O Globo
Estão adiadas decisões e crises potenciais que estavam em curso até meia República tirar féria
Enquanto o mundo acompanha apreensivo o
acirramento da guerra no Oriente Médio, no Brasil reina um recesso branco
generalizado que, de um lado, evidencia a dificuldade do governo brasileiro de
repudiar sem subterfúgios os ataques terroristas do Hamas a Israel e, de outro,
apenas adia uma série de decisões e crises potenciais que estavam em curso até
meia República tirar férias.
Desde que Lula se submeteu à cirurgia para colocar prótese no quadril, cuja recuperação ainda o mantém afastado do dia a dia da administração, ficaram em suspenso as aguardadas indicações do novo ministro do Supremo Tribunal Federal e do substituto de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República.
O prazo extra vem sendo usado por Flávio Dino,
ainda favorito ao lugar de Rosa Weber no STF, para tentar desarmar algumas
minas terrestres colocadas em seu caminho até o outro lado da Praça dos Três
Poderes.
O ministro da Justiça já havia reagido contra
a narrativa segundo a qual iria para o Supremo, mas não deixaria a política.
Nos últimos dias, tratou de desviar-se das cascas de banana de se expor a novas
sabatinas em comissões do Congresso, palco de recentes bate-bocas seus com a
oposição.
Isso vinha sendo usado como argumento de que
Dino seria “explosivo”, característica que levaria ao Judiciário caso nomeado.
Ele percebeu a recorrência dessa alegação, fez até piada com interlocutores
dizendo ser afável, mas recolheu o time e faltou a uma convocação da
bolsonarista Comissão de Segurança da Câmara. Houve protestos e ameaças, mas
ele não se submeteu à nova rodada de desgaste.
Com Geraldo Alckmin, Rodrigo Pacheco, Arthur Lira,
boa parte dos ministros do Supremo, Fernando Haddad e até o presidente do Banco
Central, Roberto Campos Neto, viajando cada um para um canto do globo para
eventos variados, não sobrou ninguém em Brasília. Nem para que essas
articulações por cadeiras vagas avancem decisivamente, nem para que a agenda
econômica da Fazenda ande no Congresso.
Haddad vinha preocupado com o tempo para
aprovar a taxação de fundos exclusivos e offshore. Acabou atirando no que viu e
acertando no que estava por vir: afirmou que a situação internacional era
preocupante antes mesmo da escalada do conflito entre Israel e palestinos,
motivada pelos atentados do Hamas.
Com algumas incertezas que a guerra lança
sobre o cenário econômico, sobretudo com a possibilidade de novo choque no
preço internacional do petróleo, que teria impacto sobre a inflação no Brasil
e, eventualmente, sobre a decisão do BC a respeito do ritmo da queda dos juros,
o alerta do ministro quanto à necessidade de correr com a agenda ganha ainda
mais relevância.
Depois de ameaçar (mais) uma obstrução na
pauta, Lira nomeou o relator dos projetos que têm forte impacto sobre a
necessidade de incrementar a arrecadação, mas viajou para um longo giro que
inclui China e Índia. Assim, não só esta semana de feriado, mas também a
próxima tendem a ser pouco produtivas na Câmara, Casa que concentra essas
matérias.
Também as propostas orçamentárias andam
devagar, ao sabor das conveniências do Legislativo e sob pressão cada vez maior
dos congressistas por mais ingerência na destinação de lautas fatias dos recursos
federais para as emendas.
Por fim, também tirou férias a crise entre
Judiciário e Legislativo pelo direito a falar por último em determinadas
questões, sem, no entanto, haver no horizonte uma negociação que a encerre.
Há quem aposte que os arroubos retóricos de
deputados e senadores e o ensaio de aprovação de matérias para suprimir
prerrogativas do Supremo são só isso, arroubos e ensaios. Ainda assim, a
superação deste momento tenso requer conversa, e ela só poderá avançar quando o
pessoal voltar do recesso branco. Até lá, todos os olhos seguem voltados para
Israel.
Tende piedade de nós.
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