O tesouro frágil da democracia
Correio Braziliense
Desde a redemocratização nos anos 1980, o
país vem trilhando um caminho de progresso democrático
Em novembro, o Brasil completará 134 anos
como uma república. É uma história relativamente breve, em comparação com os
outros países do mundo. Principalmente quando se leva em conta que período mais
longo sem ditaduras da história do país é justamente o que vivenciamos, já que
o autoritarismo, infelizmente, não é uma novidade na história política
brasileira. Desde a redemocratização nos anos 1980, o país vem trilhando um
caminho de progresso democrático, ainda que com solavancos aqui e ali, mas
sempre com os civis no poder e os militares de volta aos quartéis – onde,
afinal, eles pertencem.
Por isso, preocupa a falta de posicionamentos e ações por parte das Forças Armadas em repúdio aos atos golpistas de 8 de janeiro, a maior ameaça à estabilidade democrática nas últimas décadas. À medida em que as investigações sobre a destruição impetrada por uma horda bolsonarista na Praça dos Três Poderes avançam, tem ficado claro a participação de setores do Exército, da Marinha e da Aeronáutica na trama.
Essas duras revelações deveriam ser
acompanhadas de uma condenação veemente dos envolvidos e de uma demonstração de
compromisso com a democracia. Em vez disso, parece que a cúpula militar decidiu
que o problema não é dela, quase como se estivesse tentando ignorar o ocorrido.
Essa aparente indiferença à gravidade dos eventos de janeiro é inquietante.
Tratar algo tão sério como corriqueiro é um sinal preocupante.
O mais surpreendente é o fato de que, em
apenas quatro anos, o país tenha chegado a esse ponto de naturalização de
discursos e ações antidemocráticas. A sociedade não pode permitir que a
anestesia das consciências tome conta da sociedade. Por isso, o julgamento dos
envolvidos no 8 de janeiro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido
marcante ao demonstrar o caminho que as instituições devem seguir no caso:
repúdio total e punições exemplares para os responsáveis pela tentativa de
golpe.
É possível que, diante da celeridade dos
julgamentos no STF, os comandantes estejam esperando alguma condenação para,
enfim, se pronunciarem e até punirem os militares que se envolveram na
tentativa fracassada de tomar o poder à revelia da população. Mas essa letargia
é um erro, que não só provoca uma corrosão constante na imagem das Forças
Armadas para a sociedade brasileira, como enfraquece a necessidade de todos os
setores da sociedade, incluindo os militares, trabalharem juntos para exercitar
e proteger a república.
A democracia é o alicerce sobre o qual o país vem sendo reconstruído lentamente desde o fim da ditadura militar, e é dever de todos protegê-la a todo custo. É preciso lembrar das lições do passado e compreender que a estabilidade democrática não é algo garantido, mas sim conquistado com esforço e vigilância constante. Por isso, é fundamental que as Forças Armadas brasileiras reafirmem seu compromisso com a Constituição e com os valores democráticos que sustentam a república. É preciso ter transparência e responsabilidade, condenando publicamente a tentativa de golpe e punindo com rigor e firmeza todos os que se envolveram no ato. Nossa história nos ensina que a democracia no Brasil não é um mero acaso: é um tesouro frágil, que vem sendo construído dia a dia pela sociedade, e, por isso, é preciso assegurar que ela continue a prosperar no país.
O Globo
Iniciativas para reduzir contribuição à
Previdência, ampliar e antecipar repasses agravarão quadro fiscal
Municípios têm avançado com volúpia sobre os
cofres da União. De um lado, têm aproveitado transferências diretas de
parlamentares a suas bases, por meio do mecanismo conhecido como “emenda Pix”.
Desde que foi criado, em 2020, os
repasses somaram R$ 6 bilhões, dos quais R$ 5,4 bilhões sem justificativa
apresentada, como revelou reportagem do GLOBO. De outro lado,
tramitam no Congresso iniciativas para irrigar os cofres municipais e estaduais
à custa do federal sem nenhum amparo na sensatez econômica.
