quarta-feira, 4 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Congresso tem de barrar emenda que fere papel do STF

O Globo

PEC estabelecendo possibilidade de Parlamento rever decisões da Corte criaria desequilíbrio entre Poderes

Precisa ser rechaçada de imediato a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 50/2023, protocolada no fim de setembro na Câmara. A PEC, de autoria do deputado Domingos Sávio (PL-MG), pretende alterar o artigo 49 da Constituição para permitir ao Congresso, mediante maioria de três quintos nas duas Casas, “sustar decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que tenha transitado em julgado e que extrapole os limites constitucionais”. Trata-se de iniciativa descabida, que só encontra paralelo em regimes autocráticos ou nas tentativas de involução para autocracia.

A Constituição do Estado Novo, ditadura de Getúlio Vargas, estabelecia a possibilidade de o presidente da República submeter decisões do Supremo que não lhe agradassem a um Congresso dócil, onde elas poderiam ser derrubadas por maioria de dois terços. O expediente servia para emprestar legalidade a arbítrios do Executivo. Numa democracia, mecanismos do tipo introduzem um desequilíbrio evidente na relação entre os Poderes republicanos. Basta ver a revolta despertada por um dispositivo semelhante proposto na reforma judicial do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, depois obrigado a recuar diante da rebelião popular. Ou a controvérsia em torno desses mecanismos nas raras democracias onde se atribui ao Legislativo algum poder de rever decisões da Justiça, como Canadá ou Austrália.

A Carta de 1988 é clara ao estabelecer que compete exclusivamente ao STF o dever de interpretar a constitucionalidade das leis e de decisões da Justiça. No equilíbrio que ela estabelece entre os três Poderes, o Judiciário não pode legislar, e o Legislativo não pode aplicar as leis a casos concretos.

Programa para segurança pública exigirá persistência do governo federal

O Globo

Iniciativa é positiva por traduzir atitude responsável, mas é apenas a semente de um projeto duradouro

Os indicadores de segurança pública continuam a envergonhar o Brasil. A taxa de homicídios até caiu nos últimos dez anos, mas continua elevada: 23,4 por 100 mil habitantes. Esse índice na Zona do Euro é 1. Nos países árabes, 4. No mundo inteiro, a média é 6. No ranking das sociedades mais seguras do Instituto de Economia e Paz, o Brasil é o 150º classificado entre 163 países. Estamos mais próximos do Afeganistão, o pior colocado, que do Chile, país mais seguro na América do Sul. Os maiores responsáveis pela situação são organizações criminosas com ramificações internacionais, que ameaçam o Estado de Direito. Mas há também décadas de políticas públicas ineficazes no combate ao crime.

Na semana passada, bandidos lançaram uma bomba dentro de um ônibus em plena Avenida Brasil, principal acesso à cidade do Rio. O Fantástico divulgou imagens de aulas de tática de guerrilha dadas por traficantes no Complexo da Maré. Na Bahia, uma disputa entre grupos criminosos rivais, agravada pela violência policial, desencadeou uma escalada de mortes. Diante desse quadro, o ministro da Justiça, Flávio Dino, lançou nesta semana o programa Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc), com apoio do governador do Rio, Cláudio Castro.

O Enfoc terá, segundo Dino, cinco eixos: integração institucional e informação; eficiência policial; portos, aeroportos, fronteira e divisas; eficiência da Justiça criminal; e cooperação entre os entes federativos. A promessa é que serão investidos R$ 900 milhões até 2026. Em resposta aos episódios recentes, Dino falou em R$ 247 milhões destinados ao Rio e R$ 20 milhões à Bahia. Também assinou autorização para envio ao Rio de 300 agentes da Força Nacional e 270 policiais rodoviários federais.

A iniciativa é positiva porque revela uma atitude responsável do governo federal, ao se colocar no papel de indutor e organizador de políticas de segurança pública. Embora a Constituição determine que a responsabilidade primordial por ela é dos estados, só a União pode desenhar os programas com escopo nacional necessários para enfrentar grupos criminosos que atuam sem levar em conta qualquer fronteira. Parte do fracasso das últimas décadas pode ser atribuída à omissão federal ao longo de vários governos.

