O Globo
Sem deixar que a economia perdesse
centralidade, ele incorporou elementos das guerras culturais à campanha
Amanhã os argentinos vão às urnas para eleger
seu presidente, e o candidato que lidera as pesquisas é Javier Milei,
do partido A Liberdade Avança. Em algumas reportagens brasileiras, Milei tem
sido descrito como um candidato de direita, mas essencialmente diferente de
Bolsonaro. Enquanto Bolsonaro enfatiza a agenda de costumes, Milei enfatiza a
econômica.
Sua postura libertária, ultraliberal, o aproximaria mais de um Felipe D’Avila, do partido Novo, que de um Bolsonaro. Algumas posturas que adotou no passado, mais tolerantes com drogas e práticas sexuais, o qualificariam como um liberal. Essa leitura, porém, está equivocada. Milei é hoje, como ele mesmo gosta de lembrar, um paleolibertário, um candidato que combina liberalismo econômico extremo com conservadorismo moral. Uma pesquisa realizada em Buenos Aires mostra que, entre seus apoiadores, a adesão a ideias conservadoras é ampla.
Desde antes de se lançar na política
institucional, Milei vem tentando conciliar a defesa do liberalismo econômico
extremo com o conservadorismo moral. Isso se refletiu numa espécie de
dobradinha e divisão do trabalho de combate à esquerda argentina com o
cientista político Agustín Laje. Enquanto Milei fazia a batalha das ideias
econômicas, Laje fazia a das ideias conservadoras.
A ênfase na economia marcou toda a campanha.
Ele entende, afinal, que a proposta de dolarização é o pilar de sua
candidatura. Embora heterodoxa e arriscada, sabe que é a única proposta
“diferente” e inovadora para enfrentar a crise de pobreza e inflação que
atravessa o país. Por esse motivo, é equivocado pensar que o voto em Milei é de
protesto, um “voto bronca”. É exatamente o contrário: um voto de esperança.
Sem deixar que as questões econômicas
perdessem centralidade, Milei foi incorporando elementos das guerras culturais
à campanha. Atacou a educação sexual nas escolas e criticou o ensino da
“ideologia de gênero” pelos professores. Defendeu revisar para baixo a estimativa
de militantes de esquerda assassinados pela ditadura nos anos 1970. Defendeu a
posse de armas pelos cidadãos “de bem” e que os militares passassem a atuar na
segurança pública, como nas operações de Garantia da Lei e da Ordem
brasileiras. Propôs também rever a legalização do aborto e punir com dureza o
consumo de drogas. Está se convertendo ao judaísmo e adotou como lema de
campanha “As forças que vêm do céu”, referência ao versículo Macabeus 3:19.
Com essas questões em mente e em parceria com
colegas argentinos da Universidade de Lanús, coordenei uma pesquisa de opinião
ouvindo os apoiadores de Milei que foram ao comício de encerramento da campanha
na quarta-feira, em Buenos Aires.
Foi muito diferente de um comício de
Bolsonaro. Para começar, a maioria eram jovens e adolescentes. Setenta por
cento dos participantes tinham menos de 34 anos. Isso destoa bastante das
mobilizações bolsonaristas, dominadas por homens na faixa dos 40 e 50 anos, com
grande presença de idosos. Chama também a atenção o perfil de renda, com muitos
jovens mestiços vindos de bairros e cidades periféricas. Há muito tempo o voto
na Argentina é segmentado. Os pobres votam no peronismo e as classes médias no
antiperonismo. Milei atropelou esse corte de classe e renda, ganhando apoio
transversal em todos os estratos sociais.
Mas, se na demografia os mileístas
mobilizados são diferentes dos bolsonaristas, na opinião são semelhantes.
Fizemos um questionário que retrata opiniões amplamente aceitas entre
bolsonaristas, críticas às elites culturais. O questionário buscava medir a
desconfiança na atuação de professores, ONGs de direitos humanos, artistas e
jornalistas. Setenta e um por cento dos mileístas presentes concordaram com a
afirmação “os direitos humanos atrapalham o combate ao crime”; 64% com a
afirmação “nas escolas se ensinam temas que contrariam os valores das
famílias”; 49% com a afirmação “os artistas não respeitam os valores morais da
nação”; e 96% com a afirmação “a internet permite descobrir verdades que os
jornais e a TV querem esconder”.
Não é possível generalizar esses dados,
coletados com o núcleo da militância, para setores mais amplos do eleitorado,
mas eles dão pistas de que, a despeito da ênfase econômica, o fenômeno Milei
está também ligado às guerras culturais entre conservadores e progressistas
travadas nas mídias sociais. Se Milei ganhar as eleições de amanhã, poderemos
ver se consolidar na Argentina um fenômeno social não muito diferente do
bolsonarismo.
Bem informativo!
ResponderExcluirE periga ganhar mesmo!
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