A mais preocupante é o Projeto de Lei Complementar (PLP) 136/23, que tramita no Senado. Ele prevê criar e antecipar transferências da União a estados e municípios. Se aprovado, somará R$ 15,1 bilhões às despesas, elevando em cerca de 10% a estimativa de déficit primário para este ano — para R$ 160 bilhões, ou mais de 1,5% do PIB. É mais que o 0,5% prometido em janeiro ou o 1% agora tido como meta pelo governo.
O PLP 136/23 é um poço de bondades. O governo
Jair Bolsonaro mudou as regras do ICMS para produtos como combustíveis e
energia elétrica e vetou qualquer compensação. No governo Lula, o Ministério
Fazenda fez acordo com os governadores, validado pelo Supremo. Ficou
sacramentado que haveria compensação de R$ 27 bilhões, parcelados nos termos de
um projeto enviado ao Congresso. Por pressão dos prefeitos, que têm direito a
parte do dinheiro, o texto chancela a antecipação para este ano de R$ 10
bilhões previstos para 2024 (R$ 7,5 bilhões para estados e R$ 2,5 bilhões para
municípios). Ainda contempla a criação de despesas de R$ 1,6 bilhão para
estados e R$ 3,5 bilhões para municípios.
Os prefeitos defendem a benesse argumentando
que o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), canal de distribuição de
verbas da União, sofreu queda em julho (0,6%) e agosto (0,8%), em relação aos
mesmos meses de 2022. É verdade. Mas se esquecem de contar a história inteira.
Ao longo da década passada, o FPM distribuiu em média R$ 108 bilhões por ano
(em valores corrigidos). O montante transferido no ano passado foi de R$ 151
bilhões, 40% a mais. Em 2021, o valor também foi alto (R$ 134 bilhões).
Para completar, os municípios introduziram no
projeto que trata de necessária prorrogação da desoneração da folha de
pagamento de 17 setores da economia um dispositivo reduzindo a contribuição
previdenciária das prefeituras ao INSS. A medida não faz sentido, pois não há
potencial gerador de emprego, apenas uma perda anual de receita de R$ 9
bilhões, contribuindo para agravar o rombo da Previdência.
Se tivessem sido mais responsáveis no trato
do dinheiro recebido da União nos últimos anos, sobretudo sem aumentar gastos
com a folha de pessoal, os prefeitos estariam mais à vontade para lidar com os
efeitos do aumento do salário mínimo e do piso salarial de categorias como
enfermeiros ou professores. Não foi o que fizeram. Embora algumas prefeituras
enfrentem desafios, a situação está distante de uma crise que exija o socorro
da União.
Mesmo em tempos de vacas gordas, aprovar as
medidas seria um equívoco, por incentivar a gestão irresponsável. Com a
arrecadação federal em queda pelo terceiro mês consecutivo, não tem cabimento o
Senado querer antecipar pagamentos e aumentar gastos. Discursos e promessas de
responsabilidade fiscal do governo e do Congresso precisam ter reflexo nas
decisões.
Iniciativa inovadora em pontos de ônibus
inibe violência contra mulher
O Globo
Durante a noite, basta a passageira tocar a
tela para obter companhia remota e ser monitorada por câmeras
É louvável a experiência que começa a ser implantada
em pontos de transporte público nas cidades brasileiras com o objetivo de
aumentar a segurança de mulheres sozinhas durante as noites e madrugadas. O
projeto Abrigo Amigo é um aliado da passageira desacompanhada. Em caso de
necessidade, basta que ela toque numa tela para conversar com uma atendente que
lhe fará companhia — ainda que à distância — até o momento do embarque. Numa
emergência, a funcionária pode acionar equipes de segurança ou serviços de
saúde.
O projeto começou por São Paulo,
Campinas e Rio de
Janeiro. Painéis inteligentes que durante o dia veiculam anúncios se
transformam, das 20h às 5h, numa tela amiga. Com a ajuda de câmeras noturnas,
sensores, microfones e conexão com a internet, permitem comunicação com uma
central. O próprio equipamento detecta quando a passageira está sozinha no
ponto, e a tela exibe uma mensagem: “Você precisa de companhia até chegar o
ônibus? Peça agora”. Basta tocar a tela. Embora o foco sejam mulheres, qualquer
um em situação de risco pode usar.