O Enfoc cobre as áreas corretas, mas a pequena quantidade de recursos desperta receios. O plano apresentado carece de detalhes e não tem apoio de um ministério exclusivamente dedicado ao tema. Soluções eficazes não virão apenas da chegada de reforços nem do anúncio de mais dinheiro. O Enfoc precisa ser a semente de um projeto duradouro, que não deve ser abandonado como aconteceu outras vezes. Para ter mais chance de sucesso, precisará ser detalhado e obter maior apoio institucional. Sem um trabalho persistente e abrangente, o Brasil continuará suscetível às ações de criminosos — e um dos países mais inseguros do mundo.

Alta de juros longos nos EUA inquieta mercados

Valor Econômico

Com o ciclo de alta de juros nos EUA perto do fim, é pouco provável que as taxas dos T-bonds disparem

Os mercados levaram agora a sério os vários sinais, dados durante meses, de que os juros altos seriam mantidos por mais tempo do que o previsto nos Estados Unidos, devido à relutância da queda da inflação em ritmo adequado rumo à meta de 2%. A previsão dos membros do banco, em sua mais recente reunião, de que uma nova alta de 0,25 ponto no juro poderia ser necessária antes do encerramento do ciclo de altas deu ao prognóstico de aperto prolongado uma dose de veracidade. Os juros de longo prazo dos títulos do Tesouro quase não pararam de subir desde então. Ontem, o papel de 10 anos atingiu 4,78%, maior taxa desde 2007. Os mercados estão nervosos, as bolsas caindo e as moedas se desvalorizando em relação ao dólar. Há boas chances, porém, de que a alta dos juros de longo prazo não terá vida longa.

Há vários fatores intervindo para a alta. O primeiro é o forte aumento da dívida dos EUA. O déficit encostou em US$ 1 trilhão no ano fiscal de 2022 e dobrará para US$ 2 trilhões no atual, chegando a 7% do PIB, algo incomum para o país fora de períodos recessivos. Os juros longos tendem a subir na ausência de uma política estimulativa do Fed - que está indo no caminho contrário e elevando o custo do endividamento público.

Vai na mesma direção a enxurrada de emissões de títulos do Tesouro, após as sucessivas disputas no Congresso sobre a elevação do limite de endividamento do governo. No trimestre encerrado em setembro, o Tesouro emitiu US$ 1 trilhão. Ao mesmo tempo, o Fed prossegue com seu aperto quantitativo, vendendo mensalmente US$ 60 bilhões em títulos do Tesouro e US$ 35 bilhões em papéis lastreados em hipotecas. O aumento da oferta derruba o preço dos papéis, mas eleva seus juros, pois ambos caminham em direção oposta. Há ainda algum recuo na demanda por parte dos principais compradores dos títulos, os governos da China e Japão, ambos às voltas com pressões de desvalorização sobre suas moedas.

Além disso, no início de agosto a Fitch rebaixou a nota de crédito dos EUA pelo aumento forte e constante da dívida americana. Não é implausível que a radicalização da disputa política entre democratas e republicanos, às voltas mais uma vez com a possibilidade de paralisação dos serviços do Estado (shutdown), tenha acrescentado algum prêmio de risco aos títulos soberanos do país - que tinham risco zero -, o que contribuiria para a alta dos papéis.

Outra hipótese é a reprecificação feita pelos investidores, que, otimistas, contavam com corte acelerado dos juros dos fed funds no ano que vem. Agora, projetam apenas um par deles, com as taxas estimadas entre 4,75% e 5%. Mais uma possível explicação é a perspectiva de que a economia realizará de fato um pouso suave, com a inflação declinando sem que a economia passe por uma recessão - na verdade, realizando uma breve desaceleração para retomar o ritmo de crescimento. O aumento de postos de trabalho não preenchidos acima das expectativas (9,6 milhões) divulgado ontem mostra que a economia segue vigorosa e reforça a hipótese de manutenção de aperto pelo Fed. Com a retração global, puxada pelo crescimento menor da China, arrastando as principais economias da Ásia, e da zona do euro, e elevação mundial do preço do petróleo, a volta por cima da economia dos EUA não parece o cenário mais provável.

