quinta-feira, 26 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Limitar passageiros no Santos Dumont é alternativa sensata

O Globo

Objetivo é reequilibrar tráfego com o Galeão sem abrir margem a questionamento jurídico

Faz sentido o governo mudar a estratégia para reequilibrar o tráfego entre os principais aeroportos do Rio. O Tom Jobim/Galeão opera abaixo da capacidade, enquanto o Santos Dumont é conhecido por filas e atrasos. Em agosto, o Conselho de Aviação Civil (Conac) publicou resolução limitando, a partir de 2 de janeiro de 2024, os voos do Santos Dumont a um raio de 400 quilômetros. A medida, bem-intencionada, suscitou questionamentos de técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) e foi parar na Justiça.

Com apoio do governador Cláudio Castro (PL) e do prefeito Eduardo Paes (PSD), o governo pretende agora revogar a resolução e quer, no lugar dela, restringir a movimentação anual no Santos Dumont a 6,5 milhões de passageiros (hoje 10 milhões têm viajado pelo aeroporto). Será preciso ainda chegar a um consenso sobre a melhor forma de pôr isso em prática. Haverá pressão para transformar os 6,5 milhões em 7,5 milhões, 8,5 milhões etc. Ao governo, não restará opção senão ser rigoroso. É fundamental zelar pelo equilíbrio entre os dois aeroportos — o regional e o internacional —, como ocorre em toda grande cidade.

Garantir a segurança jurídica é condição básica para qualquer mudança. A RioGaleão, concessionária do aeroporto internacional, planeja investir R$ 15 milhões até o final do ano em adaptações para atender ao aumento de demanda. Não teria lógica promovê-las para, mais adiante, as decisões do governo serem derrubadas na Justiça. As empresas aéreas já deram início aos planos de transferência de voos do Santos Dumont para o Galeão, mas a situação não gera tranquilidade. A Prefeitura de Guarulhos (SP) entrou com processo no TCU contra a resolução do Conac, sob a alegação discutível de que ela prejudica o aeroporto localizado no município da Grande São Paulo.

Além de acabar com a indefinição e encerrar a ação judicial, o teto para passageiros tem a vantagem de transferir às empresas aéreas a responsabilidade de decidir que rotas mudar, de modo a preservar a gestão de suas malhas. A ideia é que todos os destinos atuais possam ser mantidos, inclusive aeroportos internacionais em voos de conexão. Evidentemente, será preciso zelar para que haja voos de conexão chegando ao Galeão, cuja vocação natural é ser um hub de acesso ao Brasil para estrangeiros. A fiscalização dos limites no Santos Dumont será fundamental para revitalizar o terminal internacional.

O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, afirmou que pretende apresentar a proposta de limitação à Casa Civil em duas semanas. Ainda não está definido como será encaminhada, se por portaria, projeto de lei ou medida provisória. Os contatos com o TCU para avaliar antecipadamente as mudanças já começaram, um bom sinal. Costa Filho diz querer construir uma solução “coletiva e definitiva”.

Com certeza, governador, prefeito, representantes das empresas aéreas e dos aeroportos precisam ser ouvidos. Porém o governo não deve esquecer que pode haver interesses conflitantes. Por isso é essencial sempre lembrar a meta: acabar com o desequilíbrio entre os dois aeroportos. Cumpri-la significa aproveitar plenamente a infraestrutura aeroportuária do Rio, aliviar a sobrecarga na malha do resto do país, aumentar o fluxo de voos internacionais e, assim, oxigenar o setor de turismo da cidade, principal vitrine do Brasil.

Aperfeiçoamento da Lei de Cotas tenta corrigir distorções no sistema

O Globo

Legislação renovada pelo Congresso precisa agora ser acompanhada para que se avalie sua eficácia

Com um ano de atraso, o Congresso aprovou por mais uma década a Lei de Cotas para ingresso nas universidades federais. As cotas se firmaram como política eficaz para reduzir desníveis sociais, ampliando a diversidade no ensino superior. Como toda política de Estado, exige ajustes periódicos. Foi o que os congressistas tentaram fazer. Quilombolas foram incluídos entre os grupos sociais contemplados, e houve mudanças para tentar acabar com situações injustas.

