quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Vinicius Torres Freire - Seu dinheiro, inflação e juros correm risco com o tumulto nos EUA

Folha de S. Paulo

Chance de juros americanos maiores por mais tempo afeta economia no Brasil

Infelizmente, estamos passando por um El Niño financeiro. O aquecimento das taxas de juros nos EUA provoca tempestades nas condições financeiras do Brasil e do mundo quase inteiro.

O termômetro mais "pop" dessa alteração climática é o dólar, que nesta terça-feira (3) bateu em R$ 5,15 (em 27 de julho, baixara a R$ 4,72). Se a leitora é perspicaz e tem a boa sorte de ter algum dinheiro guardado, poderá ver o problema no valor dos seus títulos do Tesouro Direto ou mesmo em um fundo de renda fixa ("de banco") que tira o grosso de seus rendimentos de empréstimos ao governo.

As taxas de juros sobem por aqui desde o início de agosto. Aquelas de prazo superior a dois anos estão em nível maior que o de início de junho (um outro jeito de dizer que o valor dos títulos caiu). A taxa de três anos, por exemplo, está em 11,21%; em 3 de agosto, estava em 10,03%. Dureza.

Trata-se das taxas que definem o custo de financiamento (empréstimos) do governo deficitário e uma espécie de piso para as demais taxas da economia. Do seu crédito inclusive.

De passagem: o Banco Central baixou a meta da Selic em 2 de agosto. Todas as taxas de juros com prazo maior do que um ano estão maiores do que em 3 de agosto. A direção do PT vai agora escrever tuítes revoltados contra Wall Street? Com o mercado de trabalho americano ainda aquecido, o que tem ajudado as chutar para cima as taxas americanas? Vai processar aquele touro cafona de Nova York?

A taxa de juros dos títulos de 10 anos do governo americano bateu nesta terça-feira em 4,8% ao ano, a maior desde 2007. O de dois anos, em 5,15%. A tese de "juros mais altos por mais tempo" está pegando outra vez, e pesado.

Um título americano ("bill") de 6 meses está pagando em torno de 5,5% ao ano. Dada a incerteza sobre o que será da economia (recessãozinha? Nada disso?) e dos juros do BC dos EUA, o Fed, deixar o dinheiro paradinho em títulos de 6 meses é um bom negócio (em um mundo de juros menos aberrantes do que os do Brasil). Assim, as Bolsas caem, lá e cá (aqui, para um nível de fato deprimido).

Quanto menor a diferença de taxas de juros de Brasil e EUA, menos atrativo fica manter dinheiros em reais, tudo mais constante. Os juros sobem aqui, no atacadão do mercado de dinheiro. O dólar também. Para piorar, como de costume, a moeda brasileira é uma das que mais perdeu valor (ante o dólar) desde julho, entre 36 acompanhadas diariamente pelo FMI.

Dólar mais caro é pressão na inflação. No preço de petróleo, de combustível, talvez de alimentos cotados internacionalmente —o petróleo sobe por causa do conluio de sauditas com russos, amigos do Brasil no Brics "plus". Até o presidente da Petrobras passou a dizer que há problema, pois o preço do barril subiu, o dólar subiu e até o diesel russo vendido na xepa subiu. Quer dizer, pode ter aumento do diesel, ao menos.

 

É uma catástrofe? Não, não é, longe disso, pelo menos até agora. No entanto, é difícil lidar com mais um solavanco, em uma economia que esfria, de leve. Somos convalescentes de doenças e temos outras crônicas (dificuldade de conter a dívida pública etc.). A inflação estava alta até outro dia, as taxas de juros ainda estão horrivelmente altas. Com expectativa de inflação maior ou estável em nível desconfortável, os juros ficarão mais altos por mais tempo aqui também.

Esse sururu pode passar em duas semanas (mas está durando uns dois meses, já). Ou não. No curto prazo, não há nada que governo ou Banco Central do Brasil possam fazer. Fica apenas o enésimo alerta de que é bom consertar o telhado e as calhas antes de começar a estação de chuvas ou o El Niño financeiro.

 

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