Além de tudo, em nenhum momento do ciclo de alta de juros executado pelo Fed a inflação de longo prazo ficou desancorada, situação que justificaria taxas mais altas dos T-bonds.

Seja quais forem as causas, a alta dos juros de longo prazo diminuiu a atratividade de papéis de países endividados, como os emergentes e alguns desenvolvidos, como Itália, trazendo para os papéis do Tesouro americano fluxos de capitais internacionais em busca de rendimento. Esse movimento valoriza o dólar, o que é um problema para a maioria dos países que, como o Brasil, têm ainda a inflação distante das metas e que estão em ciclo de corte de juros, encurtando o diferencial de taxas vis a vis à americana.

Só há problemas graves à vista se as taxas de juros longas nos EUA continuarem subindo por um bom tempo e a desvalorização das moedas diante do dólar for intensa. Isso aumentará os preços domésticos pelo repasse cambial, diminuirá o fluxo de recursos externos para pagamento das dívidas e piorará o balanço de pagamentos.

O Brasil está em boa posição para suportar turbulências financeiras. Até agora, apesar de ter perdido valor diante do dólar nos últimos dias, o real ainda tinha se valorizado 4,1% diante da moeda americana (até dia 2 de outubro) e variado -0,73% no mês. Até o fim de agosto, a saída líquida de US$ 17,2 bilhões no câmbio financeiro no ano foi compensada pelo saldo do câmbio comercial, uma enormidade: US$ 39,5 bilhões. Captações externas tendem a ficar mais caras se os prêmios de risco subirem, mas isto até agora não ocorreu. O CDS, que mede o risco de calote, estava em queda até ontem.

Com o ciclo de alta de juros nos EUA perto do fim, é pouco provável que as taxas dos T-bonds disparem e que o movimento de elevação seja algo mais que temporário.

O teste do Desenrola

Folha de S. Paulo

Aprovado pelo Congresso, programa passará pela etapa da adesão de devedores

programa de renegociação de dívidas patrocinado pelo governo federal tem surtido efeito até agora.

Criado por medida provisória e recém-aprovado pelo Congresso, o Desenrola Brasil incentiva bancos a refinanciarem dívidas de pessoas físicas e credores —instituições financeiras, serviços de utilidade pública e empresas de varejo e serviços em geral— a oferecerem descontos para débitos inscritos no cadastro de inadimplentes.

A adesão ao programa pode ser feita em duas faixas. A faixa 1 pode atender a devedores com renda de até dois salários mínimos (R$ 2.640 mensais) ou a inscritos no Cadastro Único de Programas Sociais (CadÚnico), excluídos débitos com garantia real e de crédito rural ou imobiliário.

Nesse caso, os credores ofereceram as dívidas em leilão, no final de setembro, no sistema do Desenrola. Aqueles débitos com maior desconto foram selecionados para a etapa do programa que conta com garantia de até R$ 8 bilhões do Fundo Garantidor de Crédito (FGO), com recursos do Tesouro —o uso de dinheiro público é um aspecto problemático.

Escolheram-se dívidas no total de R$ 151 bilhões, com desconto de R$ 126 bilhões (83% de redução média) para cerca de 21,5 milhões de CPFs. Segundo a Serasa, a inadimplência cadastrada no país era de R$ 355 bilhões em agosto.

Até aqui, o elevado percentual de desconto oferecido é a melhor notícia para o programa.

De 9 de outubro a 31 de dezembro, os devedores que se inscreverem no Desenrola e tiveram dívidas contempladas poderão pagar as contas em prestações de 2 a 60 meses, com juros de até 1,99% ao mês e parcela mínima de R$ 50. O valor médio das dívidas, depois do desconto, ficou em R$ 421.

No total, houve ofertas de desconto para 32,3 milhões de CPFs. No caso das ofertas não selecionadas, não há garantia do FGO, mas o devedor pode pagar a dívida pelo desconto oferecido no leilão, à vista, com recursos próprios.

A faixa 2 do programa começou em julho, para devedores com dívidas de até R$ 20 mil com bancos, em negociação direta entre as partes. O incentivo eram facilidades tributárias para instituições financeiras. Até 29 de setembro, foram renegociadas dívidas de 1,79 milhão de clientes, no total de R$ 15,8 bilhões.