Um estudo constatou que, em 2019, 10 mil candidatos inscritos como cotistas no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) — por meio do qual as faculdades públicas oferecem vagas com base no Enem — foram rejeitados ainda que tivessem obtido notas maiores que os inscritos na categoria de ampla concorrência. Isso ocorre porque, em certos casos, há mais postulantes por uma vaga dentro das cotas que fora delas. No ano passado, em 25% dos cursos a nota de corte do Enem foi mais alta para cotistas que para não cotistas.

Para evitar que a profusão de subcotas e as regras da competição continuem criando distorções, a nova lei estabelece que, se um cotista superar a nota de corte dos não cotistas, sairá do grupo de cotistas e terá vaga garantida. Tendo em vista que o objetivo da lei é facilitar o acesso ao ensino superior a grupos historicamente desfavorecidos, é uma mudança mais que necessária.

Apesar de as cotas terem contribuído para ampliar a diversidade no ensino superior, em 2022 caiu pela primeira vez o número de cotistas (13%), ao mesmo tempo que aumentou o de não cotistas (9%), segundo o Censo da Educação Superior. Enquanto a oferta de vagas nas universidades federais para não cotistas permaneceu estável, as reservadas para cotistas diminuíram 9%. As estaduais ampliaram em 9% as vagas de ampla concorrência e cortaram as de cotas em mais de 13%, revelou o “Levantamento das políticas de ação afirmativa nas universidades públicas brasileiras”, da Uerj e do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp).

A atratividade das cotas pode ter caído em razão das distorções que dificultavam o acesso às universidades por essa via — e a nova lei pode ter corrigido o problema. Ou pode haver outras dificuldades. É preciso que os pesquisadores se debrucem sobre as causas do recuo para entender o que fazer.

Uma mudança positiva promovida pelos congressistas foi a redução na renda familiar per capita usada como limite para candidatos a cotas sociais. Era uma medida necessária, pois o patamar anterior (um salário mínimo e meio) garantia acesso a estudantes de famílias de renda média, em detrimento dos mais pobres. Será preciso avaliar quanto o novo limite (um salário mínimo) corrige essa distorção.

Além disso, a evasão entre cotistas costuma ser maior, sugerindo a necessidade de apoio pedagógico e incentivos para que não abandonem a faculdade. De nada adianta facilitar a entrada se não houver como retê-los. Não se pode esquecer que o objetivo das cotas é fornecer aos desfavorecidos educação de qualidade, para reduzir as desigualdades. Ela precisa ir até o fim.

Consumidor fica fora do debate sobre juro do cartão de crédito

Valor Econômico

A discussão contábil deixa de lado lógica elementar: não há o menor sentido cobrar hoje perto de 500%, quando a inflação é de 5%

A disputa entre bancos, empresas de cartões, de meios de pagamento e o varejo em torno do crédito rotativo e do parcelado sem juros ganhou escala, com argumentos de parte a parte. O risco que correm é o governo ou o Congresso arbitrar uma saída longe da desejável. Faltam interlocutores do lado dos clientes dos bancos, dos cartões e do varejo, os principais afetados. Apesar dos argumentos razoáveis de todos os participantes desse mercado, juros de mais de 445% no crédito rotativo ao ano (embora só possam ser cobradas por um mês) são uma anomalia que deveria acabar. Os supostos prejuízos que isso acarretaria deveriam ser repartidos ao longo da cadeia de crédito.

O Congresso e o governo tentam fazer esse papel com resultados nem sempre satisfatórios. O ponto de partida da atual discussão foi o projeto de lei do deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) que limitava a taxa do rotativo a 8% ao mês, pouco mais de 150% ao ano. O mesmo limite foi aplicado no passado ao cheque especial, outrora campeão de juros. Essa linha de crédito acabou praticamente extinta depois disso.

