O Globo
O mercado errou muito em suas projeções sobre
o desempenho da economia brasileira este ano, admite Fernando Honorato, do
Bradesco
Os economistas estão errando muito em relação à economia brasileira? Sim, estão. Quem admite isso comanda um dos principais departamentos econômicos do país, o do Bradesco. O economista Fernando Honorato dá até a dimensão do erro. Este ano, o próprio banco teve uma mudança de dois pontos e meio entre o que previa de crescimento do PIB no início e o que prevê agora. O banco projetava 0,5% e está fechando o ano com quase 3%. O mercado errou nas projeções da inflação também. Depois de insistir que o IPCA estouraria a meta, agora a metade dos economistas já aposta que não vai estourar. No FMI, o Brasil foi a maior surpresa, diz Honorato. Em abril o Fundo previa 1% de alta do PIB e em outubro pulou para 3%.
— Estivemos muito pessimistas sim. Acho que
nossa bússola quebrou numa magnitude que não era esperada. Nós estamos falando
de erros acumulados de cinco pontos percentuais do PIB ao que se projetou nos
últimos três anos. Agora com o benefício de olhar para trás, posso dizer que
nós subestimamos sim a capacidade de crescer — admite Fernando Honorato em
entrevista ao meu programa na GloboNews.
Ele avalia que os economistas foram muito
impactados pela recessão de 2015 e 2016. “Nós nunca tínhamos visto um PIB tão
negativo”. Ele acha que isso contaminou o horizonte. Depois, na pandemia, outro
susto foi ver de novo a inflação bater dois dígitos.
— Ficamos com a impressão de que estava tudo
meio desencaixado na economia brasileira, e não estava —fala Fernando Honorato.
Segundo ele, o mercado não considerou nas
equações as reformas feitas ao longo de diversos governos que ele supõe que
aumentaram o PIB potencial, a capacidade de o país crescer sem gerar pressões
inflacionárias.
—Para o ano que vem, nós tomamos a dianteira
nessa conversa e colocamos uma projeção de 2%, enquanto boa parte do mercado
vai de 1% ou 1,5%. Ousamos apostar que o PIB potencial brasileiro é maior. Ora,
são três anos de frustrações com as projeções. O PIB efetivo foi maior do que
as projeções.
Fernando Honorato não acha que as previsões
de inflação alta e PIB fraco sejam decorrentes de algum viés ideológico. Como
se sabe, a maioria dos integrantes do mercado votou em Jair Bolsonaro. Ele
defende que havia dúvida mesmo sobre como o governo Lula lidaria com as
questões fiscais. Havia, segundo ele, um sentimento misto entre a falta de
informações sobre as diretrizes econômicas e a constatação da condução
pragmática nos mandatos anteriores do presidente.
Difícil mesmo é acertar a bússola em relação
ao atual momento tumultuado pela guerra entre Israel e o Hamas.
—É duro porque há famílias que estão vivendo
o luto e nossa obrigação aqui é falar dos cenários econômicos da guerra. Eu
diria que até o momento, apesar da intensidade que a guerra tomou, não teve
impactos significativos na economia. Não transbordou para uma crise no mercado
de petróleo, que seria algo que afetaria o mundo todo. Também não produziu uma
recessão no mundo — disse o economista.
Em que cenário, o conflito transbordaria para
a economia? Se o Hezbollah entrar diretamente e o Irã se envolver. A falta de
parte da produção do Irã no mercado de petróleo faria diferença no preço, e
isso levaria a inflação global a um patamar mais alto. Nesse cenário, o Fed
teria que combater os “efeitos secundários” elevando juros. Uma guerra que
arrastasse os países da região levaria também a uma “fuga para a qualidade”, em
que os ativos do mundo iriam para os títulos americanos. Isso reduziria os
juros nos Estados Unidos, mas subiria o dólar no Brasil.
Em relação ao cenário brasileiro, uma das
melhores notícias do ano foi mesmo a desinflação de alimentos, diz Honorato.
—A inflação vai ficar dentro do teto da meta.
Uma ótima notícia. Os preços dos alimentos caíram e isso é uma notícia muito
positiva. Apesar da desvalorização do real, os preços da gasolina caíram no
mundo e não temos grandes riscos com combustíveis. A inflação de serviços caiu,
acho que essa foi a grande surpresa, e está praticamente no centro da meta nos
últimos três meses. Tudo isso, e mais o PIB, foi uma baita vitória — diz o
diretor de economia do Bradesco.
O cenário internacional é trágico, mas o
desempenho da economia brasileira está terminando o ano melhor do que apontavam
as bússolas do mercado.
Ainda bem.
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