O teste maior e final do Desenrola terá início na próxima semana. Então será possível verificar se os devedores vão se inscrever no programa a fim de obter os descontos oferecidos —isto é, se terão disposição e capacidade de pagar.

Privatize-se

Folha de S. Paulo

Greve política em SP reforça motivos para vender estatais sob regulação eficaz

A greve desta terça (3) nos trens de Metrô e CPTM, que circulam sobretudo na capital paulista, e na Sabesp teve a motivação apenas política de opor-se a planos do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de privatizar as empresas.

Assim como ocorrido em março, quando o metrô não circulou por 34 horas em ato por reivindicação salarial, o ir e vir na capital foi drasticamente prejudicado: ônibus apinhados, engarrafamentos, longas e caras esperas por carros de aplicativo, ausências no trabalho e suspensão de aulas.

Os grevistas descumpriram a determinação judicial que exigia 100% do contingente trabalhando no horário de pico e 80% nos demais períodos. O Estado democrático de Direito implica obediência a decisões da Justiça não só quando elas oneram adversários políticos.

São Paulo já convive com gestões privadas no transporte público. São 2 das 6 linhas do Metrô e 2 dos 7 ramais de trens da CPTM.

Se a intenção dos grevistas era chamar a atenção da população para eventual piora dos serviços com as privatizações, o efeito tende a ser o oposto. As quatro linhas administradas pelo mesmo grupo empresarial privado não aderiram ao movimento paredista, assim como em manifestações anteriores.

Ao contrário do que ocorre no metrô, os ramais concedidos da CPTM enfrentam falhas desde que deixaram o comando estatal, e mais uma vez um deles parou por problema técnico nesta terça. Era deficiente o cardápio de exigências na concessão, o que precisa ser consertado depressa.

O que interessa num serviço público é ele atender aos cidadãos de modo eficiente, universal e ao menor custo possível. O setor público brasileiro deu reiteradas mostras de inaptidão para essa tarefa, por exemplo na vergonhosa cobertura do saneamento que companhias estatais legaram ao país

Clientelismo, aparelhamento político, inchaço salarial, aversão à inovação, ojeriza à otimização de custos e corporativismo são algumas das chagas que explicam esse fracasso histórico. As empresas controladas pelo governo paulista ora alvo da greve não estão imunes a esses e outros vícios.

Por isso a privatização de Sabesp, Metrô e CPTM é um caminho promissor para elevar o nível de serviços aos cidadãos a que essas companhias servem, num regime tarifário justo e acessível.

Resta saber se a gestão Tarcísio estará à altura do desafio de apresentar modelagem eficiente, capaz de convencer com argumentos técnicos das vantagens econômicas e sociais da privatização.

Responsabilidade com a segurança pública

O Estado de S. Paulo

O tema é prioridade nacional, mas governo Lula o trata como se fosse mera questão política. Criação de uma pasta específica significaria insistir em olhar equivocado sobre o problema

A segurança pública é uma área especialmente sensível para a população. Ao mesmo tempo, sempre foi desprezada pelo PT, que, com sua visão enviesada e ideológica do problema, acha que a prevenção e o combate à criminalidade são sinônimos de truculência a serviço das elites nacionais, e não um assunto essencial para a vida de todos. Segundo a lógica petista, bastaria o Estado cuidar da educação e da saúde que a violência se resolveria num passe de mágica.

Diante desse histórico, é natural que haja especial pressão política para que o governo Lula cuide da segurança pública. Nas últimas semanas, o tema ganhou destaque em razão de situações especialmente graves na Bahia – com altíssimas taxas de letalidade policial – e no Rio de Janeiro – com extensas áreas dominadas por facções. Mas, verdade seja dita, a questão da segurança pública não é uma crise em alguns Estados. Ela afeta todo o País. Recente pesquisa do Instituto Atlas mostrou a segurança como a área com pior avaliação no governo Lula.

Nesse cenário de insatisfação por parte da população – e pressionado politicamente para apresentar algum resultado –, o ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou o programa de Enfrentamento às Organizações Criminosas, com a previsão de investimento de R$ 900 milhões ao longo dos próximos três anos.