Em abril, Ministério da Fazenda, Banco Central e Febraban se reuniram para negociar uma solução. Foi criado um grupo de trabalho que até agora não chegou a uma conclusão. Os bancos culparam o parcelado sem juros praticado pelo varejo - sancionado pelas bandeiras dos cartões emitidos pelos próprios bancos - pelas taxas elevadas.

A recente legislação do Desenrola, programa de negociação de dívidas, buscou abordar o problema do juro do rotativo ao dar aos bancos até o fim do ano para apresentar uma solução, caso contrário seria fixado um teto de 100% do valor do principal. De novo, veio à baila a proposta de se limitar o parcelado sem juros como compensação. O BC sugeriu restringir o parcelado sem juros a 12 prestações.

Os envolvidos expuseram a briga ao público. A Abrasel, entidade que reúne bares e restaurantes, reagiu com propaganda dizendo que os bancos queriam “aleijar” o parcelado. A Associação Brasileira das Empresas de Internet (Abranet), que representa instituições de pagamento e empresas de maquininhas, rejeitou proposta para se limitar as compras parceladas, pontuando que o debate era sobre o teto das taxas do rotativo do cartão e que os bancos eram anticompetitivos. A Febraban diz que as maquininhas querem preservar uma dinâmica insustentável para o consumidor e pretende levar o caso à Justiça.

A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), uma das poucas vozes dos usuários, se manifestou contrária às restrições e ao fim do parcelado sem juros. A entidade afirma que não encontrou relação entre o parcelamento sem juros e as taxas do crédito rotativo. Os bancos argumentam que o rotativo financia o parcelado e defendem que os juros só cairão de forma estrutural se o parcelamento for restrito.

Não há consenso a respeito disso. Em artigo no Valor (18/9), o ex-presidente do BC Gustavo Loyola diz que o parcelado sem juros pode ser considerado um herdeiro do cheque pré-datado, que se tornou um instrumento de pagamento à vista em título de crédito a prazo pelas distorções do mercado. Segundo ele, praticamente metade das compras com cartões de crédito é feita no parcelado sem juros. Rebate a afirmação de que, ao descontar os recebíveis, o lojista paga juros que remuneram as instituições financeiras pela operação. Salienta que o risco de crédito é sempre tomado pelos emissores dos cartões ou instituições a eles ligadas, independentemente de terem concedido ou não adiantamento aos lojistas.

Os dados mais recentes do BC, referentes a agosto, registraram que a taxa do rotativo do cartão estava em 445,7% ao ano em comparação com 57,7% ao ano na média do crédito com recursos livres. A inadimplência nessa linha chega a 49,5% em comparação com a média de 6,1%. Não é de hoje que a taxa do rotativo é exorbitantemente alta. Por isso, desde 2017, quem fica no rotativo por mais de 30 dias migra automaticamente para um parcelamento, cuja taxa em agosto era de 194,5%, a segunda mais elevada da oferta com recursos livres.

Em agosto, o volume do rotativo era de R$ 75,4 bilhões, o equivalente a 4% do crédito total em recursos livres, de R$ 1,9 trilhão. Segundo a Abecs, três quartos do dinheiro movimentado pelo cartão é pago no vencimento da fatura e apenas um quarto é pago a prazo. Para alguns especialistas, porém, também a parcela paga no vencimento deveria ser considerada crédito, porque parte - metade, segundo Loyola - tem o pagamento parcelado. Daí a importância de se ouvir o consumidor nesse debate.

A discussão contábil, com bons argumentos de todos os lados, deixa de lado lógica elementar: não há o menor sentido, seja qual for a linha de crédito, cobrar hoje perto de 500%, quando a inflação é de 5%. É algo que o BC deveria coibir, exigindo uma solução civilizada para o problema. Tabelar é saída que manteria as distorções. As bandeiras, que usaram como marketing o não pagamento em 45 dias nos cartões, poderiam pagar o ônus de uma solução equilibrada, que pode passar pela redução do prazo de quitação sem juros. A ginástica retórica dos bancos é pouco útil, se os devedores se sentirem, não sem razão, espoliados.