Desenvolvido pela agência AlmapBBDO e pela
empresa Eletromidia, o projeto, chamado originalmente Guarded Bus Stop (pontos
de ônibus vigiados), começou a ser testado em abril em cinco abrigos de
Campinas. Em cinco dias de funcionamento, recebeu 150 chamadas por noite. Os
locais são escolhidos com base em estatísticas mostrando áreas onde há maior
probabilidade de crimes ou lugares mais desertos. Numa primeira fase, a ideia é
instalar 70 abrigos em São Paulo, 20 em Campinas, dez no Rio e, posteriormente,
expandi-los para outras cidades.
Os dados sobre violência contra
mulheres revelados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública são
estarrecedores. Em 2022, os registros de estupro no Brasil cresceram 8,2% (e
quebraram o recorde); os de assédio sexual 49,7%; e os de importunação sexual
37%. Segundo a pesquisa Percepções sobre Segurança das Mulheres nos
Deslocamentos pela Cidade, feita em 2021 pelos institutos Locomotiva e Patrícia
Galvão, 68% das brasileiras têm “muito medo” de sair sozinhas à noite, mesmo no
bairro onde moram (entre os homens, 44%). Pontos de ônibus são percebidos como
“nada seguros” por 51%, “um pouco seguros” por 40% e “muito seguros” por apenas
9%. A madrugada e a noite são os períodos em que as mulheres mais se sentem
vulneráveis nas ruas.
Para quem costuma ter apenas o medo como
companhia nas noites e madrugadas, o projeto inovador, que combina tecnologia,
criatividade e sensibilidade social, é um alento. A simples existência de uma
câmera vigiando o ponto de ônibus pode inibir determinados tipos de delito.
Espera-se que a iniciativa, ainda incipiente, ganhe apoio e possa ser levada a
outras cidades, privilegiando as áreas mais vulneráveis. E que a população
saiba zelar pelos equipamentos.
É preciso harmonia na divisão entre Poderes
Valor Econômico
Após a tentativa do então presidente Jair
Bolsonaro para minar as instituições, a última coisa de que o país precisa é de
uma disputa desagregadora entre elas
Há uma tensão latente entre os Poderes da
República, cujas manifestações são agora mais frequentes e que podem prejudicar
o funcionamento das instituições. Decisões e temas sob julgamento do Supremo
Tribunal Federal, provocado por demandas judiciais a que é obrigado a
responder, agastaram especialmente o Senado, que está desengavetando vários
projetos que limitam a margem de ação do Judiciário. A Câmara dos Deputados
ensaiou greve na quarta-feira, sob um sinal de obstrução do presidente da Casa,
Arthur Lira, que, fazendo coro aos partidos do Centrão, está descontente com os
negaceios do presidente Lula a respeito da entrega da Caixa Econômica Federal
para indicados de Lira e das legendas, além de outras sinecuras prometidas,
como a endinheirada Funasa.
O Centrão obteve dois ministérios na mudança
ministerial feita por Lula ainda há pouco: Esportes e Portos e Aeroportos. Lira
disse que o ingresso de membros do Republicanos e de seu PP na Esplanada
asseguraria votação favorável ao governo da base ampliada. Tem ocorrido o
contrário, enquanto os pedidos de Lira se avolumam. O nó atual é a entrega da
Caixa, com suas 12 vice-presidências, a algumas legendas. Escaldado pela
primeira tentativa de angariar amplo apoio partidário no Congresso, com a
entrega de postos à União Brasil que não se consubstanciou em votos no
plenário, o Planalto quer ver a aprovação de seus projetos principais - a
reforma tributária e a taxação de fundos offshore e exclusivos - antes de ceder
mais outra boa fatia de poder a Lira. A Funasa, um desaguadouro de emendas
parlamentares, cujo comando não está definido, compõe o imbróglio que faz com
que os trabalhos da Câmara andem mais devagar.