Ainda que haja pontos positivos – como o incentivo à integração das polícias e às atividades de inteligência no combate aos grupos criminosos –, o programa é bastante genérico e não enfrenta as causas das crises. Pior: expressa uma visão de fundo equivocada, como se segurança pública fosse apenas uma questão de mais polícia (e como se a própria polícia não fosse, muitas vezes, parte do problema).

O País está cansado de respostas populistas na área de segurança pública, respostas essas que não enfrentam e ainda agravam o problema. Basta ver a questão do encarceramento massivo de jovens por tráfico de drogas, em processos com baixíssima qualidade investigativa. Prende-se muito, mas prende-se mal. O efeito é conhecido: o Estado oferece continuamente novos contingentes de mão de obra às organizações criminosas nos presídios.

Outra resposta populista, criticada por este jornal, foi a intervenção federal na área de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, durante o governo de Michel Temer (ver o editorial Uma intervenção injustificável, de 17/2/2018). Passados cinco anos e meio da medida, vê-se com nitidez seu completo fracasso, bancado com os recursos de toda a Federação.

Logo após a intervenção federal no Rio de Janeiro, o governo Temer criou, por meio de uma medida provisória, o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, desmembrando-o da pasta da Justiça. Era a mesma compreensão populista acerca do problema, como se o que precisasse ser resolvido fosse uma questão política. Sob essa lógica, o decisivo era o governo aparentar preocupação com o tema.

Agora, uma vez mais surgem vozes pedindo a criação de um Ministério da Segurança Pública, como se a pasta pudesse representar, por si só, melhoria efetiva para a população. A segurança pública demanda políticas públicas responsáveis, implementadas e acompanhadas de forma coordenada com Estados e municípios ao longo do tempo. Basta de jogadas de marketing que invariavelmente insistem em ações espetaculosas e nem sequer tocam nas causas dos problemas.

Mais do que simples punição, segurança pública é prevenção, o que se relaciona diretamente com o cumprimento da lei e com o respeito ao Estado Democrático de Direito. O funcionamento das polícias, por exemplo, nunca é meramente operacional. Ele tem sempre forte dimensão institucional. Por isso, é muito recomendável que a segurança pública esteja sob a alçada do Ministério da Justiça.

As gravíssimas situações de crise atuais na segurança pública devem servir de alerta. Chega de populismo. É tempo de mudar a forma como o poder público enfrenta e previne a criminalidade. O tema demanda planejamento e responsabilidade.

Uma greve ilegal e antidemocrática

O Estado de S. Paulo

Caos gerado pela greve do Metrô e da CPTM revela truculência dos grevistas, que não respeitam direitos básicos dos cidadãos, e o despreparo do poder público para lidar com crises do tipo

Pela enésima vez, os paulistanos viveram um dia de caos ontem provocado pela greve unificada dos funcionários da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Ainda que fosse justa a reivindicação dos grevistas – o que não era o caso –, as categorias não poderiam causar tantos transtornos à população. Por ordem da Justiça do Trabalho, 100% do efetivo das duas companhias deveria estar operacional nos horários de pico (entre 6 e 9 horas e entre 16 e 19 horas) e 80% nos demais horários. Mas, mesmo com a fixação de multa de R$ 500 mil para cada um dos sindicatos em caso de descumprimento, a decisão judicial foi olimpicamente ignorada pelo movimento paredista. Para essa turma, os cidadãos que se danem.

Os grevistas cruzaram os braços em protesto contra estudos – por ora, apenas isso – conduzidos pelo governo estadual para privatizar o Metrô e a CPTM, além da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que também aderiu à paralisação. É difícil imaginar que a população, submetida à truculência de uma greve ilegal, haverá de se solidarizar com o pleito dos grevistas contrários à eventual privatização do transporte metroferroviário. Basta dizer que as linhas do Metrô (4-Amarela e 5-Lilás) e as linhas da CPTM (8-Diamante e 9-Esmeralda) que já foram concedidas à iniciativa privada permaneceram operando quase sem falhas durante a paralisação das demais. Mas talvez seja pedir demais esperar inteligência política ou, menos ainda, atenção ao interesse público de grevistas que não respeitam nem a Justiça.