BC na mira, de novo

Folha de S. Paulo

Economia esfria e governo está longe de mostrar projeto crível de ajuste fiscal

Pela primeira vez em seis meses, economistas ouvidos regularmente pelo Banco Central diminuíram nesta semana a previsão para o crescimento do PIB deste ano, passando a estimá-lo em 2,9%.

O resultado se seguiu à divulgação do IBC-Br, índice da autoridade monetária considerado prévia do Produto Interno Bruto. O indicador caiu 0,77% em agosto em relação a julho, em recuo muito acima do projetado pelo mercado.

Na mesma direção, o Índice de Confiança do Consumidor da FGV-Ibre, que apura o humor das famílias em relação à economia e sua propensão ao consumo, cedeu 3,8 pontos em outubro, após quatro meses de altas consecutivas.

Os dados não sinalizam uma freada, mas desaceleração que pode ter maiores consequências a médio prazo, pois há quatro meses a arrecadação do governo federal, em grave crise fiscal, está em queda. Quanto mais a economia esfriar, pior para as contas públicas.

Boa parte do crescimento da atividade até o terceiro trimestre deveu-se, principalmente, ao dinheiro público despejado por Jair Bolsonaro (PL) no período eleitoral, ao desempenho da agricultura no começo do ano e aos gastos bilionários do governo Lula (PT) autorizados pelo Congresso na chamada PEC da Transição, de dezembro de 2022. Aparentemente, os efeitos desta gastança chegam ao fim.

Como resposta à desaceleração, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) ensaiou repetir a estratégia deletéria do início do ano de culpar o Banco Central e os juros altos para o combate da inflação. Recentemente, disse que Estados Unidos e Europa não estão buscando a todo custo baixar os preços para não "liquidar a economia real".

As declarações vieram um dia depois de o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmar que ainda há preocupações em relação ao equilíbrio das contas públicas. Segundo ele, sem o ajuste fiscal, a queda dos juros pode demorar.

Para complicar, consolida-se a percepção de que os juros nos EUA permanecerão elevados por um bom tempo, refletindo o aumento da dívida pública do país e sua necessidade de financiamento. Neste cenário, títulos do Tesouro americano atrairão dólares do mundo todo, elevando sua cotação e pressionado a inflação de países como o Brasil. Para o BC, é mais um obstáculo para a redução dos juros.

Anunciando novos gastos quase que diariamente, o governo Lula colocou, de forma irresponsável, todo o peso do ajuste fiscal no aumento da arrecadação, que se frustra. Outras ações nesta linha dependem do Congresso, mas são incertas perto do fim do ano legislativo.

Com a deixa de Haddad, parece questão de tempo para a volta dos ataques de Lula ao Banco Central.

Liberdade sem terror

Folha de S. Paulo

Progressismo precisa separar a causa palestina do radicalismo teocrático

Após o ataque brutal do Hamas a Israel, seguiu-se uma onda de protestos a favor da causa palestina não apenas no mundo árabe, mas em países do Ocidente, como Inglaterra, Alemanha, França e EUA.

A partir de uma versão do conceito de interseccionalidade, parte do campo da esquerda acredita numa espécie de comunhão na luta de todas as minorias contra um opressor comum universal.

Assim, feministas, LGBTQIA+ e demais progressistas deveriam se unir em torno de qualquer grupo que enfrente o colonialismo representado por Israel e pelos EUA.

Confunde-se, no entanto, uma demanda legítima —contra a opressão dos palestinos na região— com atos do Hamas, um grupo terrorista apoiado pela teocracia do Irã, que, de modo contumaz, viola liberdades individuais e direitos humanos que movimentos progressistas afirmam defender.

No último dia 22, a Justiça do país condenou as jornalistas Elaheh Mohammadi e Niloofar Hamedi a penas de sete e seis anos de prisão, respectivamente. As duas participaram ativamente da cobertura da morte de Mahsa Amini sob custódia da polícia moral iraniana em setembro do ano passado.