As iniciativas para elevar a arrecadação por meio da taxação de fundos de investidores de alto poder aquisitivo no exterior e outros que escapam do IR até a hora do saque, como os exclusivos, estão atrasados na tramitação em consequência da disputa com o Planalto. O governo conta com eles para impedir que o novo regime fiscal estreie com um fracasso, isto é, o resultado fiscal de 2024 passe muito longe do déficit zero prometido. O projeto relativo aos fundos offshore sequer teve relator designado até agora. O dos fundos exclusivos sofrerá mudanças e provavelmente integrará a mesma peça que a dos investimentos no exterior.
O Senado está conflagrado e dissipa energias
que poderiam ser produtivamente usadas no encaminhamento de questões
importantes para o país - a reforma tributária teve um atraso nas discussões,
por razões diversas, mas tudo indica que elas agora devem andar. Da reclamação
constante contra o que chama de ativismo judicial do Supremo, o Senado partiu
para a ação. No dia em que o STF concluiu julgamento rejeitando como
inconstitucional o marco temporal para demarcação de terras indígenas, os
senadores votaram a toque de caixa um projeto de lei reinstituindo-o.
Escolheram instrumento errado, porque precisariam para isso mudar a
Constituição, com base na qual o STF exerce sua função.
Será um entre vários choques com o Judiciário
a caminho. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tomou a iniciativa
de encaminhar uma PEC que criminaliza todas as drogas, em resposta à
descriminalização da maconha decidida pelo Supremo. O voto da ministra Rosa
Weber a favor da permissão do aborto a partir da quarta semana de gestação
provocou reação similar, com a intenção do Senado de votar legislação contra a
permissão do aborto, mesmo no caso dos anencéfalos. O Senado quer também
encurtar o mandato dos ministros do STF, hoje limitado à aposentadoria
compulsória aos 75 anos.
A Câmara fez algo mais drástico: elabora a
PEC 50/23, batizada de “PEC de equilíbrio entre Poderes”, que propõe a
derrubada, por maioria qualificada, de decisões do Supremo que extrapolem limites
constitucionais. Ela foi protocolada na quinta-feira na Casa, com a assinatura
de 175 deputados - como as medidas no Senado, grande parte dos signatários na
Câmara é da “base” governista.
A questão da divisão e harmonia dos Poderes não deveria ser tratada em clima de revanche e votações a toque de caixa que envenenam o ambiente político. Na democracia, cada Poder tem sua área de atuação e responsabilidades, que deveriam ser exercidas com autocontenção, clareza de propósitos e sem que um deles seja hegemônico. Após a tentativa do então presidente Jair Bolsonaro para minar as instituições, a última coisa de que o país precisa é de uma disputa desagregadora entre elas. O apropriado é que os representantes de Legislativo, Executivo e Judiciário se mantenham no estrito cumprimento de suas obrigações legais. Como disse o novo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, “incluir uma matéria na Constituição é tirá-la da política e trazê-la para o direito” - e nossa Carta abarca os mais variados temas. O jogo da democracia é este: a harmonia da divisão de poderes pressupõe conflitos, mas ao mesmo tempo a forma pacífica de resolvê-los. É o que tem garantido até agora o mais longo período democrático da história republicana.
Nem rosas nem fuzil
Folha de S. Paulo
Falta ao governo federal um plano estruturado
para a segurança pública no país
"Você não enfrenta crime organizado com
fuzil com rosas." A frase mal-ajambrada, sobre a situação calamitosa da
Bahia, foi proferida pelo secretário-executivo do Ministério da Justiça,
Ricardo Cappelli —cotado para substituir Flávio Dino, caso o titular da pasta
deixe o cargo para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal.
A fala peca pelo descomedimento e revela mais
que a falta de um programa de combate à grave crise de segurança pública em
curso no estado, sob a gestão do petista Jerônimo Rodrigues.
Só em setembro deste ano, mais de 50 pessoas
foram mortas pela polícia baiana, que segue o comando de governadores do PT
desde 2007. De 2015 para 2022, quadruplicou o número de mortes registradas como
"autos de resistência".