Milhares de cidadãos tiveram de pensar em meios alternativos de transporte, a um custo financeiro muito alto, para cumprir seus compromissos profissionais ou pessoais. Deslocamentos por carros de aplicativo chegaram a custar o triplo do que custariam normalmente, de acordo com relatos de usuários dos trens e do metrô ouvidos pela reportagem do Estadão. Pessoas fotografando a entrada de estações do Metrô e da CPTM fechadas para enviar as imagens a seus empregadores viraram cenas comuns. Consultas e exames agendados pela rede pública de saúde para aquele dia terão de ser remarcados – sabe-se lá para quando. Em suma: um inferno para muitos paulistanos que não desejavam muito mais do que apenas uma terça-feira normal.

Além de ilegal, a greve simultânea dos funcionários do Metrô, da CPTM e da Sabesp é antidemocrática, pois não respeita a decisão da maioria dos eleitores paulistas que, ao votar em Tarcísio de Freitas (Republicanos) para o governo de São Paulo, escolheu um modelo de governança para o Estado que tinha entre suas premissas iniciar estudos de concessão de alguns serviços públicos à iniciativa privada, ou mesmo a privatização de empresas estatais. Não será à custa do bem-estar dos cidadãos, sobretudo desrespeitando acintosamente seus direitos básicos, como o de ir e vir, que os grevistas haverão de sustar a realização desses estudos. É bom enfatizar: nada está decidido ainda, o governo apenas anunciou análises de cenários para a eventual concessão dos serviços ou venda das estatais para a iniciativa privada.

Se, por um lado, a greve revelou a truculência de servidores mais ocupados com a defesa de uma agenda político-ideológica derrotada nas urnas do que com a qualidade do serviço que prestam à população de São Paulo, por outro, mostrou, mais uma vez, a incapacidade do governo estadual e da Prefeitura da capital paulista para lidar com a paralisação do modal de massa. Evidentemente, haverá transtornos em qualquer grande cidade do mundo que se veja privada de seus meios de transporte metroferroviário, seja por greves, panes ou intempéries. Mas o caos que se instala em São Paulo, sempre que isso acontece, é de outra ordem – é fruto de despreparo e da ausência de planos de contingência dimensionados para a demanda gigantesca da capital paulista.

É lamentável que tantos cidadãos tenham passado por tantos transtornos por uma greve para lá de abusiva. E, mais ainda, que não tenha sido pela primeira vez e nem tampouco pela última.

Manobra diplomática

O Estado de S. Paulo

Conselho de Segurança da ONU supera polarização e aprova envio de força multinacional ao Haiti

Em situação de paralisia desde a invasão da Rússia à Ucrânia, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou o envio de uma força multinacional ao Haiti sob o comando do Quênia no último dia 2. Não se tratará de uma operação clássica de paz e estabilização da ONU, mas de alternativa para remediar a violência descomunal de gangues contra a população civil. Nada indica o êxito pleno da missão no mais pobre do Hemisfério Ocidental, alvo de seis operações da ONU no passado. Porém, há de se ressaltar como notável o fato de ter havido uma primeira trégua nas trincheiras do Conselho em favor de uma causa emergencial.

O pedido do primeiro-ministro haitiano, Ariel Henry, de envio de missão das Nações Unidas dormia no Conselho de Segurança desde o ano passado. Solicitações como essa nunca vêm à toa e sem expectativa de resposta expedita. A deterioração do ambiente político, marcada pelo assassinato de seu antecessor, Jovenel Moise, em 2021, e a impossibilidade de realização das eleições previstas somaram-se ao terror promovido pelas gangues além dos limites de Porto Príncipe. O caos agravou-se neste ano, quando se registraram mais de 3.000 assassinatos e a fuga de 200 mil civis de suas casas, sob a inação de um Conselho travado pela polarização.

Deve-se a um esforço diplomático, no qual o Itamaraty teve ascendência, a manobra inédita de se constituir o Apoio de Segurança Multinacional (MSS na sigla em inglês) – uma operação policial e militar de países voluntários que não replica o modelo das 72 missões realizadas pela ONU desde 1948. A iniciativa do Quênia de conduzir o MSS no Haiti abrandou o potencial veto da China e da Rússia, que se abstiveram de votar.