A jovem fora presa por violar o código de vestimenta, isto é, por não usar o véu da forma que as autoridades entendem ser a correta. Segundo a polícia, ela pereceu devido a doença preexistente, mas há claros indícios de que foi espancada. Uma série de protestos, muitos violentamente reprimidos, se seguiram à notícia da morte de Amini.

As acusações contra Mohammadi e Hamedi incluíram colaboração com os EUA e propaganda contra a República Islâmica, que poderiam render penas de prisão perpétua. Elas ainda podem recorrer.

ONGs de defesa da liberdade de imprensa classificaram o episódio como uma farsa e pedem a imediata libertação das jornalistas.

O caso não é isolado. Mais de 90 profissionais de imprensa foram presos ou detidos para interrogatório desde os protestos. Estima-se que quase 20 mil pessoas foram encarceradas; sete foram condenadas à morte e executadas.

Por isso é importante lembrar, neste momento, a real natureza da ditadura iraniana e de outras organizações de cunho teocrático radical como o Hamas. Elas não são amigas das mulheres, da comunidade LGBTQIA+, nem de nenhum grupo que preze pelas liberdades individuais garantidas por um Estado laico, democrático e de Direito.

Vem aí o novíssimo Ensino Médio

O Estado de S. Paulo

Espera-se que a partir de agora o País possa, enfim, ter um currículo definitivo ou ao menos um que seja mais duradouro, sem ser alterado ao sabor da ideologia do governo de turno

O Ministério da Educação (MEC) enviou ao Congresso um projeto de lei (PL) que reformula a Política Nacional do Ensino Médio. O PL revoga dispositivos da Lei 13.415/2017, que instituiu o chamado Novo Ensino Médio, e estabelece outras diretrizes para essa fase da aprendizagem. Vem aí, portanto, o “novíssimo” ensino médio, pouco depois daquele que era o “novo” ter começado a ser implementado no País, em 2022, até ser suspenso pelo ministro da Educação, Camilo Santana, em abril deste ano.

Espera-se que a partir de agora o País possa, enfim, ter um currículo definitivo para o ensino médio ou ao menos um que seja mais duradouro, sem ficar ao sabor da ideologia do governo de turno. É uma enorme insensibilidade submeter milhões de jovens já aflitos pela premência de ter de escolher uma carreira à insegurança de não saber nem sequer qual é a grade pedagógica que deverão seguir até prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e ingressar numa faculdade.

As mudanças propostas pelo MEC para a grade curricular do ensino médio, que decerto ainda refletirá as contribuições feitas pelos parlamentares, devem ser objeto de um debate iluminado pela técnica, não pela ideologia. Devem dar azo a uma concertação suprapartidária que leve em conta, em primeiríssimo lugar, o melhor interesse dos jovens estudantes, não as convicções ideológicas de parlamentares e membros do governo, sejam quais forem as suas afiliações políticas.

O ministro da Educação enfatizou que a proposta da pasta para o ensino médio “é fruto de ampla consulta e debate público, como devem ser os processos democráticos”. Camilo Santana acrescentou que, “na busca pelo consenso, o que nos une é a certeza de que nossa juventude merece mais oportunidades, com ensino médio atrativo e de qualidade”. Merece mesmo. Daí por que a grade curricular que se pretende mais moderna deve ser construída com muita cautela e não menos espírito público. Estará fadado ao fracasso o currículo que não privilegiar a técnica e as melhores práticas na área de educação.

Para o bem do País e dos cerca de 8 milhões de jovens matriculados no ensino médio, não há sinal, ao menos por ora, de que isso vai acontecer. O projeto de lei gestado no MEC, após a realização de audiências públicas que contaram com especialistas em educação e organizações da sociedade civil, traz melhorias ao projeto do Novo Ensino Médio aprovado em 2017, malgrado contribuir para a perpetuação do estigma negativo que marca o ensino técnico no Brasil, tratando essa modalidade, na prática, como menos importante do que a acadêmica. De toda forma, esse é um dos pontos que podem ser melhorados no Congresso.

