O Globo
A Petrobras derreteu
R$ 32,3 bilhões na Bolsa e perdeu quase 7% de seu valor na segunda-feira, logo
depois de divulgar ao mercado duas decisões do Conselho de Administração. A
primeira foi a retirada de artigos do estatuto que blindavam a companhia de
conflitos de interesse e indicações políticas. A segunda, a criação de uma
reserva financeira que, em tese, servirá para uma série de objetivos, entre
eles pagar juros e cobrir eventuais prejuízos.
As mudanças ainda precisam passar pela
assembleia de acionistas, mas certamente serão aprovadas, porque o
governo Lula tem
maioria dos votos.
Quando isso acontecer, cairão as proibições para que ministros, secretários de estado, dirigentes partidários ou sindicais e seus parentes ocupem cargos de direção na companhia — mesmo que possam usá-los na aprovação de obras de refinarias deficitárias para ajudar aliados políticos ou para baixar artificialmente o preço do combustível.
Também estarão liberados para funções de
mando consultores, fornecedores e compradores da Petrobras — apesar do risco de
usarem seu poder para beneficiar suas próprias empresas e interesses
particulares.
Tais restrições constam da Lei das Estatais,
aprovada em 2016 com ampla maioria no Congresso, em reação aos escândalos que
revelaram um saque generalizado das companhias de controle público por
políticos e empresários corruptos, concentrado nos governos do PT. Como
todos sabemos, a Petrobras foi a maior vítima da rapinagem, e chegou a receber
de volta R$ 6 bilhões em dinheiro desviado.
Depois da queda na Bolsa, o presidente da empresa, Jean Paul Prates, mandou um “rolando lero” para a Faria Lima: “Estar ou não repetido no estatuto faz zero diferença, porque a empresa é obrigada a estar de acordo com a lei”. E seguiu: “O impacto real, nesse caso, é nulo. Se a Lei das Estatais mudar, a empresa vai seguir a lei”.
Ora, se faz zero diferença, para que então
fazer a mudança?
Prates sabe que não é bem assim. O trauma do
petrolão levou a direção da companhia na época a incluir em seu estatuto a
mesma lista de restrições da lei e ainda ampliar a blindagem com novas
barreiras. Assim, se no futuro ela fosse derrubada pelo Congresso, a companhia
teria seu próprio escudo.
A classe política nunca se conformou, mas o
Congresso não teve forças para derrubar a lei. Jair
Bolsonaro passou todo o mandato tentando driblá-la para pôr na
petroleira gente que pudesse interferir na política de preços, alojar seus
aliados em áreas como tecnologia ou comunicação e nomear prepostos de
empresários amigos do Centrão para dirigir decisões de negócios.
Embora tenha conseguido algumas vitórias, a
área de governança da Petrobras sempre pôde recorrer à Lei das Estatais para
impedir os desmandos mais graves.
Lula, porém, tinha uma arma com que Bolsonaro
nunca pôde contar: Ricardo
Lewandowski. Nomeado pelo petista para o Supremo em seu primeiro mandato,
Lewandowski atendeu em março passado a um pedido do PCdoB, da
base lulista, e derrubou a lei com uma liminar, argumentando que ela restringia
os “direitos” dos políticos de ser nomeados para cargos em estatais.
Uma liminar, como o próprio nome diz, é
decisão provisória. Só vira definitiva se for confirmada pelo plenário do STF,
o que não aconteceu — e, considerando o histórico do Supremo, pode não
acontecer nunca.
Justamente por ferirem a Lei das Estatais, as
indicações de três conselheiros da Petrobras nomeados por Lula foram
contestadas na Justiça Federal. E foi um deles, Sérgio Rezende, quem pediu ao
conselho que alterasse o estatuto para contemplar a decisão de Lewandowski.
Sob nova direção, a governança da companhia —
que, na gestão Bolsonaro, opinou diversas vezes contra esse tipo de mudança no
estatuto — agora considerou que a liminar era suficiente. Foi buscar, no fundo
de um processo contra a própria Petrobras movido pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM),
o xerife do mercado, um parecer que diz o óbvio: enquanto estiver em vigor, a
liminar vale mais que o estatuto.
O texto não afirma que a empresa precisa mudar seu estatuto. E, mesmo que afirmasse, não tem valor de decisão. Pelo jeito, nada disso importa. O que interessa é abrir a porteira para a volta de um passado que parecia enterrado, mas graças a Lewandowski está prestes a ressuscitar.
A jornalista sabe das coisas.
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