Em que pesem as idiossincrasias do contexto
baiano, como a alta histórica de mortes violentas e conflitos entre facções
criminosas, o fato é que o governo federal ainda não indicou
qual é o programa de segurança pública para o país.
Como avaliam especialistas, sobram ações
paliativas e faltam políticas devidamente planejadas.
Por trás da sopa de letrinhas das iniciativas
em curso —como PAS (Programa de Ação na Segurança), Pronasci (Programa Nacional
de Segurança Pública com Cidadania) e Susp (Sistema Único de Segurança
Pública)— estão operações especiais e ações pontuais, não um projeto efetivo de
mudança.
Programas culturais, distribuição de viaturas
e outros equipamentos e novas sedes da Casa da Mulher Brasileira estão entre as
ações realizadas até o momento.
Mesmo em áreas exitosas, como o controle de
armas, o avanço na prática tem sido lento. A transferência dos registros de
colecionador, atirador desportivo e caçador (CAC) do Exército para a Polícia
Federal deve ser concluída apenas em janeiro de 2025.
Também falta transparência sobre as medidas.
Na sexta-feira (27), Cappelli anunciou uma ação conjunta com o governo do Rio
de Janeiro no Complexo da Maré. Os pormenores não foram detalhados, exceto que
a Força Nacional de Segurança será convocada.
O Ministério da Justiça está prestes a
anunciar um plano nacional de combate ao crime organizado. O risco é repetir
erros passados, como gastar recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública com
diárias de agentes em operações ostensivas, sem investimento de longo prazo em
inteligência e controle da letalidade policial.
Insegurança é razão de insatisfação para 71%
dos brasileiros ouvidos pelo Datafolha. Nem rosas nem fuzil resolverão o
problema; planejamento e inteligência, sim.
Aperto prolongado
Folha de S. Paulo
Fed indica que juro cairá menos em 2024, o
que amplia incertezas no mundo e aqui
Tal como se observa no Brasil, a economia
americana vem mostrando dinamismo acima do esperado, desafiando prognósticos de
desaceleração ou recessão mesmo diante do aumento acentuado dos juros desde o
ano passado.
De fato, até agora não houve recaída
recessiva nos EUA —o Produto Interno Bruto deve crescer 2,1% neste ano e 1,5%
em 2024 , segundo as projeções mais recentes do Fed, o banco central do país.
Considerando também a desaceleração projetada
da inflação para 2,5% e 2,2% nos próximos dois anos, estaria configurado o
chamado pouso suave da economia almejado pela autoridade monetária.
Confiantes no sucesso de sua estratégia,
o Fed decidiu
manter a taxa básica de juros entre 5,25% e 5,5% anuais, mas
sinalizou a possibilidade de mais uma alta de 0,25 ponto percentual até o final
do ano. Além disso, o comitê apontou cortes menores em 2024 —apenas 0,5 em vez
de 1 ponto percentual.
A estratégia de manter os juros altos por
mais tempo do que se supunha antes é coerente com seus cenários, mas a
confiança crescente do Fed de que conseguirá garantir o controle da carestia
sem uma recessão pode ao final se mostrar excessiva e elevar o risco de eventos
mais negativos adiante.
Conforme o avanço dos preços perde ritmo, o
afrouxamento menor na prática significa que os juros reais poderão até subir
mais nos próximos meses. Há defasagens e incertezas sobre o impacto do aperto
já realizado.
Os juros estão ligados também ao déficit
público em alta. Neste ano o rombo nas contas do governo dos EUA deve dobrar
para US$ 2 trilhões. Credores demandam taxas mais altas, e preocupações com a
saúde orçamentária no longo prazo já levaram a um rebaixamento da nota de risco
do país.
A reação dos investidores à informação da
menor disposição do Fed a cortar juros foi imediata e forte, com valorização
adicional do dólar diante das moedas globais, queda das Bolsas de Valores e
disparada dos juros de longo prazo.
Outros fatores também contribuem para elevar
os riscos oriundos do quadro externo. A alta das cotações do barril de petróleo
para perto de US$ 100 e o foco dos investidores nos problemas da economia
chinesa sugerem um quadro global de dificuldades.