Entre as mudanças positivas contidas no PL, a principal, não resta dúvida, é a retomada da carga horária de 2.400 horas para Formação Geral Básica, isto é, para as disciplinas comuns do ensino médio, como língua portuguesa e matemática. Não é incomum que jovens cheguem ao ensino superior, sabe-se lá como, sem serem capazes de acompanhar os estudos propostos pelos professores porque carecem de formação sólida em disciplinas elementares.

Outra boa medida é a retomada do ensino de disciplinas antes obrigatórias para todos os alunos do ensino médio, como sociologia, filosofia, artes e educação física, entre outras. De acordo com o texto, o ensino de espanhol também passará a ser obrigatório, o que faz sentido à luz da relação do Brasil com outras nações da América Latina. Além dessas mudanças, haverá uma reorganização dos “itinerários formativos”, que são chamados de Percursos de Aprofundamento e Integração de Estudos Propedêuticos, a fim de evitar o que o ministro Camilo Santana classificou como “dispersão”. Hoje são cinco e passarão a ser quatro, sendo obrigatória a oferta de ao menos dois deles por escola.

Essas mudanças no ensino médio são promissoras. Mas é importante ter em mente que, por melhor que seja, só uma reforma curricular não resolve os problemas crônicos da educação brasileira. Ainda é preciso ir muito além para superar o atraso de décadas que separa os estudantes brasileiros dos jovens das nações desenvolvidas.

A incoerência da política fiscal

O Estado de S. Paulo

Crescimento real das despesas primárias neste ano mostra a diferença entre objetivo e direção da política fiscal e a distância entre o discurso e a prática do governo e do Congresso

Cumprir a meta fiscal e resgatar o equilíbrio estrutural das contas públicas será um objetivo bem mais desafiador do que se espera. Sem alterar a dinâmica do gasto público ou reduzir a rigidez das despesas obrigatórias, o buraco no Orçamento não apenas não será coberto, como tende a crescer.

A edição mais recente do Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado traz uma reflexão importante sobre a diferença entre o objetivo e a direção na análise da evolução das despesas primárias no curto prazo. As metas expressas pelo novo arcabouço fiscal simplesmente não se coadunam com o comportamento do gasto público.

Em setembro, segundo a IFI, a despesa primária do governo central alcançou a marca de R$ 157,5 bilhões, um aumento real de 10,7% em relação ao mesmo mês de 2022. Os gastos previdenciários tiveram alta de 7,1%, um crescimento relacionado tanto ao crescimento no número de benefícios quanto ao aumento do salário mínimo. Desembolsos com pessoal e encargos sociais subiram 2,1%, em razão do reajuste dos servidores. Dispêndios obrigatórios com controle de fluxo, como o Bolsa Família, avançaram 49,7%, em parte porque o antigo Auxílio Brasil, em vigor até o ano passado, havia sido pago com crédito extraordinário.

Não foi um comportamento pontual. De janeiro a setembro, a despesa primária somou R$ 1,487 trilhão, alta real de 5,1% em relação aos nove primeiros meses do ano passado. Gastos com abono salarial e seguro-desemprego cresceram 7,3%; a complementação da União ao Fundeb, para bancar o piso dos professores da rede pública, avançou 10,6%; e o Bolsa Família aumentou 20,5%.

De janeiro a setembro, a maior redução nos gastos se deu nas despesas discricionárias, de 17,39%. Mas essa queda não significa cortes definitivos, mas apenas bloqueios orçamentários temporários e o cronograma de desembolsos dessa despesa, concentrada no fim do ano. Não é uma manobra nova. Diante da impossibilidade de mexer nos gastos obrigatórios, as despesas discricionárias costumam pagar o preço imediato da política fiscal – ao menos nos primeiros meses do ano.

Isso explica muito sobre o movimento que os parlamentares têm feito para segurar a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024. Entre os artifícios que o relator, Danilo Forte (União-CE), cogita adotar estão limites para o contingenciamento de emendas, um calendário para o pagamento dessas indicações e até a criação de um novo tipo de emenda impositiva – a emenda de liderança.

