaro e no boicote à credibilidade do sistema
eleitoral.
Mesmo assim, não dá para ignorar que muitos
interrogatórios importantes e necessários não foram feitos — como o do próprio
Bolsonaro ou de seu ex-candidato a vice, Walter Braga
Netto.
Além disso, vários indiciamentos foram
pedidos com base em deduções, interpretações e até na célebre “teoria do
domínio do fato”, tão criticada pela esquerda quando o então ministro do STF Joaquim
Barbosa a usou para atribuir as responsabilidades a integrantes
do governo Lula 1 no julgamento do mensalão.
Embora seus defensores digam que a CPI foi
prejudicada pelo STF, que liberou investigados de depoimentos e suspendeu o
acesso à quebra de sigilos, não dá para saber o que ela teria descoberto se não
tivesse havido tantas blindagens e acordos de bastidores.
Algumas perguntas mais importantes para
esclarecer como a nossa democracia chegou tão perto do abismo ainda continuam
no ar.
Não há dúvida de que Bolsonaro queria uma
intervenção militar e trabalhou o tempo todo para incitar o golpismo entre seus
seguidores e na população. Mas qual foi seu real papel nos acontecimentos que
levaram ao ataque às sedes dos Três Poderes? Ele encomendou ou não minutas de
golpe a auxiliares? Quantos desses rascunhos foram feitos? O que exatamente ele
pediu aos comandantes, especialmente ao do Exército, nas reuniões a portas
fechadas?
É verdade que Freire Gomes se recusou a discutir
um decreto que Bolsonaro queria usar para impedir a posse de Lula, como teria
dito o ex-ajudante de ordens Mauro Cid em
sua delação? Se teve conhecimento de um plano golpista, por que o comandante
não desmobilizou o acampamento que ficava na porta de seu Q.G., de onde
partiram invasores no 8 de Janeiro? Que tipo de informação sua inteligência
tinha sobre o acampamento? Até que ponto se estendia a infiltração de
integrantes da tropa de elite do Exército, os kids pretos, entre os golpistas?
Se, como sugerem algumas evidências, havia
dois planos correndo em paralelo — a organização de atos incendiários para
questionar o resultado da eleição e a preparação de decretos de intervenção que
usariam a desordem como justificativa —, quem fazia o elo entre os dois
núcleos? Afinal, quem financiou a máquina digital de conspirações e fake news
que levou ao 8 de Janeiro?
Finda a CPI, todas as expectativas se voltam
à Polícia
Federal, que tem não só a delação de Cid, mas também dados
bancários, telefônicos, de e-mails e monitoramentos de inteligência. Nas
conversas com integrantes das Forças Armadas e do Congresso, o ministro do
STF Alexandre de
Moraes, que comanda a apuração, costuma dizer que espera concluir o
trabalho até o fim do ano.
Se for isso mesmo, falta pouco. Mais
importante que o prazo, porém, é chegar ao maior número possível de respostas.
Sem isso, será impossível responsabilizar e punir devidamente quem trabalhou
contra a democracia, e sempre sobrará espaço a teorias conspiratórias e
narrativas de vitimização.
Pois é.
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