Também no Brasil houve desvalorização do real e aperto nos juros de longo prazo. Antevia-se espaço para que a taxa Selic caísse dos 12,75% atuais para 9% ao ano; agora, as apostas subiram para 10%.
Do lado certo da história
O Estado de S. Paulo
Relatório do TCU traz elementos que dão
segurança a senadores para se posicionar a favor da reforma tributária e
argumentos para aperfeiçoar o texto e estimular o crescimento econômico
O Tribunal de Contas da União (TCU) foi mais
um dos órgãos a manifestarem apoio à reforma tributária sobre o consumo,
atualmente em tramitação no Senado. O relatório da Corte de Contas, elaborado a
pedido do relator, Eduardo Braga (MDB-AM), traz ainda mais segurança aos
senadores sobre a necessidade de aprovar a proposta.
No Senado, o maior dos receios diz respeito à
governança do Conselho Federativo do IBS, imposto que substituirá o ICMS
estadual e o ISS municipal. Alguns governadores ainda temem perder autonomia
sobre aquela que é a maior fonte de recursos dos Estados, e manifestaram suas
preocupações aos senadores. Nesse sentido, as conclusões do relatório do TCU
podem acalmar todos.
O Conselho, segundo o tribunal, vai
fortalecer a Federação, acabar com a guerra fiscal, mitigar as
disfuncionalidades da tributação sobre consumo e contribuir para a redução das
desigualdades regionais. Não há qualquer elemento a indicar ofensa ao pacto
federativo. Ao contrário: cada Estado e cada município poderá fixar sua própria
alíquota, mas terá de aplicá-la para todos os bens e serviços, exceto os
expressamente beneficiados com o imposto reduzido.
De acordo com o TCU, o Conselho Federativo
vai dar mais eficácia à atuação dos fiscais regionais, garantir o princípio da
não cumulatividade, unificar normas, interpretações e procedimentos e assegurar
a distribuição da arrecadação entre os entes. O órgão atuará como gestor do
algoritmo de um sistema informatizado e processará a arrecadação, compensações
e distribuição de receitas de forma automática e não invadirá competências dos
fiscos estaduais e municipais.
O TCU também sugeriu aos senadores alguns
aperfeiçoamentos ao Conselho Federativo, como o estabelecimento de um órgão de
controle externo para fiscalizar suas atividades. Para o tribunal, o ideal
seria que isso fosse realizado por um órgão colegiado dos tribunais de contas.
O conjunto de contribuições do TCU traz luz a
um debate que, muitas vezes, é baseado menos na realidade e mais em mitos –
mitos plantados por quem tem interesse em manter tudo como está, sobretudo as
disfuncionalidades do sistema atual.
O manicômio tributário que vigora no País não
foi construído de uma só vez. Ao longo dos anos, setores trabalharam para
garantir regimes especiais, alíquotas reduzidas e isenções, conquistadas ora no
Planalto, ora no Congresso. Benesses criadas para serem temporárias se perpetuaram
ao longo do tempo. Distorções nunca corrigidas foram um incentivo para que
outros segmentos também buscassem tratamento especial.
Quem sofre com essas práticas é a sociedade,
que financia todas as benesses sem auferir maior crescimento econômico e menores
desigualdades como contrapartida. Nesse sentido, é muito relevante que o TCU
tenha firmado posição quanto à lista de setores e atividades que poderão vir a
ser beneficiados com uma alíquota reduzida na reforma tributária.
A sugestão da Corte de Contas é que esses
segmentos passem por uma avaliação anual, entre 2026 e 2033, para avaliar o
custo e o benefício das bondades a que terão direito. Com base nessa análise,
dez anos após a aprovação da reforma, em 2034, o Congresso deverá analisar a
pertinência de mantê-las ou revogá-las.
O TCU, por exemplo, calculou em R$ 70 bilhões
as perdas que União, Estados e municípios terão com a desoneração integral da
cesta básica. Estimou ainda que apenas R$ 4,5 bilhões desses gastos
beneficiariam os 10% mais pobres da população, enquanto os 10% mais ricos se
apropriariam de R$ 13,4 bilhões. É o tipo de política dispendiosa, mas que gera
resultados pífios no que diz respeito à redução da desigualdade.