Para o ano que vem, o governo pressupõe que as despesas primárias serão mantidas praticamente estáveis, em 19,2% do Produto Interno Bruto (PIB), ante 19,1% neste ano. Tal projeção parte de premissas no mínimo questionáveis, como uma redução de 8% nos gastos previdenciários motivada por um pente-fino nos cadastros, operação cujo sucesso, segundo a IFI, é “crucial” para a materialização do cenário esperado pelo governo.

Não é apenas no comportamento das despesas que é possível perceber a diferença entre objetivo e direção da política fiscal. Há, na verdade, uma incoerência entre o discurso e a prática do Executivo e do Legislativo nesse tema. Quando as principais despesas da União crescem acima da inflação, não há maneira de dourar a pílula: é preciso aumentar a arrecadação para bancá-las e propor reformas para reduzi-las.

O governo fala em recuperar receitas, o que dá na mesma, mas suas medidas para taxar fundos exclusivos e offshore e para acabar com a dedutibilidade dos juros sobre capital próprio (JCP) repousam no mesmo Congresso que deu aval ao arcabouço fiscal. Até agora, o plano de caça dos jabutis tributários do ministro Haddad não saiu do papel, mas o Legislativo trabalha intensamente para mantê-los e até ampliá-los na reforma tributária.

Assim, resta ao governo recorrer aos tradicionais contingenciamentos, que retroalimentam o desgaste na relação com o Legislativo, e torcer para que o Congresso não cumpra a ameaça de engessar ainda mais o Orçamento por meio das emendas parlamentares. Até quando?

Retrocesso na Petrobras

O Estado de S. Paulo

Proposta de mudança no estatuto fura a blindagem que impede ingerência política na empresa

O baque do valor da Petrobras na bolsa após o anúncio da aprovação de mudanças no estatuto pelo Conselho de Administração não foi à toa. Mais do que o temor de ganhos menores na distribuição de dividendos, o mercado financeiro enxergou o retrocesso embutido na medida. O atual comando da petroleira prepara a abertura de um buraco na blindagem da empresa para liberar a passagem da ingerência política e sua deturpada estratégia de fazer da Petrobras um instrumento a serviço dos interesses do governo.

Alterar o estatuto reformulado há seis anos para dotar a companhia de parâmetros rigorosos de governança diante dos estragos escancarados pela Lava Jato é, por si só, uma atitude controversa. O fato de ocorrer durante um governo petista, mesma gestão que esteve na origem do escândalo que transformou a Petrobras em vítima de um dos maiores casos de corrupção do mundo, piora a situação. Por fim, pinçar no estatuto artigos que cercam de cuidados a escolha dos administradores responsáveis pela condução da empresa deixa patente o caráter político da medida.

Aprovado em abril de 2017, o estatuto seguiu as diretrizes da Lei das Estatais, sancionada no ano anterior. Além de filtrar indicações de integrantes do Conselho de Administração e diretoria executiva, exigindo, por exemplo, quarentena para líderes partidários e sindicais e excluindo a possibilidade de participação de integrantes do governo, o novo regulamento tornou explícita a responsabilidade individual de conselheiros e diretores por atos que, de alguma forma, acarretem prejuízos à empresa.

A triste realidade brasileira revela que estatais sempre estiveram à mercê de uso político, seja para promover compadrios, favorecer esta ou aquela região com obras – necessárias ou não – ou adotar estratégias que tragam retorno político e/ou financeiro aos apadrinhados. A Lei 13.303, ou Lei das Estatais, procurou resguardar minimamente essas empresas padronizando procedimentos de contratação e adotando novas modalidades de licitação pública.

Misto de estatal e empresa privada, a Petrobras ficou no meio do caminho, mas procurou, por via estatutária, adequar-se à nova realidade. Recorre, porém, a inúmeros artifícios para driblar as obrigações. A mudança na política de preços é uma delas. Em maio, numa confusa explicação, o presidente da empresa, Jean Paul Prates, disse que não haveria mais paridade internacional, as referências do mercado seriam o custo alternativo do cliente e o valor marginal da Petrobras. Noves fora, o critério de reajuste passou a ser desconhecido. E não há como desvincular a ingerência na política de preços dos prejuízos amargados por quatro anos a partir de 2014.