O mandato do MSS no Haiti estará concentrado na preparação de forças policiais, na segurança de escolas e hospitais e na infraestrutura e, especialmente, na proteção aos civis. Já será um bom começo se o Quênia, criticado por abusos aos direitos humanos e uso excessivo da força em casa, respeitá-lo. A principal dúvida está no fato de o novo modelo desobrigar o país africano a se reportar à ONU.

O governo Lula da Silva decidiu corretamente não pôr a mão na massa desta vez. Embora jamais seja ignorado pelo Brasil, o Haiti já não habita sua área de influência. Se vier a participar do MSS, será pontualmente e com envio de poucos soldados, avisou o Itamaraty. O Brasil saiu escaldado dos seus 13 anos à frente da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah). Não se esquece que o apoio financeiro internacional, essencial para fomentar uma mínima estrutura econômica e social, não passou de promessa.

Fato é que, seis anos após o fim da Minustah, o Haiti não deixou a miséria e retomou o ambiente catastrófico que quase o expôs a uma guerra civil. Há quem questione se há salvação para o país caribenho. Também há os que veem com ceticismo a ação dos capacetes azuis da ONU nas últimas décadas. As discussões são válidas. Não aceitável seria a inação do Conselho de Segurança por mais tempo.

O desafio do deficit de moradias

Correio Braziliense

Mais de 16 milhões vivem em 11 mil favelas, 236 mil em situação de rua e 5 milhões abrigados em moradias irregulares

Com um deficit habitacional da ordem de 6 milhões de unidades, o Brasil convive ainda com cerca de 16 milhões de pessoas morando nas mais de 11 mil favelas existentes no país. Para completar, dados do Censo 2022 apontam que mais de 236 mil pessoas vivem nas ruas das cidades brasileiras. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam também que existem em todo o país mais de 5 milhões de moradias irregulares. São casas em favelas, invasões, comunidades e loteamentos irregulares sem acesso a saneamento básico e luz elétrica. Pelo menos um em cada mil brasileiros não tem onde morar.

Os números mostram a discrepância do cenário habitacional brasileiro e ganham destaque no Dia Mundial do Habitat, comemorado na última segunda-feira. A data, celebrada desde 1986, sempre na primeira segunda-feira de outubro, chama a atenção para o acesso a moradia adequada e como cuidamos de nossas cidades para as próximas gerações. Este ano, a organização Habitat para a Humanidade Internacional lançou uma campanha global para, em cinco anos, mudar políticas locais, nacionais e globais para que famílias que residem em assentamentos informais tenham garantia de moradia adequada.
No Brasil, o problema da moradia precisa ser atacado de forma mais firme.

A reativação do programa Minha casa Minha Vida agora ajuda a encaminhar o equacionamento de forma a amenizá-lo. Apenas neste ano, o programa já viabilizou 300 mil unidades. E no Orçamento do próximo ano o governo reservou R$ 13,7 bilhões para o Minha casa, valor mais de 40% superior ao deste ano. Em tese, serão mais unidades construídas. O governo também isentou das prestações dos imóveis as famílias que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Bolsa-Família. Ao custo de aproximadamente R$ 300 milhões, a iniciativa ajuda a estimular a busca pela casa própria pelos menos favorecidos e na outra ponta aumentando a oferta de imóveis.

O programa ajuda a resolver parte do problema e precisa ser visto como ação de estado para evitar interrupções ou o esvaziamento da política habitacional para a população de baixa renda, mas é insuficiente para dar conta de todas as necessidades habitacionais do país. Além disso, é preciso dar condições para a retomada firme do crédito imobiliário para classe média, a começar pela continuidade da política de redução da taxa básica de juros.

Necessidades habitacionais passam por questões de saneamento, mobilidade e até mesmo conforto. Claro que, para muitos, ter apenas um teto, um local para morar é mais do que suficiente, mas é importante que as ações focadas em moradia contemplem também aspectos que levem em conta investimentos em melhoria da qualidade de vida.

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