Valor Econômico
Modelo de concessões paulista não se
distingue daquele que vai reger o PAC
A greve dos transportes em São Paulo foi
tratada como uma bofetada no modelo privatista do governador Tarcísio de
Freitas. Os pugilistas são da extrema-esquerda, mas partidários do governo Luiz
Inácio Lula da Silva vibraram com o que consideraram um emparedamento do seu
maior oposicionista.
É causa de tormenta diária o transporte
público escasso, lento e lotado de uma cidade em que as pessoas gastam 2,5
horas por dia para se deslocar. Isso não se discute. A dúvida surge quando a
greve se volta contra o modelo de gestão do transporte público.
Trata-se de modelo crescentemente concedido à iniciativa privada por longos contratos de 20 anos ou mais. Segue a mesma lógica estabelecida no programa de concessões e Parcerias Público Privadas que acaba de ser lançado pelo governo federal para a reativação do PAC.
Todos se fiam no disposto na lei 11.079
aprovada em 2004 durante o primeiro governo Lula com a decisiva colaboração de
Fernando Haddad e da qual o ministro da Fazenda muito se orgulha.
Fala-se que a PPP se distingue da concessão
pela abertura a subsídio público para equilíbrio tarifário. E não é que a linha
4 do Metrô paulistano, operada pela CCR, apesar de ser uma concessão, também
tem subsídio? É assim que Lula e Tarcísio operam juntos e misturados a
concessão a serviços públicos.
É de se esperar que o lançamento dos projetos
do PAC-Mobilidade do governo federal desperte o mesmo tipo de indignação nos
parlamentares da base lulista que apoiaram a greve nos transportes. Afinal,
contra qual das “privatizações” se está falando?
Na noite de terça-feira, acabou por
prevalecer o bom senso na assembleia que deliberou pelo encerramento da greve e
pela ausência de novas mobilizações na próxima semana. A decisão derrotou a
direção sindical.
Ao longo das duas horas em que os
sindicalistas falaram na assembleia, ecoou o temor de que os funcionários das
estações passem a ser terceirizados.
O medo da CLT não deveria estar restrito a
funcionários de empresas públicas paulistas porque também está nas cogitações
do governo federal para novas contratações de carreiras transversais, que
atendam a diversos ministérios simultaneamente.
A investida contra o Palácio dos Bandeirantes
parte do pressuposto de que seu inquilino é um estranho no ninho de um Brasil
governado pela esquerda, e não o principal representante da metade de um país
que, Lula, a muito custo, conseguiu derrotar.
A extrema-esquerda que comandou a greve
parece desconhecer os termos “correlação” e “forças”, como também a expressão
formada pela adição de uma preposição. A correlação de forças não é
desfavorável apenas porque a eleição de Lula foi apertada. Há muitos eleitores
de Jair Bolsonaro e de Tarcísio Freitas que não acreditam na superioridade do
serviço privado sobre o público. Ou na subordinação de um a outro, como está
prestes a acontecer com a “milicianização” da segurança pública paulista.
A correlação de forças é desfavorável porque
o Estado não tem como manter gorduras na prestação do serviço público. E isso
não vale só para estatais. Vale também para sucessivos aditivos das concessões
e para a captura da regulação dos serviços públicos por interesses privados -
no Brasil, em São Paulo e em Cabrobó.
E o sinal de que isso vai ficar cada vez mais
evidente vem da metrópole. A destituição do presidente da Câmara dos Estados
Unidos, Kevin McCarthy, pela queda de braço que opõe os republicanos ao governo
Joe Biden, demonstra que o ciclo de alta de juros nos EUA está longe de acabar.
E, com isso, fica mais difícil para emergentes, como o Brasil, captar para se
financiar.
Ao contrário do anunciado por Biden, foi ele,
e não Lula, quem sugeriu o acordo transnacional contra a precarização do
trabalho. Se Biden vai a piquete de greve de montadora em busca de apoio dos
sindicatos contra os precarizados que ameaçam se unir novamente contra o
trumpismo, Lula vai ter dificuldade de encontrar uma greve em que possa fazer o
mesmo após a convalescença.
A Receita ficou a um triz de decretar greve
mas foi convencida de que a demanda por bônus não seria uma pauta exatamente
popular para uma corporação que já acumula desafetos no Congresso e no
empresariado. Empregados da Embraer decretaram greve e foram obrigados a recuar
24 horas depois. Também é difícil imaginar empatia com grevistas da USP. Se
fazem barricadas agora, o que farão quando a reforma tributária acabar com o
ICMS que os custeia?
O Congresso mostrou alguma sensibilidade em
relação às incertezas do futuro ao avançar nos projetos que instituem novas
taxações (offshore, fundos exclusivos e JSCP), mas continua na retranca do
corporativismo parlamentar com a queda de braço das emendas.
O corporativismo parlamentar e sindical
passou ao largo das eleições do domingo para os conselhos tutelares. Em todo o
Brasil, se repetiu o quadro de representações equilibradas em áreas de classe
média e domínio de fundamentalistas religiosos de extrema-direita na periferia.
A ausência de mobilização acende um sinal
amarelo para as bases do lulismo. Se em 2024 esta base tem a pretensão de
romper a polarização do país e ganhar terreno para o campo político do
presidente da República, a eleição de domingo e as greves em curso são um ponto
de alerta.
Enquanto a extrema-esquerda estiver mais
ocupada com as prerrogativas de suas categorias do que em defender, do
obscurantismo, os direitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, missão dos
conselhos, o bolsonarismo seguirá a cavaleiro, a despeito da destituição do seu
titular.
Pois é.
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