Outro estratagema permitiu a nomeação de dois conselheiros que haviam sido rejeitados pelo órgão interno de governança. Uma liminar do então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, em decisão monocrática, permitiu que a norma fosse driblada. Agora, com o novo estatuto, o comando da Petrobras pretende perpetuar a firula.

Guinada de 180º na educação

Correio Braziliense

Sem desfavorecer as universidades federais e as demais etapas do ensino, o governo federal está focado na educação básica, a fim de reduzir o analfabetismo entre as crianças e a evasão escolar. Hoje, o analfabetismo é realidade para cerca de 32 milhões de crianças

Levantamento recente — "Education at a Glance 2023 —, feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), revelou que os investimentos do Brasil no ensino superior chegam à média dos países desenvolvidos. Em contrapartida, são três vezes menores em relação à educação básica. Uma discrepância que fica ainda mais acentuada com um histórico de descontinuidade de investimentos no setor. Sem desfavorecer as universidades federais e as demais etapas do ensino, o governo federal está focado na educação básica, a fim de reduzir o analfabetismo entre as crianças e a evasão escolar. Hoje, o analfabetismo é realidade para cerca de 32 milhões de crianças.

Entre 2019 e o ano passado, mais do que dobrou o número de crianças entre 7 e 9 anos que não sabem ler, segundo estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma das causas dessa triste realidade foi a pandemia da covid-19, que eclodiu no início de 2020 e impôs o isolamento social. Escolas foram fechadas, a educação a distância não foi acessível a todos, entre outras dificuldades que romperam com a normalidade no processo educacional, bem como em todos os setores e na vida dos brasileiros. Outra razão foi o desmonte do Ministério da Educação nos últimos quatro anos.

Em entrevista ao Correio, o ministro Camilo Santana coloca a alfabetização das crianças, na idade certa, como a etapa mais importante do ensino. Segundo ele, uma criança que não aprende a ler e a escrever terá seu ciclo escolar comprometido. O ministro acrescenta que esse é também um dos motivos da evasão escolar, da distorção idade e série, do aumento do abandono e da reprovação. Para vencer esse desafio, o ministro cita o diálogo com os governos estaduais e municipais; os programas sociais, como Bolsa Família, Primeira Infância e outros exemplos cunhados da sua experiência como governador do Ceará. Os avanços conquistados pelo Ceará na educação, colocou o estado como exemplo a ser seguido por outras unidades federadas.

Mas, além dessas medidas, a educação em tempo integral ganha posição de destaque na revisão da política educacional do país. O propósito é tornar a escola um ambiente atraente para crianças e jovens, oferecendo não só o conteúdo da grade curricular, mas também alimentação, atividades criativas, esportivas, culturais e acesso ao mundo do virtual. Na visão do ministro, trata-se de uma política de segurança e de prevenção da violência. O modelo prevê que, no ensino médio, as escolas ofereçam ensino técnico, atendendo a uma demanda dos jovens.

A estratégia do governo, sustentada no tripé alfabetização, escola de ensino integral e conectividade tem fortes indicativos que poderá suprir as necessidades do país. Uma mudança de 180º em relação ao que vinha sendo projetado em governos passados. Nesse aspecto, a política de educação não pode ser de autoria desta ou daquela administração. Mas instrumento indispensável para a erradicação das mazelas sociais e econômicas que envergonham o país.

Impõe-se como importante que os bons resultados alcançados se tornem política de Estado, dissociada de matizes ideológicos e partidários. Está mais do que comprovado que a educação, em todos os níveis, é o pilar do desenvolvimento de um país. Aos 523 anos, o Brasil está atrasado. No cenário internacional, ainda é visto como país em desenvolvimento, quando poderia, há muito, estar no patamar das nações desenvolvidas.

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