domingo, 8 de outubro de 2023

Merval Pereira - O momento de Krenak

O Globo

Krenak encarna uma visão integrada dos humanos com a natureza, e acredita que mares, rios, florestas fazem parte de “um futuro ancestral”, justamente por já existirem mesmo antes da humanidade.

A eleição do filósofo, escritor e ativista indígena Ailton Krenak para a Academia Brasileira de Letras (ABL) na quinta-feira retrata um momento histórico em que a preservação da cultura indígena está em debate no Brasil, com a discussão do marco temporal, e o seu papel intelectual na defesa do meio-ambiente e da floresta Amazônica se destaca e ganha dimensão internacional.

Krenak encarna uma visão integrada dos humanos com a natureza, e acredita que mares, rios, florestas fazem parte de “um futuro ancestral”, título de um dos seus livros, justamente por já existirem mesmo antes da humanidade.

À medida que as informações sobre questões climáticas, biodiversidade, recursos hídricos e indígenas vêm aumentando no país, cresce também a necessidade de um pensamento estratégico de longo prazo para a definição de políticas públicas, como o plano de prevenção contra desmatamento da Amazônia.

É grande a expectativa de que o país volte a liderar pelo exemplo na pauta ambiental às vésperas da reunião da COP25 na Amazônia. Na visão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, há desafios para o governo brasileiro chegar em condições de servir de exemplo na reunião de Belém, como fazer avançar a agenda econômica de sustentabilidade, para o Brasil exercer o papel de mediador de um novo acordo, pois o de Paris está frágil.

Entre as questões principais está o uso de combustíveis fósseis. Marina lembra que o mundo não consegue US$ 100 bilhões do Acordo de Paris para transição energética, mas investe entre US$ 4 a 6 trilhões na velha economia. “Há um dilema aí”. Os conflitos internacionais levaram a uma mudança de prioridades: antes se falava em transição energética, agora se fala em segurança energética.

China e Índia não têm como prescindir da energia fóssil, a Europa recuou na transição com a guerra na Ucrânia, a França tem matriz nuclear. Alemanha abandonou a energia nuclear, mas depende do gás. Marina insiste em que o Brasil pode ter matriz 100% limpa sem precisar de energia nuclear, e lembra que o país, apesar disso, é um dos maiores emissores de gases. O hidrogênio verde é uma oportunidade, assim como foi o etanol, tecnologia não poluente em que o Brasil despontou como pioneiro no mundo, situação que não sustentamos por questões econômicas. Mas ainda temos vantagem competitiva razoável no setor.

Outra oportunidade é a agricultura de baixo carbono. Marina lembra que o Plano Safra de R$ 400 bi agora incentiva menos emissões. “Se não fosse assim, lá na frente, quando começassem a precificar carbono e nossos produtos começassem a ser barrados, todos reclamariam”. O Brasil também pode liderar articulação global para proteção de florestas. Cobrando um dólar de cada barril de petróleo, já ajudaria muito a proteger as florestas, diz a ministra.

Para ela, o debate central está na matriz energética global. Sem acordo internacional, a pressão por continuar usando combustíveis fósseis será enorme. Temos de diminuir 43% das emissões até 2030 e 63% até 2035. Qual seria solução? Imposto? Moratória? Pico do petróleo? O debate não está acontecendo, lamenta a ministra Marina Silva. Será preciso mecanismo financeiro, pois empresas que tomaram a decisão ética de fazer a transição pagaram preço em valor de mercado.

Melhor solução seria imposto progressivo para financiar proteção das florestas e energia limpa. O Brasil está superando a fase em que abandonou aos especuladores e exploradores das riquezas nacionais a floresta amazônica, e dados apontam redução significativa no desmatamento da região, resultado de ação pesada de comando e controle, e do fim da expectativa de impunidade.

A licença para Margem Equatorial foi negada não em cima da decisão de que não se explorará petróleo, esclarece a ministra, mas por insuficiência das soluções apresentadas. Dez técnicos entenderam que solução para fauna não estava adequada. O aeroporto é próximo da terra indígena, aumentará movimentação. Por fim, há a questão dos corais. A decisão de explorar, ressalta Marina, é do Conselho de Política Energética, não do ministério nem do Ibama.

 

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