O Globo
Haddad tentou justificar a fala de Lula, mas,
sobre economia, presidentes não improvisam e não deixam dúvidas no ar
Um Fernando Haddad irreconhecível chegou na
entrevista coletiva de ontem. “Querida, faça o seu trabalho”, disse a uma
jornalista que estava fazendo o seu trabalho. O ministro passaria os 30 minutos
da entrevista tentando fugir da pergunta sobre a fala do presidente Lula de que
a meta fiscal não será zero. Ele se referiu a vários problemas existentes, a um
que tem solução já encaminhada, e os transformou nos motivos pelos quais Lula
disse o que disse. Na verdade, Lula criou um problema ao declarar que a meta
não seria zero. Eles podem ter superado esse mal-estar, mas a explicação de
Haddad não convenceu.
Haddad escolheu um caminho árduo e tem travado um combate duro para corrigir distorções tributárias, fechar brechas pelas quais as empresas deixam de pagar impostos, propor suspensão de benefícios fiscais inaceitáveis. E desta forma ir aumentando a arrecadação, sem ter que simplesmente elevar a alíquota dos impostos.
O problema é que ele quis atribuir à fala do
presidente Lula, na sexta-feira, que a meta fiscal de 2024 não será zero a esse
cipoal de privilégios e distorções tributárias. Foi uma declaração descuidada
de Lula. Ele só poderia ter dito o que disse se em seguida afirmasse que, em
conversa com o ministro Fernando Haddad e a equipe econômica, chegou à
conclusão que a meta que está no Orçamento é inatingível e, portanto, estava
mandando uma emenda modificativa para o Congresso com a nova meta. Sobre
economia, presidentes não improvisam e não deixam dúvidas no ar.
O erro foi do presidente Lula. O ministro
Fernando Haddad quis reorganizar a fala do presidente e afirmou que ele se
referia a essa perda de arrecadação provocada por decisões anteriores do
Legislativo (a lei complementar 160) e do Judiciário, no caso da retirada dos
incentivos de ICMS da base de cálculo dos impostos federais. Com a decisão
tomada em maio pelo STJ, este problema caminha para a solução. A MP 1185
apresentada pelo governo fecha a brecha pela qual este ano estão saindo R$ 200
bilhões dos cofres públicos.
O que Haddad disse é verdade: tem havido
erosão da base tributária por uma série de benefícios dados às empresas ou
arrancados por elas através de intermináveis ações judiciais. E sim, este ano a
arrecadação está caindo. Não é apenas por isso. A arrecadação caiu até por bons
motivos, um deles foi a deflação dos IGPs. A queda da inflação é boa para a
economia, mas reduz a receita do governo.
Tudo o que Haddad falou é correto, mas nada
do que disse explica a fala do presidente. Não foi por isso que Lula disse que
o déficit não seria atingido. Ele estava refletindo uma disputa interna no
governo, desde que Haddad estabeleceu essa meta e mostrou disposição para
continuar perseguindo-a. Aliás, o ministro repetiu o seu compromisso:
— A minha meta está estabelecida, eu vou
buscar o equilíbrio fiscal com medidas justas.
Um caso que ele contou de “uma empresa de
cigarros” é mesmo escandaloso e mostra um problema real contra o qual o
ministro deve mesmo se dedicar. Essa empresa teria pedido na Justiça, e
ganhado, um crédito de PIS/Cofins de R$ 4,8 bi. Ele explicou o que isso
significa.
— Os consumidores pagaram o imposto, a
empresa recolheu, e agora a Justiça mandou devolver a ela o dinheiro que, na
verdade, não foi pago por ela e sim pelos consumidores.
Realmente um absurdo. No mundo inteiro
empresas de cigarros pagam mais e não menos impostos. O ministro chamou de
“devolução” o que de fato é. Ainda que a Receita não entregue dinheiro à
empresa, ela poderá deixar de pagar impostos com base nesses créditos. O que
fere os cofres públicos do mesmo jeito.
Tudo isso é sério, grave e verdadeiro. Tem
sido parte do trabalho de Fernando Haddad tornar o sistema tributário menos
injusto. Ele avança a cada vitória. Na semana passada, a Câmara aprovou a
mudança, proposta por ele, que altera a forma de cobrança de tributo dos fundos
exclusivos e offshore. Os muito ricos passarão a pagar imposto que nunca
pagaram.
O problema é que não foi esta a fonte de
irritação do ministro nesta segunda-feira. Também não foi esta a razão que
levou o presidente Lula a falar que a meta não será cumprida. O correto teria
sido anunciar, ao lado de Haddad, a nova meta. Teria havido menos ruído. Até
porque, o governo está de fato derrubando o déficit. Mas o governo se
atrapalhou inteiro, criando problema para si mesmo.
Pois é,viva a seriedade de Haddad!
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