O posicionamento da Corte de Contas é
corajoso, sobretudo em uma discussão contaminada por achismos. É também um
convite ao Senado para que cumpra suas funções e comece a revisar não apenas as
medidas que geram renúncias de receitas injustificáveis, mas também aquelas que
drenam gastos que poderiam ser mais bem direcionados. Como disse o TCU, não se
trata de um “jogo de soma zero”. É, na verdade, o que explica o baixo
desempenho de nossa economia.
O avanço do Estado bandido
O Estado de S. Paulo
Depois de arruinarem a democracia nas regiões
que dominam, as milícias do Rio agora dificultam a instalação de empresas de
transição energética. É o insulto que se soma à injúria
OPaís tomou conhecimento recentemente de que
as milícias do Rio de Janeiro estão dificultando a instalação de fazendas
solares na região metropolitana. Segundo reportou o jornal O Globo, as empresas
interessadas nesses empreendimentos informam que os milicianos estão cobrando
“mensalidade” em troca de “segurança” no local. Além disso, as empresas têm
sido obrigadas a contratar firmas de milicianos para a realização de serviços
como terraplenagem e alimentação. É evidente que poucos se dispõem a trabalhar
nessas condições.
É o insulto que se soma à injúria. No momento
em que o Brasil discute a necessidade de mudar sua matriz energética, adotando
fontes sustentáveis como energia solar, descobre-se que há regiões do País que
não são capazes de dar esse salto de modernidade porque vivem sob o tacão de
grupos mafiosos substitutos de um Estado ausente (e, não raro, cúmplice). E não
se trata de qualquer região remota, atrasada e distante do poder estatal, e sim
do coração do rico e moderno Rio de Janeiro.
Apesar de toda a estupefação que a notícia
causa, não chega a ser uma surpresa. A ascensão meteórica das milícias no Rio
fez com que, no curto espaço de quatro anos, de 2017 a 2021, o controle
territorial e populacional desses grupos paramilitares superasse a atuação de
facções armadas do tráfico de drogas, como mostra o Mapa Histórico dos Grupos
Armados no Rio de Janeiro. Impressiona o avanço desse “Estado bandido”, formado
basicamente por um exército de policiais e ex-policiais, com o conluio de
políticos que eles mesmos ajudam a eleger para acautelar sua operação ilegal.
O mapa, uma iniciativa do Instituto Fogo
Cruzado e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal
Fluminense, tenta suprir a lacuna oficial na elaboração de estatísticas tão
necessárias ao planejamento de uma política de segurança que de fato se preste a
tentar reprimir o avanço da criminalidade organizada.
As milícias são resultado, portanto, da
ausência do poder público. E “vendem” ao cidadão serviços como segurança,
transporte e habitação, que deveriam ser oferecidos pelo aparato estatal. Por
isso, apesar da indignação, não admira que os tentáculos milicianos se estendam
agora também aos investimentos do futuro, como a energia sustentável.
Agem neste caso como já atuam na
“intermediação” do fornecimento de energia elétrica, gás e TV a cabo, o infame
“gatonet”. E o fazem às claras, sem disfarces e sem serem perturbados. Também
por meio da intimidação, formam bolsões eleitorais e, em período de campanha
política, coagem eleitores a votar em candidatos que se transformam em seus
representantes nas Casas Legislativas. E o cerco se fecha. A milícia avança
sobre o Estado para que o Estado sustente o crime.
Assim, como escreveu Fernando Gabeira em seu
mais recente artigo no Estadão, as milícias já arruinaram a democracia nas
regiões que dominam, e agora partem para arruinar a transição energética.
Querem condenar seus feudos ao brutal atraso que perpetua seu poder.
Por ora, até onde se sabe, trata-se de um
problema circunscrito ao Rio de Janeiro, mas seria ingenuidade considerar que
isso vai continuar assim. O modelo miliciano tem potencial de se alastrar com a
velocidade de uma praga, como ocorreu, antes, com as facções de traficantes,
que deram origem a tantos outros “comandos” pelo Brasil afora. Até mesmo o
tráfico foi absorvido pela milícia, que passou a ser denominada “narcomilícia”.
E a quantidade de localidades reféns desses salteadores já é maior do que o
número de favelas do Rio dominadas pelo tráfico.
A eficiência das milícias na construção de
seu poder contrasta com a pusilanimidade das autoridades constituídas. É nesse
vácuo que a máfia prospera, deixando a vida de milhares de cidadãos à mercê do
arbítrio de marginais. A menos que o Estado brasileiro considere aceitável o
florescimento de uma estrutura de governo paralelo, alheia às leis pactuadas
democraticamente, é preciso que esses cidadãos tenham ajuda para recobrar seus
direitos e poder, junto com os demais compatriotas, participar do progresso do
País.
Protecionismo camuflado
O Estado de S. Paulo
União Europeia adota sobretaxa à importação
de sete insumos vinculada à emissão de carbono
A União Europeia tem se mostrado pródiga em
forçar seus parceiros comerciais a aderir a suas metas domésticas de redução de
emissões de gases do efeito estufa, em um movimento ancorado essencialmente no
protecionismo. Primeiro, com a imposição da Lei de Desmatamento em junho
passado. Agora, com a adoção do Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira
(Cbam, na sigla em inglês), Bruxelas subordina as importações de sete insumos a
sobretaxas de 20% a 35% se a produção ultrapassar seus limites ambientais. O
Brasil figura entre os dez exportadores potencialmente mais afetados, sobretudo
nos setores de ferro e aço.
Os instrumentos de verificação do Cbam
começam a ser aplicados em 1.º de outubro sobre as importações de ferro, aço,
cimento, fertilizantes, energia elétrica, alumínio e hidrogênio – lista a ser
expandida a partir de 2025. A cobrança de sobretaxas será efetivada no ano
seguinte. Em sua argumentação, Bruxelas alega equiparar as condições de
competitividade dos bens importados em seu mercado aos dos setores domésticos,
já sujeitos a custos adicionais pela emissão de carbono.
Na prática, a nova política comercial
contorna a queda na produção desses mesmos insumos no bloco, causada pelas
metas ambientais europeias, e o disparo das compras externas de insumos
registrados pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(Unctad). Brasil, Índia, China e África do Sul levantaram suspeitas sobre o
caráter protecionista do Cbam em debate na Organização Mundial do Comércio
(OMC) em junho passado.
Inquestionável é o fato de Bruxelas
aproveitar-se da paralisia do mecanismo de solução de controvérsias da OMC para
impor mundo afora seus padrões ambientais sob o peso do protecionismo clássico.
Certamente, está imune ao vexame das punições da organização. Mas torna-se
passível de retaliações unilaterais, que começam a ser desenhadas por países
afetados. A iniciativa não poderia ser mais penosa no atual cenário do comércio
internacional – em declínio, fragmentado e reorientado pelos grandes
importadores a fornecedores politicamente alinhados.
Como não bastasse, continua incerta a
contribuição do Cbam para a agenda de combate ao aquecimento global. A depender
do preço da tonelada de dióxido de carbono emitida, a ser definido por sua
burocracia, a União Europeia poderá até mesmo elevar suas emissões enquanto
exige cortes na produção de bens importados, segundo a Unctad. Tal aspecto
pernicioso foi tangenciado na OMC pelo Brasil e outros emergentes ao acusarem
Bruxelas de desdobrar sua própria obrigação de reduzir as emissões de gases do
efeito estufa sobre os países em desenvolvimento.
Fato é que nenhum país ou bloco, por mais poder e boas intenções acumulados, está acima das regras internacionais sobre comércio e meio ambiente. A agenda climática deve ser tratada com a maior responsabilidade por todos. Mas escorá-la no protecionismo camuflado e na partilha dos esforços ambientais com o resto do mundo é atitude vergonhosa que não pode ser tolerada.
A Folha demitiu Reinaldo Azevedo,posições distintas sobre o governo.
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